Beatles Las Canciones de Amor

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CAMPUS I - SALVADOR DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE LETRAS INGLESAS E LITERATURA DE LÍNGUA INGLESA

ANTONIO FERNANDES DE CARVALHO

A CONTEXTUALIZAÇÃO DO AMOR NA MÚSICA DO GRUPO THE BEATLES

Salvador 2011

ANTONIO FERNANDES DE CARVALHO

A CONTEXTUALIZAÇÃO DO AMOR NA MÚSICA DO GRUPO THE BEATLES

Monografia apresentada ao Curso de Letras do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia como exigência parcial para a obtenção da graduação em Língua Inglesa e Literatura de Língua Inglesa. Orientadora: Profª Sonia Maria Davico Simon.

Salvador 2011

ANTONIO FERNANDES DE CARVALHO

A CONTEXTUALIZAÇÃO DO AMOR NA MÚSICA DO GRUPO THE BEATLES

Monografia apresentada ao Curso de Letras do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia como exigência parcial para a obtenção da graduação em Língua Inglesa e Literatura de Língua Inglesa.

Banca examinadora:

________________________________________ Orientadora: Profª Mestre Sonia Maria Davico Simon Universidade do Estado da Bahia

______________________________________ Prof. Dr. Décio Torres Cruz Universidade do Estado da Bahia

________________________________________ Profª Mestre Isabela L. de Santos Vasconcelos Universidade do Estado da Bahia

Salvador, 31 de Julho de 2012

“One thing we've found out is that love is a great gift, like a precious flower. You've got to be very careful with it. It's the most delicate thing you can be given”. John Lennon

“Love is a force in society. It is not to be ignored”. Jacqueline Sarsby

Ao meu filho Gustavo Acharya Schutt Carvalho, à minha mãe Maria de Lourdes Andrade Carvalho Ucha e às minhas excelentes amigas Israilda Souza Andrade e Astlê Guedes Barreto.

AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Sonia Maria Davico Simon, pelo que representa como mestre, pela dedicação, pelo exemplo, pela paciência e por ter me possibilitado realizar dois sonhos: o de ser seu orientando e o de abordar o tema deste trabalho; aos meus colegas de universidade e em especial à maravilhosa amiga e colega de tantos semestres, seminários, trabalhos acadêmicos e estágios, Larissa Bruno de Sá; aos colegas Allan Castro e José Carlos Santana; aos funcionários e servidores da UNEB – Haroldo Vieira, Marli Santos Oliveira, Antonio Roque S. Ferreira, Maria José Sanches, Lucas Souza Seixas, Maria da Glória Silva (“Dona Maria” do cafezinho); ao meu irmão Elvino Andrade de Carvalho por sua ajuda valiosa na formatação desta monografia; aos insubstituíveis mestres Décio Torres, Iraci Simões, Paula Montenegro, Jamile Caribé, Isolda Lisboa, Robélio Guimarães, Rosa Helena Blanco, Adelaide Oliveira, Cássio Jânio dos Santos Silva, Rita Luz, Ivete Sacramento, Valdilene Ferreira, Jaciara Ornelas, Silvia Souza, Carla Bernardo, Sérgio Guerra, Fernando Sodré e Arthur O. M. Caria Filho. Um agradecimento mais do que especial a Fernando Sodré que estimulou em mim a idéia de escrever sobre a obra dos Beatles, e a Arthur O. M. Caria Filho por ter sido o pai da idéia: A Contextualização do Amor na Música dos Beatles.

RESUMO

Por décadas o amor tem sido o tema predominante nas letras das canções populares, de uma maneira que pode até ser dito que a canção de amor é o arquétipo da música popular. A tipologia dos Lovestyles conforme proposta pelo psicanalista John Alan Lee foi aplicada na analise das letras das canções do grupo inglês The Beatles, sendo encontradas diferenças significativas na contextualização e abordagem do amor entre os trabalhos dos períodos inicial e posterior da carreira do grupo. Conclui-se que estas variações sejam resultantes da evolução profissional dos letristas da banda, bem como o reflexo de suas experiências pessoais. Palavras-chaves: Amor, letras de canções populares, canções de amor, contextualização do amor, Six Lovestyles, estilos de amor, John Alan Lee, rock, The Beatles.

ABSTRACT

For decades love has been the prevailing theme in the lyrics of popular songs, to an extent that one could say that the love song is the archetype of popular music. The typology of “Six Lovestyles” as it was proposed by the psychoanalyst John Alan Lee has been applied to analyze the lyrics of the songs from the British rock group The Beatles, and significant differences were found in the contextualization and approach to love among works of the initial and posterior period of the group´s career. It is discussed that these variations are due to the professional development of the band´s songwriters, as well as the reflection of their personal experiences. Keywords: Love, lyrics of popular songs, love songs, contextualization of love, Lovestyles, John Alan Lee, rock´n´roll, The Beatles.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Periodização da produção lírica dos Beatles. …................................................... 59 Quadro 2 O abandono da visão otimista do amor em ‘Beatles For Sale’. ............................. 60 Quadro 3 O abandono da visão otimista do amor em ‘Help!’ .….......................................... 61 Quadro 4 Os Lovestyles nas canções dos Beatles - 1962-1970. ............................................ 62 Quadro 5 Os Lovestyles nas canções dos Beatles - 1962-1965. ............................................ 62 Quadro 6 Os Lovestyles nas canções dos Beatles -1966 -1970. ............................................ 62 Quadro 7 Os estilos de amor em ‘Rubber Soul’ e ‘We Can Work It Out'. ........................... 63 Quadro 8 Os 6 estilos de amor em cada letra de autoria própria dos Beatles. ....................... 64

SUMÁRIO 1 Introdução ….................................................................................................................. 11

1.1 As características que diferenciam os seis estilos de amor ............................................ 12 1.2 A canção de amor e sua limitação na forma e conteúdo …............................................ 14 1.3 Definição de canção de amor ......................................................................................... 15 1.4 Por que faz tanto sucesso uma canção de amor? ........................................................... 15 1.5 Por que John Alan Lee? ................................................................................................. 16 1.6 Por que os Beatles? ........................................................................................................ 16 1.7 A abrangente influência dos Beatles .............................................................................. 17 1.8 Por que estudar canções de amor? .................................................................................. 21 1.9 Procedimentos da pesquisa ............................................................................................ 22 2

As fases de composição .................................................................................................. 23

2.1 A influência da música negra na obra dos Beatles ......................................................... 23 2.2 A música dos Beatles e o amor cortês …......................................................................... 24 2.3 Canção de amor: Dois ou três minutos de afirmação, lamento pela perda ou reflexão

sobre o amor …................................................................................................................. 25
2.4

De ‘Love Me Do’ a ‘Love is Everyone’….................................................................... 25

2.5 A música dos Beatles e a vigilância moralista dos anos 60 …....................................... 27 2.6 O fim da visão otimista do amor …................................................................................ 27 2.7 Mudanças no foco narrativo das letras …........................................................................ 28 2.8 O marco das mudanças .................................................................................................... 29

2.8.1 O surgimento dos seis Lovestyles em Rubber Soul ...................................................... 29 2.9 Para que servem as canções de amor? …......................................................................... 30 2.9.1 Da previsibilidade ao inusitado …................................................................................. 31
3

Os seis estilos de amor nas canções dos Beatles …..................................................... 34

3.1 As Análises das letras das canções de amor dos Beatles …........................................... 36 3.2 O amor Eros em ‘Something’ …..................................................................................... 39 3.3 O amor Ludos em ‘Ticket to Ride’ ................................................................................ 42 3.4 O amor Storge em ‘In My Life’ …................................................................................ 44 3.5 O amor Pragma em ‘We Can Work It Out …......…....................................................... 46 3.6 O amor mania em ‘Girl’ ................................................................................................. 47

3.7 O amor Agape em ‘The Word’ ….................................................................................. 48
4

A maturidade na abordagem do amor …..................................................................... 50

4.1 A influência de Bob Dylan e do abandono das turnês …............................................... 51 4.2 Os Beatles refletem acerca de suas canções de amor ..................................................... 52 4.3 Considerações finais ...................................................................................................... 54 Referências bibliográficas .................................................................................................. 55 Referências eletrônicas ........................................................................................................ 57 Apêndices ............................................................................................................................. 67

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1 Introdução Este trabalho tem como objetivo investigar os contextos em que o amor está presente nas letras das canções do grupo The Beatles. Para isso foi aplicada a tipologia dos “Lovestyles” conforme proposta pelo psicanalista John Alan Lee. Em seu livro The Colors of Love (1973) Lee compara os estilos de amor às cores do círculo cromático. Assim como existem três cores primárias ou básicas, vermelha, azul e amarela, existem três estilos primários de amor, que são: (1) Eros, o amor erótico, (2) Ludos, o amor jocoso e (3) Storge1, o amor pragmático. Continuando a analogia do círculo cromático, Lee propôs que, da mesma forma como as cores primárias podem ser combinadas para criar as cores secundárias, laranja, verde e violeta, estes três estilos de amor quando combinados desdobram-se em mais três diferentes estilos. Assim, a combinação de Eros e Ludos resulta em Mania (4), o amor obsessivo. Quando combinados, Ludos e Storge resultam em Pragma (5), e Agape (6) é o que surge da combinação de Eros e Storge. Assim, os seis de estilos de amor na classificação de John Alan Lee são: Os três estilos primários : 1. Eros – Amor erótico por uma pessoa idealizada 2. Ludos – Amor como um jogo 3. Storge – Amor como amizade Os três estilos secundários: 4.. Mania (Eros + Ludos) – Amor obsessivo 5. Pragma (Ludos + Storge) – Amor prático e realista 6. Agape (Eros + Storge) – Amor autruísta

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Eros, Ludos, Storge, Mania, Pragma e Agape são palavras originais do idioma grego, que aparecerão neste trabalho na forma como John Alan Lee as empregou em seu livro The Colors of Love.

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1.1 As características que diferenciam os seis estilos de amor Eros: O amor romântico, caracterizado por uma poderosa atração pela aparência física do amado. Nele a experiência do amor à primeira vista não é incomum. Se for bem-sucedido, haverá um profundo e duradouro elo físico e deleite, ou se mal-sucedido, quando o erotismo não é mútuo, haverá um colapso do relacionamento ou a impossibilidade da continuidade deste. Eros é o amor que se liga de forma mais clara à atração física e ao prazer, e frequentemente compele as pessoas a manterem um relacionamento amoroso continuado (1973, p.11). Ludus: É o amor jocoso, onde o relacionamento não é encarado com seriedade, mas sim como um jogo, competição ou uma diversão. Flertar, caçoar, conquistar e manter a atenção do(s) parceiro(s) são as características centrais deste estilo de amor que é permissivo e pluralístico (1973, p.41). Storge: O amor construído em torno da amizade e da atenção, análogo ao respeito e ao cuidado mantido por um irmão ou irmã. É um tipo de amor baseado na afeição desenvolvida lentamente e no companheirismo, com a prevenção de uma paixão desconfortável e a expectativa de um relacionamento duradouro. O amante estórguico2 valoriza a confiança mútua, o entrosamento e os projetos compartilhados. O romance Storge começa de maneira tão gradual que os parceiros nem sabem dizer quando exatamente foi o seu início. A atração física não é o principal Os namorados-amigos não tendem a ter relacionamentos calorosos, mas sim tranquilos e afetuosos. Preferem cativar a seduzir. E, em geral, mantêm ligações bastante duradouras e estáveis. “O que conta, para os amantes-amigos é a confiança mútua e os valores compartilhados” 3(1973, p.67). Pragma: Neste estilo de amor é enfatizado o aspecto lógico e prático do relacionamento. O amante pragmático tem por princípio que características como riqueza, educação, religião e idade são fatores importantes para um relacionamento dar certo. Pragma é a palavra grega para “prática”, “negócio”. Como em um negócio, o amante pragmático
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Storge é o nome da deusa da amizade no panteão das divindades gregas. Lee usa a palavra para se referir a uma categoria de amor em sua tipologia. O vocábulo não está dicionarizado em língua portuguesa, e neste trabalho daremos preferência à sua utilização na forma como aparece no livro de John Alan Lee. O neologismo “estórguico” aparecerá à partir deste ponto para indicar as qualidades do amor ou do amante relacionadas ao estilo Storge. 3 Com exceção do trabalho de Steve Turner intitulado “The Beatles: a história por trás de todas as canções”, todos os livros usados nesta pesquisa foram publicados em língua inglesa. Em vista disso, não usaremos a expressão “tradução nossa” após cada citação de texto traduzido do Inglês para o Português, seja ele oriundo de livro impresso ou eletrônico. O mesmo procedimento será usado em relação às citações de transcrições de entrevistas disponíveis na Internet.

