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Luiz Costa Lima Uma obra em questão

Conselho Editorial

Bertha K. Becker Candido Mendes Cristovam Buarque Ignacy Sachs Jurandir Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama

Dau Bastos (org.)

Luiz Costa Lima Uma obra em questão

Copyright © 2010, dos autores Direitos cedidos para esta edição à Editora Garamond Ltda. Rua da Estrela, 79 - 3º andar - Rio Comprido Rio de Janeiro - Brasil - 20.251-021 Tel: (21) 2504-9211 [email protected] Revisão Ana Maria Bernardes, Bianka Barbosa Penha, Clarissa Penna, Elaine Soares Frederico, Fábio Santana Pessanha, Juliana Caetano, Jun Shimada, Lucia Santalices, Patrícia Marouvo, Raquel Tavares Editoração Eletrônica Estúdio Garamond / Luiz Oliveira Capa Estúdio Garamond / Anderson Leal

B326m Bastos, Dau, 1960Luiz Costa Lima : uma obra em questão / Dau Bastos. - Rio de Janeiro : Garamond, 2010. 14x21cm, 416p. Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-7617-190-4 1. Lima, Luiz Costa - Crítica e interpretação. 2. Literatura brasileira - História e crítica. I. Título. 10-2552.

CDD: 928.699 CDU: 929:821.134.3(81)

Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

Sumário

Um livro necessário Dau Bastos, 7 Nota do entrevistado Luiz Costa Lima, 47 I. Por que literatura Lucia Helena, 49 II. Lira e antilira Italo Moriconi, 63 III. Estruturalismo e teoria da literatura Roberto Acízelo de Souza, 77 IV. A metamorfose do silêncio Vera Lins, 109 V. O romance em Cornélio Penna Ivo Barbieri, 115 VI. Mímesis e modernidade Ana Lúcia de Oliveira, 125 VII. Dispersa demanda Martha Alkimin, 159 VIII. Trilogia do controle Hans Ulrich Gumbrecht, 167

IX. A aguarrás do tempo Danielle Corpas, 183 X. Pensando nos trópicos Rodrigo Labriola, 203 XI. Limites da voz (I e II) Eduardo Sterzi, 229 XII. Vida e mímesis Gustavo Bernardo, 263 XIII. Terra ignota Cláudia Sampaio, 277 XIV. Mímesis: desafio ao pensamento Aline Magalhães Pinto, 291 XV. Intervenções Marilia Librandi Rocha, 313 XVI. O redemunho do horror João Adolfo Hansen, 337 XVII. História. Ficção. Literatura Sérgio Alcides, 359 XVIII. O controle do imaginário & a afirmação do romance Dau Bastos, 377 Índice de nomes, 397 Livros de Luiz Costa Lima, 405

Um livro necessário Dau Bastos “Se existe algo quase inútil na terra, esse algo é o homem excepcional”.

A epígrafe acima fecha o penúltimo capítulo da Trilogia do controle e, se pauta a visão que Luiz Costa Lima tem do ser humano – seja ele considerado iluminado ou pessoa comum –, norteia a interlocução multifacetada aqui reproduzida, da qual o incenso e a lisonja foram banidos a priori, de modo que o foco incidisse não sobre a pessoa e sim sobre a produção, vista sempre como problematizável. Ao longo das páginas se sucedem perguntas formuladas por pesquisadores que, dedicados individualmente a cada um dos volumes da obra do entrevistado, têm o cuidado de inserir o título em pauta no todo dos estudos literários ocidentais. As respostas visam igualmente ao rendimento analítico, por vezes ao preço da impressão de que se passou da cordialidade à contenda, quando apenas se aprofundou o debate. Esse espírito crítico e democrático marcou meu primeiro contato pessoal com o Luiz, em 1990, por ocasião do concurso para o mestrado em Literatura Brasileira da UERJ. O processo de seleção incluía o sorteio de um autor nacional acerca do qual os candidatos elaboravam um ensaio, e nos coube escrever sobre Clarice Lispector. Como tínhamos um mês inteiro para produzir o texto, pude conhecer um rol razoável de apreciações, das quais aproveitei algumas. Perguntado, durante a arguição, se realmente lera os crí7

ticos citados, senti-me impelido a mostrar serviço e, neste sentido, não somente teci considerações sobre as ideias alinhavadas por dois ou três deles como afirmei ter deixado de lado algumas afirmações que me pareciam sem sentido, como aquelas formuladas pelo Luiz Costa Lima, no artigo tal etc. De repente, senti um certo constrangimento nos membros da esquerda e da direita da banca (respectivamente, Roberto Acízelo de Souza e Vera Foullain de Figueiredo), cujo centro era ocupado pelo próprio contestado, do qual só então associei a figura ao nome. Saí do encontro convencido de que a impassibilidade com que o Luiz tratara o incidente indicava a decisão de me barrar. Alguns dias depois, porém, vi-me aprovado para uma convivência em que, diferentemente dos panos quentes que tendemos a cultivar dentro e fora da academia, o confronto de ideias era levado tão a sério que por vezes o professor admitia a necessidade de rever certas intuições cuja fragilidade descobrira durante a aula. É de se acrescentar, contudo, a ironia ou impaciência com que podia tratar os raciocínios muito canhestros, que pareciam deixar a nu a má formação universitária brasileira e a resistência à teoria de um percentual considerável dos ocupantes do campo das letras. Essas reações – que qualquer disciplina de Licenciatura trataria como inimigas do magistério – resultavam na debandada de um certo número de alunos e reforçavam a imagem de pessoa difícil do docente. Iam embora também os mestrandos e doutorandos que simplesmente não conseguiam acompanhar a conversa. Entre aqueles que permaneciam, havia verdadeiros destaques em formação e inteligência, além de pós-graduandos que, por mais que deixassem escapar muito do que era dito, vislumbravam o potencial do caminho proposto. Graduado em Psicologia, eu me incluía neste último grupo, que tinha como única saída transformar em desafio estimulante o que, assimilado de outro modo, levaria ao desânimo. 8

Tempos depois, encontrei dois conhecidos no elevador da UERJ e, perguntado sobre o que fazia ali, disse que ia para a aula do Costa Lima, que aceitara ser meu orientador. Ambos estavam em fase avançada da graduação em Letras e, para minha surpresa, disseram que pouco ou nada entendiam do que ele publicava. A essa altura eu já não me perdia em suas aulas e seus textos; percebera que, não o tivesse como professor, possivelmente haveria abandonado a pós-graduação, que consumia boa parte do tempo reservado à labuta no mercado editorial, de onde tirava meu sustento. Assim se explica a ideia de produzir um livro que facilitasse o acesso a uma obra crítica que, sem qualquer favor, figura entre as mais fecundas de nosso país.

Pluralização do projeto Passaram-se muitos anos desde o momento em que surgiu a vontade de organizar este livro, o que se explica pelo meu intento de terminar o doutorado, fazer concurso e, livre de obrigações pesadas, passar inteiramente em revista os trabalhos do Luiz. No momento em que as boas condições surgiram e pude pensar com mais calma no plano, percebi que poderia tê-lo realizado muito tempo antes, pois, da mesma forma que meu ex-orientador havia dialogado em seus escritos com um vasto elenco de estudiosos e produtores de literatura, convinha colocá-lo para conversar com o maior número possível de colegas. Como mesmo os retardos podem apresentar vantagens, Luiz mantivera a regularidade da produção, que até se incrementou na última década, beneficiada pelo acúmulo de leitura e reflexão de uma trajetória autoral que havia chegado a livro ainda em 1966. Assim, as entrevistas aqui reunidas cobrem 21 títulos, uma vez que a Trilogia do controle e Os limites da voz se constituem, respectivamente, de três e dois volumes. Para elaborar as questões, foram mobilizados dezoito especialistas, o que, por si só, contribui substancialmente para a profundidade e riqueza da visada. 9