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avalia todas as possíveis implicações antes de se envolver num romance. Se um namoro parecer ter futuro, ele investe. Se não, desiste. Cultiva uma lista de pré-requisitos para o parceiro ou a parceira ideal e pondera muito antes de se comprometer. É uma forma de amor que pode levar a um casamento como um contrato de interesses. Este amante prático e realista procura um bom pai ou uma boa mãe para os filhos e leva em conta o conforto material. Está sempre cheio de perguntas: O que será que a minha família vai achar? Se eu me casar, como estarei daqui a alguns anos anos? Como minha vida vai mudar se eu me casar? Segundo Lee, a mais notável característica do amor pragmático é “o cálculo racional de um relacionamento de amor afiliativo dentro de um contexto social”. (1973, p.135) O amor pragmático foi uma concepção de amor que predominou em séculos anteriores e era comum ser expresso nas antigas canções populares muito mais do que acontece nas composições atuais. O amor nestas canções era realista e prático: os amantes planejavam ter uma boa casa, boa progênie, e um futuro de convivência agradável e permanente. As canções modernas também abordam o amor pragmático, mas nelas o amante pede ao seu par que seja mais sensível, que persista nas coisas ao invés de abandoná-las, que seja paciente e cuide do relacionamento com carinho para ter a certeza de que o amor é verdadeiro. Uma canção moderna de amor pragmático pode sugerir ao ouvinte que destaque o que há de positivo em um relacionamento e elimine o que for negativo, calcule as perdas e possibilidades de ganho, e dessa maneira encontre um amor bem-aventurado e duradouro. (1973, p.108) Mania: Possessividade, obsessão, idealização exagerada do ser amado e ciúme são traços que caracterizam este estilo de amor que é irracional, inseguro e ansioso. “As emoções do amante maníaco4 muitas vezes estão além do controle e da compreensão, assim como suas demandas por submissão e fidelidade incondicionais”. (1973, p.89) Agape: Este estilo de amor é altruísta e absoluto. O amor é oferecido leal e bondosamente, sem expectativa de reciprocidade. O conceito de amor como compaixão total pelos outros é comumente encontrado em um contexto religioso ou espiritual. “É um estilo de amor gentil e cuidadoso; não há limite para sua lealdade, seu otimismo e sua continuidade”. (1973, p.156)
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As palavras “Mania” e “maníaco” usadas neste trabalho não têm aqui o mesmo significado das mesmas palavras no contexto popular quando se referem a um hábito estranho, ridículo, ou a um gosto levado ao extremo, nem o significado que na Psicopatologia indica um estado de super-excitação do psiquismo, caracterizado por exaltação do temperamento e desencadeamento de impulsos instintivos e afetivos. Assim, quando escrevemos “Mania” ou “maníaco” estamos nos referindo a um tipo de amor ou amante, conforme a categorização usada por Lee.

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1.2 A canção de amor e sua limitação na forma e conteúdo O tema predominante nas letras de música popular sempre foi – e continua sendo até os dias de hoje – o amor. Em seu trabalho “Music for Pleasure: Essays in the Sociology of Pop”, Simon Frith (1988) escreveu que há três abordagens para o amor nas canções populares: (1) ele pode ser expresso em canções que falam do lamento pelo amor perdido ou não correspondido, (2) que celebravam o amor mútuo, (3) ou que abordam a natureza e a importância do amor. Estas três estiveram presentes nas letras das canções populares desde o início do século XX, e sua convergência no início dos anos 1950, por meio do rock, levou ao surgimento de uma música popular contemporânea – ou pop – e a multiplicidade de subcategorias que dela derivam. Tradições musicais como o gospel, blues e o folk enfatizaram ou mantiveram os seus estilos temáticos de forma diferenciada, como o gospel com suas reflexões sobre a virtude do amor, o blues com suas letras sobre a perda do amor e a angústia que disto resulta e as baladas do folk com o seu conteúdo em celebração ao amor romântico. Todas estas formas de música ajudaram a definir o amor como o tema adequado para a música popular. Esta tendência é única dentro das artes. Nem toda poesia é sobre o amor; nem todo filme é de amor, e nem todo obra classificada como romance conta uma história de amor. Entretanto, a canção popular é reconhecida como o contexto apropriado através do qual os diversos aspectos do amor podem ser explorados. Há neste caso uma associação especial entre o veículo (a canção) e o seu conteúdo (o amor) que não se repete em nenhum outro lugar. De acordo a Frith (1988, p.119) esta associação foi consolidada na língua inglesa nos anos de 1950 graças ao trabalho dos principais compositores de música popular que persistiram na seleção e promoção do amor como o tema dominante em seus trabalhos. Letristas profissionais como Doc Pomus, Mort Shuman, Jerry Leiber, Mike Stoller e Carole King compuseram poucas canções que não fossem, de alguma maneira, sobre o amor. E outros letristas como Roy Orbinson, Carl Perkins, Fats Domino e Chuck Berry, para citar alguns exemplos, mostraram a mesma tendência na escolha temática. Devido à necessidade de garantir sua execução pelas rádios, uma importante convenção foi estabelecida quanto à forma temporal da música popular: as canções teriam que ser de uma duração que as tornassem atraentes aos produtores de rádios e disc-jockeys. Assim, uma canção muito longa não teria espaço para sua execução nem para sua divulgação. As canções de amor com duração de dois ou três minutos foram, por meados de 1950, o modelo de música popular. Isso contribuiu na

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formatação da música e influiu muito na maneira de escrever as letras e na escolha dos temas.

1.3 Definição de canção de amor Neste ponto é importante especificar quais são as características destas canções. Definiremos a canção de amor como aquela cuja letra refere-se, direta ou indiretamente, a considerações de um relacionamento íntimo, físico ou emocional de uma pessoa com outra ou outras, e às circunstâncias pelas quais esse relacionamento pode ser realizado, constrangido ou impedido. Tal definição é suficientemente flexível para dar igual valor aos temas de perda, afirmação ou de reflexão sobre o amor.

1.4 Por que faz tanto sucesso uma canção de amor? O predomínio das canções de amor na música popular pode ser explicado pelo reconhecimento e exploração da proeminência do amor por grande parte da audiência. Estas canções não somente refletem, mas também definem e estruturam as preocupações relativas ao amor, tanto nos adolescentes quanto nos adultos. Como afirma Frith: “As canções de amor populares não 'refletem' emoção, elas dão às pessoas os meios com os quais podem articular e experimentar suas próprias emoções” (1988, p.123). O segredo da música popular talvez esteja na linguagem de suas canções, que pode reunir elementos triviais em suas letras e “desfamiliarizar” o familiar, ou seja, investir o banal com uma força afetiva não esperada pelo ouvinte, que passa a ver o comum como extraordinário. A canção de amor supre os ouvintes com um recurso cultural apropriado através do qual é possível tanto satisfazer quando estimular a necessidade da audiência pela continuada reprodução de seus sentimentos.

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1.5 Por que John Alan Lee? John Alan Lee é um dos poucos pesquisadores cujas conclusões sobre a natureza do amor são obtidas tanto do exame de literatura ficcional quanto de não-ficcional. Ele reuniu aproximadamente 4000 declarações sobre o amor que vão de Platão a Freud, de São Paulo a D.H. Lawrence, do Livro de Rute a Doris Lessing (Lee, 1976, p.176). Após isso ele separou as declarações em tópicos como ciúme, possessividade e atração física. Dessa nova divisão ele chegou a reunir as declarações em cerca de uma centena de tópicos relacionados, que por um processo de cruzamento de dados foram estabelecidas as seis categorias, ou estilos de amor, de sua teoria. Por causa de suas origens, isto é, por ser fundamentada em textos ficcionais e em não-ficcionais, a teoria dos Six Lovestyles pode ser perfeitamente adequada à análise das representações do amor na música popular. das diversas concepções de amor” (1973,1976). Como Lee afirma: “A minha preocupação não foi a definir o amor, mas distinguir claramente a expressão pessoal e social

1.6 Por que os Beatles? Os quatro integrantes dos Beatles, John Lennon (1940-1980), Paul McCartney (1942), George Harrison (1943-2001) e Ringo Starr (1940) nasceram e se encontraram na cidade de Liverpool, situada a noroeste da Inglaterra. Durante suas tentativas de sucesso iniciais como os Quarry Men (Lennon, McCartney e Harrison) e os Silver Beatles, eles fizeram seus primeiros concertos em Liverpool e na Escócia em 1960 (Britanic Encyclopedia On-line)5. Esta fase inicial envolveu mudanças do nome do grupo e de seus componentes. Em agosto de 1960 eles foram contratados para 48 apresentações em Hamburgo, e a partir daí o grupo passa a ser chamado pelo nome definitivo “The Beatles”. Eles voltaram para Hamburgo no final do ano de 1960 para mais apresentações, e o ano de 1961 foi quando a banda viu o seu sucesso começar a crescer. Em abril eles retornaram a Hamburgo, mas foi em novembro na volta à cidade de Liverpool que a banda teve o seu momento definidor quando Brian Epstein assistiu uma de suas apresentações no Cavern Club. Ele veio a se tornar o empresário da banda. Embora tenha falhado em sua tentativa de conseguir um contrato com a empresa fonográfica Decca, em 1962 ele fechou um contrato com a Parlaphone. Em agosto de 1962, Ringo Starr ingressou na banda como baterista. Neste mesmo ano George Martin assinou contrato com os
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Fonte: The Beatles: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/57495/the-Beatles> .

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Beatles tornando-se o produtor musical da banda. Ele produziu 12 dos seus 13 álbuns oficiais e é considerado o grande catalisador das idéias musicais dos membros da banda. Segundo vários autores especializados em música, e entre eles Chris Ingham (2009, p.241-244)6, Martin é, em grande parte, o responsável pela qualidade da obra dos Beatles. Durante a década de 1960 eles dominaram a mídia e o mercado fonológico alcançando números até hoje imbatíveis de vendas de discos. De acordo ao site Guiness World Records7, os Beatles venderam 400 milhões de elepês e compactos durante sua carreira ativa (um período de 8 anos), o que faz deles a mais bem sucedida banda de todos os tempos. Michael Jackson, cuja carreira solo durou 28 anos, vendeu 350 milhões de discos. Em terceiro lugar está Elvis Presley com 300 milhões de discos vendidos durante os 21 anos de sua carreira ativa.

1.7 A abrangente influência dos Beatles Descrever todo o alcance da influência dos Beatles na música popular e na sociedade em geral é uma tarefa quase impossível. Assim, ao invés de tentar fazer tal descrição, citamos aqui as palavras do musicólogo Peter Gammond (1993, p. 46) no início do verbete sobre os Beatles em seu compêndio ‘The Oxford Companion to Popular Music’, que confirmam o estatuto especial da banda:
BEATLES, The - Grupo de rock britânico. Qualquer estudo histórico ou sociológico sobre a Grã-Bretanha na década de 1960 teria que incluir uma seção sobre o fenômeno dos Beatles. Claramente o grupo mais importante na história da música pop, sua influência é incalculável.

Os Beatles são conhecidos em todo o mundo. Há pessoas que não conhecem sua música (embora não acreditamos que exista alguém no mundo ocidental que não tenha ouvido “She Loves You”, “Help”, “Hey Jude” ou “Something”), mas já ouviram falar sobre a banda e o nome Beatles lhes é familiar. As pessoas reconhecem os quatro artistas dos Beatles em fotos, e até conhecem os seus nomes – pelo menos os primeiros nomes: John, Paul, George e Ringo (muitas vezes nesta ordem fixa) – e há ainda os que podem dizer quem é quem entre eles. Na Europa o
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Professor da Anglia Ruskin University e autor de vários livros sobre música popular. Fonte: BIGGEST All-Times Sales For A Band. Guiness World Records, 2005. < http://www.gui nnessworldrecords.com/content_pages/record.asp?recordid=50910>.