A diversidade se deve igualmente ao fato de os entrevistadores pertencerem a diferentes gerações, ainda que se irmanem entre si e ao entrevistado pela seriedade e inquietação com que atuam na universidade e no âmbito mais amplo da cultura. Entre eles encontram-se desde companheiros de longa jornada do Luiz até duas estudantes de doutorado e ex-alunos que iniciaram a docência universitária nos últimos anos. Vinculados a instituições de ensino do Brasil e do exterior, fazem jus ao entrevistado, do qual reduzem a solidão decorrente da coragem de encarar as fronteiras nacionais e de pensamento como convites à ultrapassagem. Por fim, que o leitor perdoe o que este rápido relato traz de pessoal e prosaico, mas foi a forma que encontrei de apresentar este conjunto de entrevistas menos como homenagem do que como esmiuçamento capaz de contribuir para o aprofundamento da abordagem do fenômeno literário dentro e fora de nosso país, mediante o acompanhamento de tematizações que remontam aos gregos, atravessam os séculos e desembocam no presente. Essa perspectiva perpassa a obra do Luiz e aqui ganha o devido realce por mérito também dos entrevistadores, que conhecem bem os livros que lhes coube enfocar, tanto em suas articulações internas quanto em seus nexos com as reflexões em curso nas esferas intercambiantes da crítica, da história e da teoria da literatura. As próximas páginas esboçam um panorama da produção do Luiz que, pautado pela cronologia, se detém em cada livro lançado e inclui, entre seus objetivos, o realce das tensões e transformações registradas no pensamento do autor. Fruto de minha vontade de desempenhar a contento o papel de organizador, o que se segue pode perfeitamente, parafraseando a famosa sugestão de Antonio Candido, ser pulado para as entrevistas. A quem resolver fazer diferente peço que veja as sínteses não como candidatas a radiografias consumadas, e sim como tentativas de aproximação que se dariam por satisfeitas se estimulassem o mergulho nos textos de que tratam. 10

A personalidade do estreante Luiz estreou com Por que literatura (1966), em período bastante carregado da vida intelectual brasileira. O retesamento experimentado no resto do Ocidente entre o estruturalismo e a crítica de fundo marxista reverberava de maneira especialmente pesada entre nós. A ditadura levava críticos, poetas e prosadores a pensarem com tal afinco na necessidade de se pragmatizar a criação que muitos resvalaram para o que se chamou de “patrulha ideológica”. Nosso entrevistado enfrentou a problemática dividindo o livro em uma parte teórica e outra analítica. Na primeira recorreu a Sartre e Lukács, com os quais entabulou um diálogo em que, então com 29 anos de idade, já demonstrou bastante personalidade. Aproveitou do filósofo francês a noção de imaginário, mas não como capaz de anular, e sim de suspender o real; preservou, por conseguinte, o vínculo entre arte e mundo. Recorreu às reflexões do teórico húngaro, entretanto contestou o “realismo crítico”, a seu ver asfixiado e asfixiante por se tratar, em última análise, de um “realismo lógico”; eliminou, dessa forma, qualquer nexo determinista entre realidade e criação. Esse movimento pendular de desbaste das bases teóricas lhe possibilitou tratar da ficção nacional reconhecidamente de qualidade. Na seção analítica, ateve-se a três romances emblemáticos das buscas formais e temáticas empreendidas em nosso território uma vez baixada a poeira modernista: São Bernardo (1934), Grande sertão: veredas (1956) e A paixão segundo GH (1964). À sequência cronológica corresponde um crescendo de desreferencialização que, contudo, Luiz não apresentou como marca de progresso ou qualidade. Se tratou Graciliano Ramos e Guimarães Rosa sem reservas, aplaudiu Clarice Lispector, mas a desafiou a desenvolver plenamente seu potencial. Percebe-se, assim, que não hesita em escolher um corpus canônico, conquanto que tampouco se obrigue a cobri-lo de elogios ou 11

se limite a reproduzir os pareceres que fundamentaram sua consagração. Na verdade, entrega-se às questões que brotam dos diferentes textos abordados, por vezes para rever posições assumidas anteriormente: “Cada autor é para o crítico ocasião para que ele retifique e refaça seus padrões de indagação e julgamento” (p. 123). Tal postura é uma das constantes a possibilitarem que sua obra se faça de perguntas que se equilibram pela densidade e encontram norte na profundidade.

A vez da poesia Luiz costuma se autocriticar nas reedições de seus livros, como aquela, lançada em 1995, de Lira e antilira (1968). O novo prefácio traz expressões duras como “primarismo chocante” e o reconhecimento do exagero de haver atribuído uma espécie de “humanismo ativo” à poesia cabralina. No entanto, o volume mantém inteira a defesa da suplantação de uma linguagem ainda dada a efusões (cujos representantes principais seriam Manuel Bandeira e Mário de Andrade) por outra caracterizada pela corrosão e a ironia (desenvolvida por Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto). É evidente a afinidade entre o crítico e os três últimos poetas, que partilham uma visão de mundo desencantada e uma percepção da literatura sem adorno nem ideal. Tal despojamento guarda afinidade com os sulcos mais fundos do século XX, os quais parecem se escavar continuamente. Mais que isso, cria condições de ética e estética se fundirem, já que a exposição da precariedade e da pequenez humanas se faz acompanhar do empenho de tirar poesia e prosa da aridez e do vazio. Tal isomorfismo entre conteúdo e forma dá margem a se pensar num sentimento que, sem jamais ser verbalizado pelo Luiz, ousaríamos aproximar da alegria e do orgulho, decorrente do fato de Cabral, que encarna o ápice do movimento ascendente 12

da argumentação, também ser nordestino. A seu lado encontra-se Graciliano Ramos, ao qual se associa igualmente o humanismo ativo, encontrável no texto em que “não mais caiba que o estrito humano e as coisas estritas que ele toca” (p. 325). A admissão de ter desenvolvido uma abordagem evolucionista e o questionamento da nomenclatura empregada não precisam impedir que a ideia aponte para a possibilidade, sempre modificável e inevitavelmente insatisfatória, é verdade, de se ter o oprimido na literatura sem se resvalar para populismos.

Primeiro grande retorno à Grécia Depois de dedicar dois livros, respectivamente, à poesia e à prosa brasileiras do século XX, Luiz encetou a elaboração de sua volumosa tese de doutorado, na qual abriu sobremaneira o escopo, ao empreender um inventário acurado das tentativas feitas a partir da Grécia antiga para se dar conta do fenômeno literário. No levantamento, incluiu desde Platão e Aristóteles até Kant e Hegel, desde os formalistas russos até o Círculo Linguístico de Praga, para chegar a dois esteios de seu pensamento: o estruturalismo lévi-straussiano e a estética da recepção. Lévi-Strauss é valorizado a ponto de lermos que temos em mãos “uma reflexão fundada no estruturalismo e sobre o estruturalismo” (p. 217; grifos do autor). O antropólogo francês interessa no tocante a seu “método de conhecimento do discurso” (p. 219), por meio do qual se poderia ultrapassar a mera sensibilização artística para chegar à reflexão. Os teóricos da estética da recepção ainda não são citados nominalmente, todavia a sempre mutável relação entre o texto e o leitor parece complementar à noção de estrutura (pautada por constantes). É o que possibilita a afirmação de que a “declarada polissemia [da arte], harpa a soar conforme o dedo que a tange, diz da experiência a que a sujeitamos e não dela própria” (p. 397). 13

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