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corte de cabelo moptop8, usado pelos Beatles durante o período inicial de sua carreira, é ainda hoje em dia normalmente chamado de ‘beatle-hairstyle’9. Alusões às canções dos Beatles e às vidas de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr são sempre presença em filmes e seriados televisivos. E muito provavelmente, muitas pessoas que estudaram Inglês aprenderam a escrever beetle (besouro) com ‘ea’ em vez de‘ee’. Os Beatles transcenderam o alcance da música popular e tornaram-se parte da história cultural do planeta. Tem sido dito milhares de vezes que “The Beatles é a melhor banda de todos os tempos”. Por mais que sejamos fãs dos Beatles devemos ver está declaração como, no mínimo, um exagero, pois não existe uma medida para calcular tal posição, nem mesmo um sentido para a existência desta medida. Mas o que é verdade é que os Beatles nunca “saíram” da moda e até nos dias de hoje, 42 anos após a dissolução da banda, tudo que leva o nome “Beatles” faz ressurgir o interesse pela banda e suas músicas. Devido às limitações de uma monografia não apresentaremos neste trabalho uma lista de exemplos que provam que as ocorrências que são de alguma maneira relacionadas aos Beatles não são esporádicas nem estão restritas à musica, mas sim que penetram quase todas as esferas sociais e culturais, ao invés disso citamos aqui as palavras de Hanif Kuheish (1991, p.81, grifo nosso) em seu ensaio sobre os Beatles “Eight Arms to Hold You”: “ Certamente que eles são o único grupo pop que você pode remover da história e sugerir que culturalmente, sem eles, as coisas poderiam ter sido significantemente diferentes”. Na atualidade o legado dos Beatles é principalmente sua música. Muitos são os artistas que ainda encontram inspiração nas canções dos Beatles. Nas palavras de Billy Corgan, o vocalista e guitarrista da banda Smashing Pumpkins, “Você não pode ser mais grandioso que Elvis10, mudar as coisas tanto quanto os Beatles fizeram, ou ser tão original quanto o Led Zeppelin. Tudo que você pode fazer é imitá-los”11. Antes de 1963 os Beatles eram simplesmente uma banda popular em Liverpool e em Hamburgo, e desconhecidos em qualquer outro lugar. Então, entre 1963 e 1966, eles alcançaram um enorme sucesso ao redor do mundo, e seus rostos foram os mais reconhecidos símbolos da década. Eles se tornaram – e continuam sendo – a imagem ícone dos anos 1960, e desde esta época o grupo tem sido objeto de persistentes avaliações que vão muito além do contexto musical de sua obra.
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Em seu trabalho intitulado 'Historical approaches to

Merseybeat: Delivery, Affinity And Diversity', Ian Inglis (2007) lista várias abordagens
O corte de cabelo usado pelos Beatles durante o período inicial de sua carreira, conhecido assim por causa de sua semelhança com um ‘mop’ ou esfregão. É um penteado com uma franja reta que vai da testa ao pescoço. 9 Literalmente: “o estilo de cabelo dos Beatles”. 10 Elvis Presley. 11 Fonte: Billy Corgan Quotes: <http://thinkexist.com/quotes/billy_corgan/>.

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através das quais a importância dos Beatles pode ser analisada e avaliada. Assim, de acordo às idéias de Inglis: • Economicamente, os Beatles são vistos como um dos grandes responsáveis pela evolução da música popular na Inglaterra, que progrediu de um pequeno ramo de negócio de entretenimento local para um dos mais rentáveis produtos de exportação da nação. • Industrialmente, eles demonstraram afirmações de independência que libertaram a eles e a outros artistas do modelo restritivo e paternalista de gerenciamento e organização que caracterizava os negócios na Inglaterra. • Musicalmente, eles introduziram elementos inovadores na construção e composição de suas canções que serviram como exemplo para outros artistas. • Historicamente, o grupo é visto como um dos momentos chaves da narrativa do Século Vinte. • Politicamente, eles demonstraram que entretenedores podem ser também permitidos ao papel de intelectuais. • Socialmente, sua popularidade global sem precedentes foi obtida em parte pela capacidade que eles e sua música tinham de sobrepujar as tradicionais distinções de nacionalidade, gênero, idade e classe social entre os seus fãs. • Culturalmente, eles deslocaram o consumo, a discussão e análise da música popular para círculos intelectuais nos quais estes eram anteriormente excluídos. Os Beatles não são mais os heróis e porta-vozes da juventude como foram considerados até o fim da década de 1960. Entretanto eles ainda são muito famosos e alusões à sua obra e às vidas dos integrantes da banda podem ser encontradas em quase toda parte. Os Beatles estão profundamente enraizados na cultura popular, e são usados em diferentes contextos em vários campos culturais (especialmente em filmes, rádio e televisão). Há também uma quantidade enorme de trabalhos acadêmicos sobre os Beatles e sua obra

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disponíveis em sites de universidades de renomadas. E não menos importante, um fator que indica claramente a importância dos Beatles no mundo atual, segundo nossa opinião, é a quantidade de livros novos lançados a cada ano tendo o grupo e sua obra como tema12. No Brasil os Beatles exerceram uma grande influência na música e cultura popular. O movimento musical da Jovem Guarda foi a versão brasileira da Beatlemania, onde vários grupos e artistas como Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderléia e Renato e Seus Blue Caps “imitavam” a música dos Beatles, seguiam sua moda e comportamento em público. A arte dos Beatles também influenciou diretamente o movimento Tropicália. Em seu trabalho de pós-graduação em Literatura “Sugar Cane Fields Forever: Carnavalização, Sgt. Pepper's, Tropicália”, Lauro Meller (1998, p.9) analisa minuciosamente a relação entre o disco mais culturalmente impactante e aclamado dos Beatles, Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band e o disco inaugural do Tropicalismo, Panis et Circensis. Segundo Meller:
Muitos autores já mencionaram pontos de convergência entre a obra dos tropicalistas e a dos Beatles, mas quase sempre esses comentários não ultrapassam o nível da alusão, da referência. Esperamos que nossa leitura carnavalesca de Sgt. Pepper's e de Panis et circensis constitua uma primeira contribuição, ainda que modesta, no sentido de examinar, de modo mais detido, essa relação.

A influência dos Beatles também está diretamente relacionada às ocupações profissionais que têm o Inglês como ferramenta imprescindível (turismo, relações diplomáticas, tradução, para citar algumas) e à profissão de ensino da língua inglesa. Atualmente o mundo inteiro, incluindo nações tradicionalmente patrióticas como a França, canta em Inglês. Há, no entanto, muito poucas pessoas que percebem o quão imensamente os Beatles contribuíram para a anglicização da música popular. A Beatlemania reverberou em todo o mundo na década de 1960, coroando um processo de anglicização e americanização da música, que começou com o rock and roll nos anos de 1950, e fez com que as pessoas de países de todas as linguas começassem a aprender Inglês. Rudolf Hecl (2006, p.25), em seu trabalho sobre a influência cultural dos Beatles, escreve que:
Naqueles dias, as músicas nos discos e rádios eram para muitas pessoas a única fonte de Inglês autêntico e muitas vezes eram aos Beatles, por serem a
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590 livros sobre os Beatles foram editados em língua inglesa durante o período de 1980 a 2004. Fonte: Beatles Unlimited On-line <http://www.beatles-unlimited.com/mamboarchive/SiteArchive/booklookuk.htm>.

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banda mais popular da época, a quem o povo ouvia. Um grande número de bandas começou a cantar em Inglês, já que a língua era considerado como algo especial e uma "garantia" de qualidade.

Os Beatles são indispensáveis para qualquer um que deseja estudar a história da música popular bem como para quem está interessado na história recente da Grã-Bretanha ou na cultura britânica. Conhecer os Beatles é quase tão importante quanto conhecer Shakespeare se você quer entender muitas anedotas e paródias no contexto britânico. Conhecer os Beatles é muito importante para alguém que queira, ou precise, entender a cultura britânica.

1.8 Por que estudar canções de amor? O estudo dos contextos em que o amor foi descrito e enaltecido na obra dos Beatles, além da importância no campo dos estudos das líricas, também pode ser apreciado no contexto mais amplo da literatura do amor. Por exemplo, a demonstração de que mais de dois terços dos temas destas canções estão nas categorias de amor erótico e lúdico confirma os resultados de pesquisas como a de Steve Duck (1992) apresentadas no livro 'Human Relationships'. Neste trabalho, Duck teoriza haver diferenças entre homens e mulheres no que se refere às atitudes amorosas: o amor masculino é tipicamente passional e descomprometido, havendo nele um traço marcante de competição associado ao romance, e o amor feminino tende a ser fraternal e ao mesmo tempo pragmático. Esta presente análise das letras das canções de amor dos Beatles também corrobora a tese de Hendrick e Hendrick, citada por Andréa Rotzein (1993) da Texas Tech University, na qual eles afirmam que: (1) homens tendem a ser mais lúdicos e (2) as mulheres tendem a ser mais estórguicas e pragmáticas do que eles; e que (3) Mania é geralmente o primeiro estilo de amor vivenciado por adolescentes. Levando em conta esses informações sobre a natureza da relação entre música popular e o amor, iremos investigar a contextualização do amor tal como aparece nas canções dos Beatles. Sendo reconhecidos como os mais influentes e bem sucedidos expoentes da música popular de todos os tempos, sua obra representa um assunto particularmente atrativo para um estudo, cujas conclusões podem, também, ser aplicáveis à avaliação do trabalho de outros músicos.

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1.9 Procedimentos da pesquisa Para classificar todas as canções dos Beatles nas categorias de amor apresentadas na tipologia dos Six Lovestyles foi necessário uma combinação de quatro atividades diferentes. A primeira foi realizar uma inspeção do conteúdo completo das letras. Para isso optamos por utilizar o catálogo 'The Little Black Songbook – The Beatles' editado em 2005 pela Wise Publications, inicialmente isolando do estudo as canções que não fossem de autoria dos Beatles. A segunda foi ouvir as músicas gravadas, o que permitiu uma percepção mais apurada dos significados e intencionalidades nas letras. Nesta etapa fizemos a separação em dois tipos de canções: as canções de amor e as que não podem ser assim consideradas. A terceira foi utilizar a categorização de Lee de maneira que cada canção de amor pertencesse a uma das seis categorias.13 Optamos pela adaptação da categorização de Lee como é encontrada no trabalho de Andréa Rotzien (1993) intitilado “A Confirmatory Factor Analysis of the Hendrick-Hendrick Love Attitudes Scale : Implications for Counseling”, por ter nos parecido mais prática e concisa. O material disponível na Internet sobre o grupo também foi muito valioso nesta pesquisa. E finalmente, foi importante ouvir e ler as opiniões dos próprios Beatles sobre sua música que estão acessíveis em várias fontes, especialmente biografias e entrevistas. Os resultados alcançados através desta combinação de atividades é o que se vê nas páginas adiante.

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No quadro 8 (páginas 63-65) são apresentadas todas as canções de amor dos Beatles classificadas de acordo aos parâmetros estabelecidos pela teoria dos Six Lovestyles.

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2 As fases de composição Entre o lançamento do primeiro compacto dos Beatles “Love Me Do / P.S. I Love You” (outubro de 1962), e o seu álbum final “Abbey Road” (setembro de 1969), a produção total do grupo foi de 208 canções. Esse número se refere à produção encontrada nos álbuns oficiais produzidos pela E.M.I na Inglaterra e pela Capitol nos Estados Unidos, sem contar os relançamentos, as gravações não-oficiais e a série de álbuns Anthology. Dessas 208 canções, 196 (89%) foram compostas por membros do grupo (especialmente por John Lennon e Paul McCartney) e 25 (11%) são versões cover de canções escritas ou executadas por outros grupos ou cantores individuais. Das 196 composições próprias, 112 (57%) são canções de amor ou que de alguma forma tratam do tema. O presente estudo se concentra nas formas como o amor está contextualizado nas letras dessas canções.

2.1 A influência da música negra na obra dos Beatles Embora estilos de música não sejam tópicos primários deste trabalho, julgamos necessário escrever sobre as influências musicais que os Beatles receberam já que a forma e o conteúdo com que eles escreveram as letras de suas canções, sobretudo as letras das primeiras canções de amor, está intimamente ligada aos estilos musicais predominantes em sua formação como músicos e letristas. O crítico musical Charles Gillett (1970) destaca em seu ensaio 'The Sound od the City', no qual analisa a complexidade do rock and roll, o quanto o grupo foi influenciado pela música negra – rock and roll, rhythm and blues, doo-wop – e o skiffle, um estilo derivado da música negra popular na Inglaterra dos anos 50. Nos anos 60 as bandas de Liverpool desenvolveram um som distintivo que foi chamado de Mersey Beat, ou o som de Liverpool. Era uma forma anglicizada de rhythm´n´ blues com uma batida dançante e uma harmonia clara, que foi muito popular entre 1962 e 1965. Além dos Beatles, o estilo era seguido por outras bandas como Gerry And The Pacemakers e os Searchers. The Beatles foi o mais proeminente grupo de Mersey Beat, e assim continuou durante os seus dias de maior fama, o período da Beatlemania14, que durou aproximadamente de 1963 a 1966. Somente depois do lançamento do álbum Rubber Soul em 1965, é que eles começaram a mudar significativamente sua forma de fazer música e sua expressão lírica. As letras passaram a ter
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Beatlemania é um termo surgido durante a década de 1960 para descrever a intensa histeria que os fãs dos Beatles dirigiam ao grupo. A palavra é a junção de “Beatle” e “mania”, semelhante ao termo mais antigo Lisztomania usado para descrever a reação dos fãs aos concertos do pianista Franz Liszt. Fonte: The Beatles: <www.newworldencyclopedia.org/entry/The_Beatles>.

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um papel muito importante nas músicas dos Beatles.

2.2 A música dos Beatles e o amor cortês As letras das músicas da fase inicial dos Beatles pertenciam, em sua maior parte, a uma versão democrática do courtly love, o amor cortês, que sempre teve predomínio na música popular. De acordo a John Moore (1979, p.621-622), courtly love tem sua origem na expressão francesa amour courtois, definição dada originalmente por Gaston Paris em um artigo escrito em 1883, "Études sur les romans de la Table Ronde: Lancelot du Lac, II: Le conte de la charrette", um tratado onde ele analisa Lancelote, o Cavaleiro da Carreta (1177) de Chrétien de Troyes. O dito amour courtois de Paris era uma disciplina nobre e idealizadora. O amante (idealizador) aceita a independência de sua senhora e tenta fazer de si próprio merecedor dela, agindo de forma corajosa e nobre e fazendo quaisquer feitos que ela deseje. A satisfação sexual, escreveu Paris, pode não ser um objetivo ou mesmo o resultado final, mas o amor não era inteiramente platônico, visto que era baseado em atração sexual. No que se refere à forma de abordar o amor não há muita diferença entre as letras compostas pelos Beatles no período inicial de sua carreira e as cantigas do courtly love. O poeta inglês Blake Morrison corrobora tal idéia em seu artigo “The Sound Of The Sixties” (2000, p.422). O lamento devido aos tratamentos cruéis ou à inconstância (‘Now today I find / you have changed your mind’)15, a afirmação da dor e sofrimento (‘The world is treating me bad, misery’)16, reprimendas causadas pelo sentimento de propriedade (‘It´s the second time I caught you talking to him/ Do I have to tell you one more time I think it´s a sin’)17 e a insistente afirmação e súplica amorosa (‘Love me do / You know I love you / So please, love me do’)18 – são abordagens comuns na literatura do amor cortês e foram a importante base temática das letras das primeiras canções dos Beatles. Algumas dessas canções foram escritas à semelhança de cartas, o que também mantém sua ligação com o estilo das canções do courtly love. São canções que falam da tristeza e saudade que o rapaz sente de sua amada, o desejo de reencontrá-la e a promessa de regresso e um “seremos felizes novamente” (‘I´ll be coming home again to you love / Until the day I do love / PS I love you’19, ‘While I´m away / I´ll write home every Day / And I´ll send all my ‘Hoje eu descobri / Que você mudou sua mentalidade'. (The Night Before). ‘O mundo está me tratando mal, miséria. (Misery). 17 ‘Esta é segunda vez que eu lhe pego falando com ele / Eu tenho que lhe dizer mais uma vez que acho isso uma coisa errada?' ( You Can't Do That). 18 ‘Ama-me / Você sabe que eu te amo / Por favor, ama-me'. (Love Me Do). 19 ‘Eu vou voltar mais uma vez pra casa, pra você, amor / PS: Eu te amo'. (PS I Love You).
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loving to you’)20. Muitas dessas composições foram feitas durante o aprendizado dos Beatles em Hamburgo, quando John Lennon estava separado de sua noiva Cyntia, e os outros Beatles de suas famílias e namoradas, o que pode explicar essas ocasionais notas de solidão e autopiedade. “No que se refere à forma de abordar o amor não há muita diferença entre as letras compostas pelos Beatles no período inicial de sua carreira e as cantigas do courtly love.” (p.423)

2.3 Canção de amor: Dois ou três minutos de afirmação, lamento pela perda ou reflexão sobre o amor Nos anos do período inicial de sua carreira os Beatles seguiram o modelo da tradição do rhythm & blues, na qual as canções eram criadas para a execução ao vivo e para a dança. As letras das canções dos Beatles e de seus influentes predecessores como Carl Perkins, Chuck Berry ou Little Richards, referiam-se à dança ou a um possível diálogo entre um casal em uma pista de dança ou próxima desta. Na tradição oral as letras eram inseparavelmente ligadas à música e a audiência as ouvia como parte da experiência de um evento específico. Em tais eventos as palavras de uma canção eram difíceis de se distinguir e fáceis de se confundir. O ritmo tinha um papel muito mais importante do que a letra em uma canção de rock and roll. Portanto não era de se esperar que músicos de rock escrevessem letras mais complexas, que exigissem uma atenção mais cuidadosa ou uma apreciação crítica. Em 1967 os Beatles lançaram o LP Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band com várias inovações. Entre elas estava a adição das letras das músicas na capa. Segundo Allan Moore (1997, p. 28), esta novidade criada por eles é “uma indicação clara da importância que as letras das músicas passaram a ter em sua obra”.

2.4 De ‘Love Me Do’ a ‘Love is Everyone’: as diferentes fases de produção das letras Como sugere Eerola (1998), a carreira dos Beatles pode ser dividida em dois períodos: o inicial (1962-1965) e o posterior (1966 -1970). As canções de cada período se diferenciam por sua adequação à execução pública, pelos instrumentos usados, pela natureza da música e pelos temas abordados. Os Beatles começaram a experimentar novas idéias progressivamente desde o início de sua carreira, mas é Yesterday a canção que muitos consideram o marco da
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‘Enquanto estiver fora / Escreverei pra você todo dia / E lhe enviarei todo o meu amor''. (All My Loving).

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mudança estilística dos Beatles. Eerola discorda desse ponto de vista. Segundo ele as mudança são substancialmente perceptíveis somente à partir de Rubber Soul. Devido ao fato de que neste àlbum as mudanças no estilo musical foram acompanhadas do enriquecimente temático das letras e do surgimento de novas abordagens para o amor, chegando a abranger todas as seis categorias da tipologia de Lee, decidimos usar nesta pesquisa a seguinte periodização da obra dos Beatles: Um período que se inicia em 1963 com o lançamento do disco Please Please Me e termina em 1965 com Rubber Soul. E um segundo período que começa em 1966 com o álbum Revolver e vai até o lançamento de Let It Be em 1970. Chamaremos estes dois períodos de inicial e posterior21. As canções do período inicial podiam ser executadas pelos quatro componentes dos Beatles utilizando somente duas guitarras, um baixo e uma bateria. Uma melodia vocal com intermitente harmonia de canto era ordenada sobre um ritmo fixo pontuado pela guitarra elétrica. As canções desse período eram quase sempre sobre amor romântico. Já no segundo período, devido à complexidade dos recursos utilizados em sua gravação, a maioria das canções não podia ser facilmente executada ao vivo. O conjunto composto por uma guitarra, um baixo e uma bateria foi aumentado ou substituído, não somente por instrumentos familiares como piano, órgão e violino, mas também pelo sitar indiano, órgãos de tubos, orquestras, naipes de metais e gravações em fita magnética de sons exóticos e de solos de guitarra invertidos. Dessa forma a música dos Beatles tornou-se mais complexa e eclética, e as suas letras passaram a tratar de tópicos imprevisivelmente variados: impostos, atrações de circo, diretores de escola, guardas de trânsito, acidentes de carro, pulp fiction, notícias de jornais, problemas familiares, o amor na terceira idade, a desesperança, guloseimas e extração de dentes, solteironas solitárias, morte, lugares de Liverpool e a luz do sol. O tema do amor continua aparecendo nas canções do segundo período, mas agora em uma variedade de contextos maior do que no período inicial onde as canções tratavam principalmente de paixões adolescentes.

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Quadro 1, p.58.

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2.5 A música dos Beatles e a vigilância moralista dos anos 60 Os anos sessenta foram um período muito importante na história da Inglaterra. Foi uma época de novos insights, grandes transformações e busca pela liberdade. Um grande conjunto de mudanças relacionadas à década de 60 influenciou muitos aspectos da vida das pessoas. Como resultado disto, os velhos e tradicionais valores e ideologia da era Vitoriana não conseguiram resistir e foram substituídos por novas e mais aceitáveis atitudes. Neste cenário, onde conviviam a juventude rebelde desejosa de liberdade sexual e os pais que queriam manter o controle sobre seus filhos e filhas, os Beatles aparecem como um contraponto: Eles eram rebeldes, mas ao mesmo tempo cavalheiros; suas canções falavam de amor e sexo, mas sempre o assunto era abordado com uma sutileza que não assustava os saudosistas defensores da moral vitoriana. Suas idéias eram sempre expostas com generosidade e sem imposição. E a combinação da mensagem contida nas músicas com a imagem bem-comportada dos quatro rapazes, com seus terninhos e cabelo moptop
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bem

penteado, era digna de confiança. A esse respeito, Morrison (In: Evans, p.423) escreveu:
Havia principalmente uma agradável familiaridade em relação a essas músicas, juntamente com a tranquilizadora imagem moptop grupo. Na época, início dos anos 1960, quando a moral sexual dos adolescentes estava sob intenso escrutínio público, aqui estava uma música que você pode confiar à sua filha: Querem segurar a mão dela e nada mais.

2.6 O fim da visão otimista do amor A maioria das letras das músicas do período inicial da carreira dos Beatles oferece uma visão simples, positiva e bastante otimista sobre o amor. Isto se torna evidente nos títulos de algumas canções como ‘Love me Do’, ‘I Want To Hold Your Hand’, ‘She Loves You’, ‘I Saw Her Standing There’, ‘Thank You Girl’ e ‘P.S. I Love You’. Nestas canções de amor inocente era usada uma linguagem e um esquema de rimas muito simples:


‘Love, love me do / You know I love you / I´ll always be true / So please love me do. (‘Love Me Do’)23 ‘Oh yeah, I´ll tell you something / I think you´ll understand / When I say that


22 23

Cf. nota de rodapé da página 19. 'Ama-me / Você sabe que eu te amo / Por favor, ama-me'. ('Ama-me').

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something / I wanna hold your hand’ (‘I Want To Hold Your Hand’)24


‘You be good to me / You make me glad when I was blue / And eternally I´ll always be in love with you’ (‘Thank You Girl’)25 Jon Fitzgerald (In: Inglis, 2000, p.58) em seu artigo intitulado “Lennon-McCartney

and the British Invasion” observa que essa tendência otimista nas letras dos Beatles tinha paralelos com as de outros letristas da mesma época como Dave Clark e Ray Davies. Entretanto, a análise das letras revela que os temas otimistas deixaram de aparecer nas letras dos Beatles no final de 1964. Com exceção de ‘Eight Days A Week’, todas as canções próprias em “Beatles For Sale” e as de 1965 referem-se ao fim de um relacionamento ou a problemas a isso relacionados.26

2.7 Mudanças no foco narrativo das letras Como abordado no capítulo anterior, os trabalhos do período inicial dos Beatles foram caracterizados por emoções positivas, com muitas canções celebrando as alegrias dos novos relacionamentos românticos. Estas primeiras músicas tinham um tom emocional muito positivo, e o eu poético predominante em suas letras era alternadamente autodiegético e homodiegético. Tal característica durou até o lançamento do álbum Help! em 1965. Após este período o conteúdo emocional das letras passa a ser psicologicamente mais melancólico e distante, menos positivo, com muitas canções nostálgicas, voltadas para a lembrança de tempos mais felizes. Também foi observado que, diferentemente ao que acontecia no período inicial, as letras do período posterior dos Beatles tornaram-se menos situadas no presente e no futuro. Juntamente com as alterações emocionais, ao longo do tempo, suas letras tornaram-se mais intelectuais e complexas. Enquanto as primeiras canções estavam relacionadas a sentimentos e experiências pessoais, as canções posteriores foram mais frequentemente escritas sobre outras pessoas, o que pode ser observado em canções com narrativa heterodiegética como "She's Living Home", "Lady Madonna",
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"Get Back", “Mother Nature Son”, “Rockye

'É, eu vou lhe dizer uma coisa / Eu acho que você vai entender / Quando eu disser tal coisa / Eu quero segurar sua mão'. ('Eu Quero Segurar Sua Mão') 25 'Você é boa comigo / Você me fez feliz quando eu estava triste / E eu estarei sempre apaixonado por você'. ('Obrigado, garota') 26 Os quadros 2 e 3 (páginas 59 e 60) listam as diversas formas como o amor foi abordado na canções de 1965.

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Raccon”. Petri, Pennebaker e Sivertsen (2000), pesquisadores da Universidade do Texas, realizaram um minucioso estudo das letras dos Beatles utilizando a técnica da Análise Semântica Latente (LSA).27 O resultado desse estudo mostrou que a mudança mais significativa que ocorreu na música dos Beatles foi o grau de auto-referenciação.

2.8 O marco das mudanças Esta transição aconteceu rapidamente, embora o marco da mudança não tenha um momento definitivo. Em Help! (1965), o quinto LP lançado pela banda, já aparecem alguns traços de mudanças. Por exemplo, a canção ‘Help!’ que intitula o álbum não é necessariamente sobre amor romântico; ‘You´ve Got To Hide Your Love Away’ tem, reconhecidamente, influência do estilo folk de Bob Dylan; ‘Yesterday’ é executada com um quarteto de cordas e violão acústico. O álbum seguinte lançado no mesmo ano, Rubber Soul, aborda temas variados ao som de instrumentos musicais até então inéditos no trabalho do grupo e na enigmática canção ‘Norwegian Wood’ está o primeiro uso de sitar (cítara indiana) na música popular ocidental. O álbum, que não leva o nome do grupo na capa, parece apontar para as duas fases de composição.

2.8.1 O surgimento dos seis Lovestyles em Rubber Soul A análise dos resultados da classificação das canções dos Beatles revela que cinco das seis categorias de amor que compõem a tipologia de Lee são encontradas nas letras de Rubber Soul, ficando de fora somente Pragma, o amor prático e racional, que em toda a obra dos Beatles somente é abordado na canção ‘We Can Work It Out’(tabela 4). Esta canção, que foi também produzida durante as sessões de Rubber Soul, ficou de fora do álbum sendo lançada em três de dezembro daquele ano como compacto junto com 'Day Tripper'. Rubber Soul é o último álbum do período inicial dos Beatles, que compreende os anos que vão de 1962 até 1965, e após o lançamento deste, o grupo encerra as apresentações ao vivo e passa a dedicar o seu tempo ao trabalho de estúdio e a composição de letras com temas mais complexos.
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Análise Semântica Latente (LSA) é uma técnica em processamento de linguagem natural que analisa as relações entre um conjunto de textos e os termos que eles contêm, produzindo um corpo de conceitos relacionados aos textos e termos.

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Não foram somente a execução, os instrumentos e os temas que fizeram as canções desses dois períodos tão distintas, mas também a sua linguagem. Não é aqui uma questão de um vago incremento de riqueza linguística. Há também variações sutis e específicas na gramática e no vocabulário das canções que afetam a natureza de seu discurso. Enquanto o contexto comunicativo abordado pelas canções do período inicial tendia a ser fundamentado em conversas, disputas, solilóquios e fofocas, as canções do período posterior estão relacionadas à narração de histórias e ao filosofar, por isso abarcaram uma variedade maior de gêneros comunicativos – narrativa, poema, piada, sátira, texto religioso, texto de aconselhamento e outros. Segundo o que atesta Stephanie Murphy (2006, p.6) em seu trabalho “Identifying and Analyzing the Poetic Qualities of The Beatles’ Lyrics from 1965–1970”, esta fase de transição, o período de criação dos àlbuns Rubber Soul e Revolver, é um momento decisivo na produção de lírica dos Beatles, pois a partir deste ponto ele passaram a dar mais importância às letras e à mensagem que estas portavam. Tais mudanças na linguagem e no discurso parecem refletir a passagem cultural da austeridade à permissividade que foi uma característica dos anos 60.

2.9 Para que servem as canções de amor? De acordo a Cook e Mercier (2000, p. 94) as canções do período inicial dos Beatles são principalmente reflexões ou conversas acerca de três temas de interesse permanente para todos nós:
• • •

Nossos estados emocionais e auto-estima Nosso sucesso ou insucesso nos relacionamentos amorosos e sexuais Nossa habilidade em prever o comportamento dos outros, especialmente no que se refere à lealdade e a traição. As canções populares são um tipo de “fofoca” ficcional, e como tal exercem nas

pessoas o mesmo tipo de influência que os gêneros como o jornalismo sensacionalista e as telenovelas (2000, p. 94). Na Inglaterra a telenovela EastEnders é assistida diariamente por um terço da população e os jornais sensacionalistas podem ser lidos por metade desta. As canções do período inicial dos Beatles foram vendidas aos milhões. O apelo das histórias com

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permutações psicológicas nos relacionamentos sexuais parece ser inesgotável. Alguns psicólogos evolucionistas, entre eles Joseph Carroll (2005, p.943-944), têm sugerido que a obsessão humana com a dinâmica dos relacionamentos tem sua origem nas demandas da vida nas sociedades de coletores e caçadores da pré-história. Como os outros animais, os humanos são motivados pelo desejo de perpetuar seus próprios genes, e como outros animais inteligentes, as pessoas em competição uma com as outras podem fazer alianças contra os inimigos, planejar estratégias e adiar os seus objetivos. Entretanto, muito mais do que qualquer outro animal, os humanos têm a capacidade de dissimular e enganar, de ser fiel e infiel. Na medida em que as comunidades de hominídeos cresceram tornou-se cada vez mais imperativo compreender a psicologia dos outros, fazer predições corretas sobre o comportamento dos outros, e estabelecer quem seria confiável ou não. A ficção, seja nas novelas, filmes ou nos casos amorosos relatados nas canções, nos ajuda a desenvolver essa capacidade de predição, pois funciona como um modelo substituto da “realidade” através do qual contemplamos nossa própria vida. Porque as experiências de conflito e fim de relacionamento são tão comuns, as letras das canções populares têm um significado pessoal muito importante. Como os personagens nas letras dos Beatles, nós precisamos pensar cuidadosamente sobre o que os outros pensam e sentem por nós. O custo dos erros é muito alto, como está sugerido na canção de John Lennon:
I thought that you would realise That if I ran away from you You would want me too But I got a big surprise. (‘I´ll Be Back´)28

2.9.1 Da previsibilidade ao inusitado Todas as canções do período inicial da carreira dos Beatles (1962-1965) podem ser compreendidas como variações de um simples, fascinante e inesgotável tema: o amor. Algumas vezes as variações entre uma obra e outra são sutis – e dentro dos limites de cada
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'Pensei que você fosse entender / Que se eu fugisse de você / Você iria me querer também / Mas eu tenho uma grande surpresa'. ("Eu Voltarei")

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gênero – altamente originais. Certamente que escrever, em um período de 3 anos, mais de 70 canções, todas sobre relacionamentos românticos convencionais, mas todas sutilmente diferentes, é um feito de considerável inventividade criativa. Cada uma delas é essencialmente sobre o sucesso ou o insucesso no amor e a felicidade ou tristeza advinda destes. Em adição, as palavras, linhas e versos inteiros são repetidos muitas vezes em várias composições. Tudo isso ajudava a desviar o foco da atenção nas letras como textos e direcioná-la para a música e sua execução. Ainda que dentro um foco temático limitado as palavras e os temas sejam em um sentido geral previsíveis, é possível referir-se a eles com criatividade, de forma que desperte o interesse do ouvinte. Os Beatles foram habilidosos em sempre adicionar um elemento diferenciador em cada uma de suas composições. Já no primeiro grande hit da banda, “She Loves You”(1963), está a primeira grande revolução musical protagonizada pela banda. Até então o rock era composto basicamente por 3 acordes simples, uma batida forte e insistente e uma melodia de fácil memorização. Nesta canção são utilizados acordes dissonantes que, até então somente eram encontrados no jazz. A incorporação da dissonância ao rock, foi o primeiro grande legado do grupo à música popular do século XX. A letra, embora romântica, foge da dicotomia "menino-menina", com a incorporação de um terceiro elemento: O protagonista, um rapaz que avisa ao amigo que a namorada o ama, e que, "with a love like that, you know you should be glad" 29. Também aqui está o uso da expressão “yeah”, que viria a tornar-se uma marca característica do rock. A constante busca dos Beatles em criar novos sons a cada gravação e a incorporação de elementos linguísticos variados em suas letras exerceu influência na maneira como sua música passou a ser gravada. No período posterior de composição (1966 – 1970), a previsibilidade dos temas e palavras acaba. “Taxman”30 , a canção de abertura de Revolver, o primeiro álbum do período posterior é um bom exemplo. Um assunto inédito e inesperado como a cobrança de impostos, em uma canção popular, é um fator que direciona a atenção para as palavras. E o texto é absolutamente específico, não é sobre impostos em geral mas sobre uma específica e altíssima taxa de imposto para grandes fortunas (95%) em uma Inglaterra do Ministro do Trabalho Harold Wilson e do líder do Partido Conservador Edward Heath, responsáveis pela criação de sistema de tributação muito rigoroso. A letra faz até referência à moeda corrente inglesa, com
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'Com um amor assim, você sabe que pode ser feliz'. 'Cobrador de Impostos'.

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sua idiossincrática libra de 20 shillings:
Let me teel you how it will be There´s one for you, nineteen for me Should five per cent appear too small Be thankful I don´t take it all 'Cause I'm the taxman Taxman Mr Wilson , Taxman Mr Heath. (‘Taxman’) 31.

Com o surgimento de novos temas nas letras das canções dos Beatles, a variedade de estilos de amor em suas canções cresceu. Como citado acima, em Rubber Soul, ou melhor, na produção das músicas deste álbum, todas as formas de amor da tipologia de John Alan Lee são encontradas.

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Deixe-me dizer como vai ser / É um pra você, dezenove para mim / Cinco por cento pode parecer muito pouco / Seja grato por eu não levar tudo / Cobrador de impostos Sr. Wilson / Cobrador de impostos Sr. Heath / ('Cobrador de Impostos')

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3 Os seis estilos de amor nas canções dos Beatles A maior parte das canções de amor escritas e executadas pelos Beatles está na categoria de Eros, o amor erótico32. A atração física como fator que desencadeia o amor à primeira vista é o que aparece nas linhas iniciais da canção de Paul McCartney ‘I Saw Her Standing There’: “Well, she was just seventeen / You know what I mean / And the way she looked was way beyond compare”.33 De forma semelhante, a declaração de John Lennon acerca de um amor sensual que espera ser reconhecido é evidente em ‘Eight Days A Week’: “Ooh, I need your love, babe / Guess you know it's true / Hope you need my love, babe / Just like I need you”34. A qualidade erótica do amor está também na abertura da canção de Harrison ‘Something’, descrita por Frank Sinatra como “a maior canção de amor dos últimos cinquenta anos” (TURNER 2009: 305): “Something in the way she moves / Attracts me like no other lover”35. Embora diferentes em suas formas – ‘I Saw Her Standing There’ pode ser classificada como um rock and roll padrão e ‘Something’ seja uma balada de amor – o que une estes e outros exemplos de amor erótico é a ênfase na alegria, no deleite, o romance prazeiroso. Próximo de Eros, o amor erótico, está Ludus, o amor jocoso. O amor como competição ou brincadeira, um jogo casual feito por diversão, é revelado na promessa de Lennon em ‘I'll Cry Instead’: “I'll come back again one day / And when I do you'd better hide all the girls / I'm gonna break their hearts all round the world”.36 As características associadas com Ludus que incluem a ausência de comprometimento e uma habilidade de mudar rapidamente de um relacionamento para outro são enfatizadas por McCartney na letra de ‘Another Girl’: “You're makin' me say that I've got nobody but you / And as from today, well, I've got somebody that's new […] […] I don't want to say that I've been unhappy with you / But as from today, well, I've seen somebody that's new. / I ain't no fool and I don't take what I don't want / For I have got another girl”37. Harrison também demonstra a mesma “jocosa” preocupação em sua canção ‘You Like Me Too Much’, na qual, apesar das altercações e da separação temporária entre ele e sua amada, ele sabe que “I wouldn't let you
32 33

Quadro 4, p. 61 'Bem, ela tinha só dezessete anos / Você sabe que eu quero dizer / E o jeito com que ela me olhou estava além de qualquer comparação'. 34 'Eu preciso do seu amor, babe / Acho que você sabe que é verdade / Espero que você precise do meu amor, meu bem / Assim como eu preciso de você'. 35 'Alguma coisa no jeito como ela se move / Atrai a mim como nenhuma outra amada'. 36 'Eu vou voltar um dia / E quando o fizer é melhor esconder todas as meninas / Eu vou partir o coração de todas elas’. 37 'Você está me fazendo dizer que eu não tenho ninguém além de você / E a partir de hoje, bem, eu tenho um novo alguém / Eu não quero dizer que eu fui infeliz com você / Eu não sou nenhum tolo e eu não aceito o que não quero / Porque eu tenho uma outra garota '.

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leave me ´cause it's true / ´Cause you like me too much and I like you”38. Seja cínica, narcisista ou brincalhona, a idéia central nessas canções é que o amor, sendo um jogo, envolve regras e táticas, avanços e recuos conforme o jogo amoroso prossegue. Storge, o amor como amizade é expresso por McCartney na letra de ‘When I'm SixtyFour’39. Aqui ele aborda o tema do amor na maturidade, a fase da vida em que a cooperação, o cuidado mútuo e as gozosas recordações tomam o lugar das paixões arrebatadoras: “When I get older loosing my hair / Many years from now / Will you still be sending me a valentine / Birthday greetings,bottles of wine?”. Esta letra de McCartney e sua apresentação como um pastiche das músicas de cabaré típicas dos anos de 1920 e 1930, refletem claramente a observação de que “porque Storge foi a abordagem mais comum para o amor no passado, as músicas favoritas naquela época costumavam comemorar as atitudes tipicamente estórguicas... ...as canções antigas falam de passear juntos, beijar timidamente, ou apaixonarse por uma garota que encontra na rua”(LEE, 1973, p.93). Uma manifestação do amor Storge com traços mais modernos é o que ocorre na nostálgica ‘In My Life’ de Lennon: “But of all these friends and lovers / There is no-one compared with you”40. Pragma, o amor racional e pragmático, ocorre somente em uma canção. Na letra de ‘We Can Work It Out’, McCartney fala de um amante que aconselha sua amada a ser mais lógica e sensível, e não ser apressada ou impetuosa: “We can work it out and get it straight, or say goodnight / We can work it out, we can work it out”41. A letra expressa uma abordagem prática e realista do amor baseada na convicção de que um relacionamento pode ser feito para dar certo. Mania como forma de amor é concretizada através do ciúme e da possessividade. Como no conselho dado por Lennon em ‘Run For Your Life’: “I'd rather see you dead, little girl / Than to be with another man”.42 Aqui a Mania é expressa na forma de uma ameaça potencial de violência. Em outras letras a ansiedade e o desespero podem vir em forma de súplica, como fez McCartney em ‘Oh! Darling’: “Oh! darling, if you leave me, I'll never make

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'Você Gosta Muito de Mim’/ 'Eu não deixaria você me largar, porque isso é verdade / Porque você gosta muito de mim e eu gosto de você '. 39 'Quanto Eu Tiver Sessenta e Quatro' / 'Quando eu ficar velho, perdendo meu cabelo / Daqui a muitos anos / Você vai continuar me enviando cartão do Dia dos Namorados / Felicitações de aniversário e garrafas de vinho?'. 40 'Em Minha Vida' / 'Mas de todos esses amigos e amantes / Não há nenhum que se compare a você'. 41 'A Gente Pode Acertar' / 'Podemos dar um jeito e acertar / Ou dizer 'boa noite' / a gente pode dar um jeito, a gente pode dar um jeito'. 42 'Corra Por Sua Vida': “Eu prefiro vê-la morta, garotinha / Do que do que vê-la com outro homem”.

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it alone / Believe me when I beg you don't ever leave me alone”43. Em ambos os casos, quer apresente uma ameaça ou uma súplica, as letras demonstram claramente a insegurança do suplicante. Agape, e sua característica de ser um amor imotivado e universal, que é sempre positivo e cheio de esperança, pode ser encontrado na canção ‘While My Guitar Gently Weeps’44, de Harrison, na qual ele escreve que “I look at you all, see the love there that's sleeping”45. McCartney também contribuiu com reflexões gerais sobre o amor agápico, como pode ser apreciado em ‘The End’: “And in the end the love you take is equal to the love you make”46. A canção na qual Lennon faz sua mais enfática referência referência ao amor Agape é a famosa ‘All You Need Is Love’47, onde ele diz que “There´s nothing you can do that can ´t be done / Nothing you can sing that can´t be sung / Nothing you can say but you can learn how to play the game / It´s easy / All you need is love / All you need is love /Love is all you need”.48

3.1 As Análises das letras das canções de amor dos Beatles Os Beatles consideravam a si mesmos artistas, não apenas intérpretes de músicas. John Lennon chegou a declarar que verdadeiros poetas como Shakespeare eram seus reais competidores, e não os músicos populares (Murphy, 2006, p. 3). Alguns estudos indicam que as letras dos Beatles tornaram-se mais complexas à medida que a década de 1960 avançava por influência da crescente valorização da importância da linguagem entre os membros da banda. Como foi relatado no capítulo 2.2, o simples fato de terem os Beatles lançado o disco Sergeant Pepper´s Lonely Hearts Club Band em 1967 com todas as letras expostas na parte de trás da capa (mais uma das inovações do grupo) mostra a importância que eles passaram a dar ao texto e sua mensagem. Como uma expressão da emoção, da atitude e do pensamento, a letra de uma canção é
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'Oh! Querida: "Oh, querida, se você me deixar, eu nunca serei bem sucedido! / Acredite em mim quando eu te imploro / não me deixe mais sozinho’. 44 'Enquanto minha guitarra sussurra delicadamente’. 45 'Eu olho vocês todos, vejo o amor que está aí adormecido’. 46 'O Fim': “E no final o amor com o qual você fica é igual ao amor que você fez”. 47 'Tudo Que Você Precisa É Amor’. 48 'Não há nada que você possa fazer que já não tenha sido feito / Nada que você possa cantar que já não tenha sido cantado / Não há nada que se possa dizer, mas você pode aprender a brincar o jogo / É fácil / Tudo que você precisa é amor / Tudo que você precisa é amor / O amor é tudo que você precisa '.

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uma forma de arte na qual o letrista usa as palavras como um meio para ilustrar sua imagem mental. O uso de linguagem cuidadosamente trabalhada expressa a voz do letrista e transcende a utilidade corriqueira da comunicação. As letras do período posterior da carreira dos Beatles (1965-1970) foram profundamente influenciadas pelo uso de maconha e drogas psicodélicas pelos membros da banda, o que indica uma transição para além do convencionalismo e da inocente cena musical pop. Ringo Starr chegou a afirmar que o experimentalismo musical à partir Rubber Soul foi influenciado pelo uso de drogas (Roylance, 2000). Nestas canções aparece a discussão crítica ao Cristianismo, ao papel da mulher na sociedade, à guerra, à religião e filosofia oriental, ao governo, ao materialismo, à música contemporânea, aos próprios Beatles e até mesmo ao sistema de impostos. Eram temas incomuns em uma época na qual a música falava principalmente sobre histórias de amor romântico. Durante esse tempo, os Beatles pararam de fazer shows e produziram músicas que eram impossíveis de serem executadas ao vivo. Embora algumas canções falem sobre a solidão, outras têm como tema a convivência. ComoEste novo espírito de espírito de convivência é o do “companheirismo”, o de “estar junto com os seus pares”, que substituiu aquele da “convivivência familiar”. Paradoxalmente, para escrever essas letras de amor Storge e Agape, os três letristas dos Beatles, John Lennon, Paul McCartney e George Harrison, foram se tornando cada vez mais independentes uns dos outros. Isto parece ter contribuído positivamente na composição das letras, acrescentando-lhes mais personalidade e variação na abordagem dos sentimentos. O companheirismo dos quatro componentes dos Beatles foi rapidamente dissolvido durante os anos iniciais da segunda metade da década de 1960. Nesses anos derradeiros da carreira, cada membro do grupo ocupava-se com seus projetos individuais, reunindo-se somente para as sessões de gravação. George absorveu-se com a religião e a filosofia oriental e focou sua energia em aperfeiçoar-se como e letrista e músico sem a ajuda de John ou Paul, pois esses verdadeiramente sufocavam sua capacidade de escrever. John tornou-se mais radical e envolvido com política, o que é refletido na maioria de suas canções do período. Com a vida focada em sua nova esposa, Yoko Ono, a partir de 1968 ele passou a trabalhar com ela em projetos paralelos como parte do movimento avant-garde. Paul continuou como líder não declarado dos Beatles durante este tempo, gerenciando as finanças do grupo. Ele fez uma tentativa de convencer a banda a voltar às apresentações ao vivo, apesar de estar

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consciente de que a banda estava caminhando para a dissolução. Paul também trabalhou em projetos paralelos, como produção de trilhas sonora de filmes. Esses trabalhos de natureza individual, segundo a nossa opinião, afetaram positivamente a produção textual do grupo. Cada um dos três letristas passava para as canções suas próprias experiências de vida e suas reflexões sobre o amor. As canções de amor passaram a refletir sobre relacionamentos adultos e em uma variedade maior de estilos de amor, o que engrandeceu significativamente a obra dos Beatles. Após o clímax inicial que aconteceu entre 1964 e início de 1966, tempo em que eles produziram dois filmes e alguns álbuns, os Beatles começaram a entender o poder e a influência que sua música exercia em seus ouvintes. Tendo como ponto de partida o disco Rubber Soul e continuando com Revolver, as canções do período posterior diferenciaram-se daquelas do período inicial por estarem mais focadas nas letras e na mensagem que elas portavam. Rubber Soul é marcado por canções contendo mensagens e letras com referências sexuais escondidas por trás da imagem inocente dos Beatles. Revolver contém as mudanças apresentadas em Rubber Soul e letras que desafiam as convenções e discutem a cultura dos anos 60. Em seguida comentaremos seis canções dos Beatles, cada uma delas representando uma das seis categorias de amor conforme a tipologia dos Six Lovestyles.49

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As letras destas canções e suas respectivas traduções estão nos apêndices de A, B, C, D, E e F, páginas 66 – 71.

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3.2 O amor Eros em ‘Something’ George Harrison usou de grande liberdade quando escreveu ‘Something’ durante as sessões de ensaios e gravação de 'The Beatles' (o “Álbum Branco”) em outubro de 1968. A linha inicial da letra é o título de uma canção de James Taylor, que na época era um dos artistas contratados pela Apple Records.50 Em seu epônimo álbum de 1968, ele canta: “There ´s something in the way she moves / Or looks my way or calls my name! That seems to leave this trouble world behind.” A esse respeito James Taylor declarou: “Muitas vezes eu noto traços dos trabalhos de outros artistas em minhas canções. Se George, consciente ou inconscientemente, usou uma linha de uma de minhas canções, eu acho isso muito lisonjeiro” (BARBER,1994. In: Evans, 2004. 311). Ironicamente, a canção que precede ‘Something’ no álbum Abbey Road, ‘Come Together’, de autoria de John Lennon, começa com a linha inicial de ‘You Can´t Catch Me’, sucesso de Chuck Berry em 1956. ‘Something’ atrai interpretes como quase nenhuma outra canção. Depois de ‘Yesterday’, é a canção mais regravada dos Beatles. Mais importante para o grupo, no entanto, foi que com ‘Something’ eles puderam realizar sua ambição de ter uma de suas canções gravadas por Frank Sinatra, que considerava ‘Something’ como “a melhor canção de amor dos últimos cinqüenta anos”. (BARBER,1994. In: Evans, 2004. 311) Esse poder de atração de ‘Something’, não está somente em sua qualidade como uma balada pop de melodia agradável, fácil de acompanhar e por isso cativante, mas também por ela ser, liricamente, adequada a muitos tipos de leitura e interpretação. John Lennon uma vez classificou ‘Yesterday’ como uma canção que “não se resolve”, isto é, uma canção que não revela o suficiente sobre a situação do protagonista (Turner, 128). No entanto, ‘Yesterday’ revela a situação do protagonista muito mais do que ‘Something’. Enquanto estava gravando o filme Let It Be, Harrison ainda não havia terminado o primeiro verso da canção, que até então era simplesmente “Something in the way she moves / Attracts me like...”. Ele não estava encontrando a palavra que em sua opinião servisse para concluir a frase. A sugestão de Lennon foi que ele adicionasse, temporariamente, qualquer palavra que lhe viesse à cabeça, até encontrar o termo adequado. Este era um procedimento que eles adotavam quando estavam com dificuldade de terminar uma linha de uma nova canção. Então a letra foi por um tempo ‘Attracts me like a cauliflower’, depois ‘Attracts me like a pomegranade’, ‘Attracts me like no other woman’ e finalmente ‘Attracts me like no
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Nome da agência fonográfica pertencente à Apple Corps, a empresa fundada em 1968 pelos Beatles para a administração dos negócios da banda.

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other lover’51. Dentro do contexto de música romântica, woman (mulher) e lover (amante, amada) são símiles que não explicam nada sobre a atratividade da musa. A frase “Something in the way she woos me”52 é da mesma forma que a anterior, nada esclarecedora. Podemos entender “I don´t want to leave her now’ literalmente e a frase “You Know I believe and how”53, não lança luz sobre o enigma desse amor mas serve ao propósito de rimar com a frase anterior. A estrofe seguinte é ainda menos esclarecedora com a dupla negação “I don´t know, I don´t know”.54 A letra, com sua intrigante afirmativa “Somewhere in her smile she knows / That I don´t need no other lover”55, é tão vaga quanto o título sugere. Por isso mesmo é que a canção pode se adequar aos muitos estilos de intérpretes, e muitos ouvintes podem se identificar com o seu texto. A aplicabilidade de ‘Something’ é universal. Segundo o que consta em sua autobiografia ‘I Me Mine’, George Harrison (2002. p.152) escreveu ‘Something’ com Ray Charles em sua mente, isto é, imaginando a canção sendo cantada por ele. Harrison raramente comentava o seu trabalho preferindo que a música falasse por si mesma. Então, em muitas canções ele começou a igualar o amor entre uma alma e Deus ao amor entre um homem e uma mulher, ficando algumas vezes difícil de compreender sua intenção. Em seu livro ‘Here Comes The Sun – The Spiritual and Musical Journey of George Harrison’, o historiador Joshua Greene relata que Harrison, assim que terminou de escrever a canção, apresentou-a aos seus amigos monges que estavam hospedados em sua mansão na cidade de Londres, e declarou-lhes que a música era sobre a Divindade56. (Greene, 2006. 142) ‘Something’ é um exemplo perfeito do estilo Eros, o amor erótico, na obra dos Beatles. Aqui o amante ama a sua amada simplesmente porque ela o atraiu - como nenhuma outra jamais havia feito. Não é um amor estórguico que tenha surgido com o passar do tempo, em consequência de amizade e convívio. Não há aqui um cálculo de uma possível compatibilidade entre os amantes, nem pensamento sobre o futuro da relação amorosa, portanto não é um sentimento de amor pragmático. Não é um amor Mania: o amante não está obcecado pela amada, não exige reciprocidade ou fidelidade, não manifesta ciúme, nem diz que vai morrer sem o seu amor. Tampouco o amante considera sua amada como mais uma
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Respectivamente: “Atrai a mim como uma couve-flor”, “Atrai a mim como uma romã”, “Atrai a mim como nenhuma outra mulher” e “ Atrai a mim como nenhuma outra amante / amada”. 52 'Alguma coisa no jeito que ela me cativa'. 53 'Você sabe que eu acredito e muito' 54 'Eu não sei, eu não sei'.
55 56

'Em algum lugar de seu sorriso ela sabe / Que eu não preciso de nenhuma outra amante'.

Uma descrição mais detalhada do evento está no apêndice 07, página 69.

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conquista entre outras, ou faz promessas de amor eterno como é comum aos amantes lúdicos. A letra fala de coisas simples, mas que denunciam um homem apaixonado: o encantamento pelo andar da mulher amada, pelo jeito como ela o olha, pelo seu sorriso. ‘Something’ é entre as canções dos Beatles uma das mais perfeitas representações do estilo de amor erótico, ou Eros na tipologia de John Alan Lee.

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3.3 O amor Ludos em ‘Ticket to Ride’ Esta letra foi escrita por John Lennon com alguma colaboração de Paul McCartney. Ela descreve um caso de amor que está acabando e a moça some da vida do narrador. A origem da frase que intitula a canção é nebulosa. McCartney declarou que a frase significava uma passagem da British Railways para a cidade de Ryde, na Ilha de Wight, aonde ele sempre ia em visita à sua prima Betty Robbins e o marido. Apesar de a música ser essencialmente sobre o fim de um romance, ele sabia o potencial de duplo sentido da frase. No começo de sua carreira os Beatles tocaram em Hamburgo, onde na época as palavras “ride / riding” eram gírias que significavam “fazer sexo”. Don Short, jornalista que tinha viajado extensivamente com os Beatles nos anos 1960, contou ter ouvido de John Lennon que a expressão tinha mais de um sentido. As prostitutas que trabalhavam nas ruas de Hamburgo precisavam ter uma ficha médica limpa para que as autoridades de saúde dessem a elas um cartão declarando que não tinham nenhuma doença venérea. De acordo ao livro de Turner (p.1220) Short declarou:
Eu estava com os Beatles quando eles voltaram a Hamburgo em 1966. Foi lá que John me contou que havia cunhado a expressão ‘a ticket to ride’ para falar desses cartões. Ele podia estar brincando – era sempre preciso ter cuidado com o que dizia John –, mas ele me contou isso.

Outros especialistas, como Chris Inghan, declaram que há vários níveis de significado no título, e um deles é a referência ao uso de drogas. De acordo a Inghan, a garota que está rompendo com o rapaz que a está “bringing her down” 57 tem um bilhete de viagem para Ryde e foi inspirada a abandoná-lo por causa da “iluminação” sentida “riding so high”. 58 (2009, p.185). Assim, a maconha seria a sua passagem para uma nova vida. Independente do significado da canção – se ela for uma alusão à prostituição ou às drogas, podemos ver como os Beatles usaram aqui de sutileza na abordagem de temas proibidos. Como veículo de expressão de sentimentos amorosos, ‘Ticket To Ride’ é um exemplo de canção de amor Ludos. Em 'The Colors Of Love', Lee simplifica sua idéia a respeito de Ludos com a expressão “O amor, como o álcool, pode ser desfrutado. Mas jamais se deve permitir que ele se torne uma necessidade.”(LEE, p.35) A garota da canção recusa-se a ser dependente do narrador e está saindo da vida dele sem nenhum receio. Não demonstra
57

Em tradução livre: “deixando-a mal”, ou em gíria brasileira “deixando-a em baixo-astral ”, ou “deixando-a na fossa”. 58 Em tradução livre: “viajando alto”.

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preocupação com os sentimentos do rapaz, nem pondera sobre as vantagens ou desvantagens de seu ato. O narrador pode ser classificado como um amante Pragma por dizer à moça que “pense duas vezes”, mas o núcleo da narrativa é ela. Ele não é um amante Mania abandonado, apenas “acha que vai ficar triste”. Não promete continuar amando a moça até o fim dos tempos como faria um amante Agape. Ele apenas não compreende o amor lúdico de sua ex-namorada.

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3.4 O amor Storge em ‘In My Life’ Embora já tivesse escrito canções de conteúdo pessoal como ‘Help!’, ‘I´m Loser’ e ‘I Don´t Want To Spoil The Party’, até ‘In My Life’ John Lennon nunca havia escrito uma canção de cunho autobiográfico tão evidente. (Inghis, 189). Com isto John sentiu ter feito a ruptura que Bob Dylan o encorajara a fazer quando sugeriu que se concentrasse em sua vida interior. A observação que o jornalista inglês Kenneth Allsop fez em 1964 também teve um grande impacto em Lennon. Kenneth era um dos rostos mais conhecidos da Inglaterra, apresentador do noticiário Tonight da BBC de Londres e escrevia diariamente para o jornal Daily Mail. Segundo o seu ponto de vista, as músicas de John e o seu recém lançado livro, ‘In His Own Write’59, não tinham a mesma profundidade, e a leitura do livro fizera-o acreditar que Lennon teria mais a oferecer. Na primeira conversa de John Lennon com o jornalista, este lhe disse enfaticamente que não escondesse mais os seus sentimentos por trás das convenções da música pop. Allsop disse-lhe que não gostava muito das músicas dos Beatles porque todas tendiam a ser ‘ela o ama’, ‘ele a ama’, ‘eles a amam’ e ‘eu a amo’. Ele sugeriu a Lennon que escrevesse de forma mais autobiográfica, em vez de usar os velhos temas superficiais. Isso ressoou dentro dele. A letra de ‘In My Life’ começou como um longo poema em que ele refletia sobre os seus lugares preferidos de sua infância em Liverpool. Era uma letra desconexa na qual John listava a estação de trem Penny Lane, o relógio da torre, o cinema Abbey, a igreja Saint Columbus, o parque Calderstones e outras referências de sua infância, muitas das quais haviam passado por transformações ou mesmo desaparecido. Como não estava apreciando o resultado, ele retirou todos os nomes de lugares e criou uma sensação de luto por uma infância e juventude perdidas, transformando assim uma canção que seria sobre a mudança na paisagem de Liverpool em uma canção universal sobre o confronto com a morte e a decadência. John Lennon declarou ao seu amigo Peter Shotton que quando escreveu o verso da canção que fala sobre os amigos mortos e vivos, estava pensando nele e em Stuart Sutcliffe, que morreu em 1962 em decorrência de um tumor cerebral.60 Segundo Steve Turner, a letra guarda uma “semelhança surpreendente” (2009, p. 150) com o poema de Charles Lamb do século XVIII ‘The Old Familiar Faces’, com o qual John Lennon pode ter deparado na antologia de poesia popular “Palgrave´s Treasure. (Palgrave,
59

Livro escrito por John Lennon em 1964, composto de poemas e desenhos de teor satírico, crítica social e nonsense. 60 Peter Shotton e Stuart Sutcliff foram integrantes dos Beatles antes da consagração mundial do grupo.

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2009). O poema de Lamb começa assim:

I have had playmates, [I have had companions, In my days of childhood, [in my joyful schooldays: All, all are gone, the old familiar faces.

Tive parceiros de brincadeiras, [tive companhias, Nos meus dias de infância, [nos meus alegres tempos de escola: Todos, todos se foram, os antigos rostos familiares.

Seis versos depois ele termina dessa forma:

How some they have died, and some they have left me, And some are taken from me; All are departed; All, all are gone, the old familiar faces.

Como alguns morreram, E alguns me deixaram, E alguns foram tirados de mim; Todos partiram; Todos, todos se foram, os antigos rostos familiares.

A canção é um dos mais bem acabados exemplos de amor estórguico na obra dos Beatles. Storge, segundo Lee (Lee, 59), é uma forma de amor que é inalterável mesmo com distanciamento causado pela ausência e o passar do tempo. Embora seja uma canção sobre a perda e a morte, ‘In My Life’ é uma canção positiva e otimista. Como relembra Murphy (2006, p.9), com esta letra Lennon expressa a irrelevância de seus amores e relacionamentos do passado quando comparados aos do presente. Agora John pensa no amor como “algo novo”, indicando sua mudança de idéia acerca do amor e mostrando otimismo em relação a esta mudança. John Lennon se referiu a ‘In My Life’ como “sua primeira obra verdadeiramente importante” (Turner, p.150).

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3.5 O amor Pragma em ‘We Can Work It Out’ Em outubro de 1965, enquanto os Beatles estavam gravando o disco Rubber Soul, Jane Asher, na época a noiva de Paul McCartney, decidiu entrar para a companhia de Teatro Bristol Old, o que implicava na mudança dela para Bristol. Sua partida entristeceu Paul e ao mesmo tempo o despertou para uma nova forma de escrever sobre o amor. ‘We Can Work It Out’ é uma canção de amor Pragma, a única na obra dos Beatles que pode ser assim classificada. Não há na canção traços de Eros, Ludos, Storge, Mania ou Agape. Como foi visto no capítulo 1.1, por causa da mudança que a modernidade experimentou no conceito sobre o pragmatismo no amor, as canções de amor pragmático perderam o seu lugar na predileção popular. Os Beatles poderiam ter escrito outras canções de amor pragmático, e acreditamos que não o fizeram por uma simples questão de escolha pessoal dos letristas da banda, já que a canção ‘We Can Work It Out’ foi um sucesso de vendas e muito bem aceita pela crítica. A frase levemente melancólica “Life is very short and there's no time for fussing and fighting my friend”61, sugestão de John Lennon, funcionou como um contraponto ao entusiasmo típico de Paul McCartney, e está entre as primeiras declarações mais sérias encontradas nas letras dos Beatles. Alguns a consideram a primeira frase ‘filosófica’ em uma canção dos Beatles.

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'A vida é muito curta e não há tempo para briga e confusão, minha amiga'

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3.6 O amor Mania em ‘Girl’ Logo que os Beatles iniciaram o período posterior de sua carreira, John Lennon começou a ficar mais preocupado com a influência de suas palavras, passando a escrever canções que apresentavam uma mensagem aos ouvintes. A primeira destas é Girl, na qual Lennon faz um comentário sobre alguns aspectos do cristianismo. Nesta época ele estava lendo livros sobre este assunto. Lennon discordava da idéia cristã que diz que uma pessoa deve sofrer antes de experimentar o prazer, noção esta simbolizada pelo sofrimento que Jesus Cristo passou para permitir a redenção aos seus seguidores. Em ‘Girl’ ele canta sobre uma moça, que ele afirmou ser uma metáfora da Igreja (Evans, p.157), que acredita em sentir dor antes do prazer, e cinicamente ele conclui perguntando a ela se tal crença continuará a ser válida se o sofrimento levá-la à morte. Desta maneira John Lennon expressa sutilmente sua discordância em relação a este princípio cristão, isto é, a crença de que o deleite no Paraíso será alcançado somente como recompensa pelo sofrimento. 'Girl' foi para nós uma das canções mais difíceis de classificar na tipologia dos Six Lovestyles. Quando escutada sem atenção à letra o que se ouve é uma canção de erotismo intenso. As estrofes são entremeadas por suspiros que lembram os de um gozo sexual e ainda tem o côro “tit, tit, tit, tit!”62. Além disso há uma uma referência ao antagonismo - dor e prazer - que simbolicamente estão relacionados ao desvirginamento. Apesar de ser um belo exemplo de expressão erótica é uma letra de amor Mania: o narrador percebe o mal que o relacionamento com a moça lhe causa, mas não consegue ficar sem ela. O amor que a moça lhe oferece é também maníaco.

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'Teta, teta, teta, teta!'.

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3.7 ‘The Word’ e o amor Agape A canção marca a transição do amor “garoto-encontra-garota” do período da Beatlemania para o amor “paz-e-harmonia” da era hippie. Interpretada na época como mais uma canção de amor dos Beatles, sua letra na verdade está cheia de pistas que indicam uma composição de outro tipo. O amor que Lennon canta aqui é aquele que oferecia “liberdade”, “luz” e até “o caminho”. Alguns autores como Steve Turner sugerem que 'The Word' poderia ser até uma alusão à “palavra” em termos evangélicos.
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(Turner, 141) Há ainda a frase “In

the beginning” 64 que confere ao texto um traço solene, quase messiânico. Como nessa época John estava lendo muitos livros sobre religião, e entre eles a Bíblia, julgamos ser possível que o título seja uma alusão à frase inicial deste livro65. Uma outra possível inspiração bíblica para a canção é o Evangelho de João, cujo texto em inglês se inicia com a frase “In the beginning there was the Word”.66 É dessa palavra67 que John Lennon fala; dessa palavra que é luz resplandecente nas trevas e incompreendida pelos homens. Reafirmando a incompreensão humana frente ao amor, Lennon canta, retomando João quase textualmente: “In the beginning I misunderstood / but now I got it, the word is good”. Em outro momento, há os versos “Now that I know what I felt must be right / I meant to show everybody the light”, em que a luz, antiga metáfora de uma Divindade todopoderosa, agora passa a ser símbolo do amor, que quando compreendido, levará o “iluminado” ao comprometimento da divulgação dessa novidade – a boa nova do amor. Nos versos “Say the word and be like me / Say the word and you’ll be free” e “Spread the word and you’ll be free / Spread the word and be like me” há uma clara postura messiânica: Lennon sugere a seus fãs que sigam seu exemplo e vivam como ele. Ao lado dessa postura assumida de líder de uma geração, John Lennon inaugura em “The Word” um elemento que se tornaria comum em sua obra nos anos 70: a linguagem da propaganda. Percebendo-se inescapavelmente parte de um mercado, o artista tenta se apropriar dessa situação, dominando, talvez inconscientemente, as estratégias de propaganda para inserir uma mensagem dentro do universo de consumo. Em “The Word” essa tentativa é
63 64

De “pregar a palavra”. Literalmente: “no começo”, “no início”. 65 O primeiro capítulo da Bíblia, A Gênese ou Gênesis, começa com as palavras “No início Deus criou os céus e a terra”, ou na língua inglesa, conforme a versão on-line da 'The King James Bible', “In the beginning God created the Heaven and the Earth”. Fonte: <http://kingjbible.com/genesis/1.htm>. 66 'No princípio era a Palavra'. Fonte: <http://kingjbible.com/john/1.htm> 67 Nas versões da Bíblia em língua portuguesa o termo original do texto grego – logos – é traduzido como 'Verbo'.

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percebida, por exemplo, no exaustivo uso de verbos no imperativo e na exaltação das características mágicas dessa palavra-produto, como em “It’s so fine, it’s sunshine”. A súbita intervenção de voz em primeira pessoa, em um verso cantado individualmente por Lennon, contrapõe-se ao tom impessoal das demais estrofes, cantadas por um coro, em uma estrutura semelhante à de um comercial em que uma voz sem rosto, que representa a instituição anunciante, é intercalada com depoimentos de consumidores. O surgimento desta nova forma de contextualização do amor, isto é, a descrição abstrata do sentimento e a preocupação com o amor incondicional da humanidade, ou amor Agape, foi concomitante ao uso de drogas alucinógenas pelos integrantes da banda. Em seu estudo “The Varieties of Psychedelic Experience”, Robert Masters e Jean Houston(1966, p.193) descobriram que o LSD não só produzia experiências de natureza religiosa, mas também dava às pessoas a idéia de que “um amor universal ou fraternal é possível e constitui a melhor chance do homem, se não a única”. Esta é uma das razões, segundo eles, por que o amor se tornou uma palavra tão na moda nos anos de 1960. E os Beatles estiveram entre os primeiros a captar essa tendência. Até 1965 os Beatles tinham lançado somente uma canção de amor Agape – 'Every Little Thing'. Mas a partir de 'The Word' elas tornaram-se presença em todos os discos posteriores a Rubber Soul. Trabalhos como ‘Within You Without You’, ‘All You Need Is Love’, ‘While My Guitar Gently Weeps’, ‘Let It Be’ e ‘The End’, demonstram a consciência que eles adquiriram como líderes de toda uma geração e suas preocupações com o amor universal.

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4 A maturidade na abordagem do amor Conforme visto no capítulo 2.7, o período crucial de transição na carreira dos Beatles começou em meados de 1966, após o que é possível detectar um abandono de muitos aspectos tradicionais de sua carreira, o surgimento de novas tendências, e o envolvimento dos membros do grupo em causas e debates que iam muito além das suposições convencionais acerca do que seria adequado para jovens músicos populares. Entre as várias mudanças pelas quais o grupo passou e os acontecimentos que influenciaram direta ou indiretamente na forma e no conteúdo de suas letras, podem ser citados: o comentário de John Lennon em março 1966 sobre o status formal das religiões , no qual ele afirmou que os Beatles, naquele momento, desfrutavam de maior popularidade que Jesus Cristo (WIENER,1981); a decisão do grupo em agosto de 1966 de abandonar as turnês para se concentrar no trabalho de estúdio; a apologia que o grupo fez ao uso de drogas; a condenação de John Lennon em outubro de 1967 e de George Harrison março de 1969, por posse não-autorizada de drogas; o aumento do interesse dos membros do grupo em projetos artísticos pessoais; o envolvimento dos Beatles com a filosofia da Meditação Transcendental do Maharishi Mahesh Yogi entre 1967 e 1968; o envolvimento de Harrison com Movimento da Consciência de Krishna do Swami Bhaktivedanta em 1969 (Greene, 2003); a morte de Brian Epstein, o empresário do grupo, em agosto de 1967, e o subsequente descontrole administrativo e financeiro nos negócios do grupo para o resto de sua carreira; a decisão de John Lennon de deixar sua esposa Cynthia para ficar com a artista japonesa Yoko Ono em 1968, e no mesmo ano a criação da própria empresa de gerenciamento dos negócios do grupo, a Apple Corps Ltd (Cleave, 1981 ). Esses acontecimentos afetaram profundamente suas vidas pessoais, e não poderiam deixar de influenciar significativamente a natureza de sua produção musical, e isso é refletido no surpreendente contraste encontrado nas formas de abordar o tema do amor nos períodos de 1962-1965 e de 1966-1970.68 Dos 100 Títulos gravados e lançados entre 1962 e 1965, 76 (76%) eram composições próprias, destas, 74 (97%) eram Canções de amor. Dos 121 títulos publicados entre 1966 e 1970, 120 (99%) eram composições próprias, destas 38 (32%) eram canções de amor. Portanto, está claro aqui a ocorrência de duas mudanças: o aumento da proporção de composições próprias, e a diminuição do número de canções de amor produzidas e lançadas pelo grupo.
68

Quadros 4, 5 e 6 na p. 61.

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A primeira mudança, isto é, o aumento do número de composições próprias, pode ser explicado pela confiança que John Lennon, Paul McCartney e George Harrison tinham em suas habilidades como compositores. A segunda mudança, que revela o contraste radical entre os dois períodos de produção da carreira dos Beatles, é a grande redução no número de canções de amor que eles escreveram. No início, entre 1962 e 1965, quase todas as canções escritas pelo grupo eram canções de amor, e menos que um terço delas a partir de 1966. Dada a diversidade de maneiras como a vida dos Beatles fundiu-se com os movimentos de contestação e protesto em meados dos anos 1960, não é de surpreender que a sua música viesse a refletir e incorporar as novas forças e tendências às quais o grupo estava exposto.

4.1 A influência de Bob Dylan e do abandono das turnês Três fatores foram especialmente influentes em determinar as mudanças. Primeiro, a decisão de interromper as turnês foi decisiva, na medida em que deu aos Beatles a liberdade e a flexibilidade para desenvolver suas composições de forma antes inimaginável. Os Beatles já não tinham mais o peso da ansiedade das apresentações ao vivo, podendo assim dedicar mais tempo de seu trabalho em estúdio e à escrita de letras mais aprofundadas. Em segundo lugar, não há dúvida de que a partir do primeiro encontro dos Beatles com Bob Dylan em agosto de 1964, e o reconhecimento dele como um compositor e letrista cuja reputação equiparava-se à do grupo, mostrou-se decisiva para as ambições musicais do grupo. McCartney admitiu: “Ele nos influenciou e a um monte de gente. Ele mostrou a todos nós que era possível ir além. Mas para mim a coisa especial a respeito de Dylan foi que ele nos trouxe de volta a poesia. Dylan reintroduziu a poesia em nossas vidas” (TURNER 2009 : 153). Reiterando mais uma vez a influência do cantor estadunidense no processo que levou a diversidade temática da obra dos Beatles, Paul McCartney declara no “The Beatles Anthology” (ROYLANCE, 2000, p. 220): Em outubro de 1965, começamos a gravar o àlbum 69. As coisas estavam mudando. O foco foi desviado das canções “àgua com açúcar” como 'Thank You Girl', 'From Me To You' e 'She Loves You'. A produção inicial era dirigida diretamente aos fãs , dizendo: “Por favor, comprem nossos discos”, mas tínhamos chegado a um
69

Paul McCartney refere-se ao àlbum Rubber Soul.

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ponto em que nós pensamos, "Já fizemos isso". Agora podemos nos expandir em canções mais oníricas, mais gratificantes. Dylan nos influenciou muito fortemente nesse ponto. Em terceiro lugar, há o fato inegável de que, após vários anos como os Beatles, suas vidas mudaram e seus interesses diversificaram e divergiram. John Lennon comentou: “A profundidade das letras dos Beatles... no final dos anos sessenta ficou mais acentuada, teve um mais maduro, mais intelectual - o que você quiser chamar - approach.70 Nós estávamos diferentes. Estávamos mais velhos. Nós conhecíamos uns aos outros em um nível que não era possível quando éramos adolescentes” (EVANS, 2004: 121). O contraste fica mais evidente quando concentramos nossa atenção exclusivamente nas canções de amor que foram escritas dentro de cada período. Dada a diversidade de maneiras como a vida dos Beatles fundiu-se com os movimentos de contestação e protesto em meados dos anos 1960, não é de surpreender que a sua música viesse a refletir e incorporar as novas forças e tendências às quais o grupo estava exposto, que resultou em uma inversão acentuada de temas em suas canções. E outras pessoas começavam a chegar na cena, pessoas que eram influentes.

4.2 Os Beatles refletem acerca de suas canções de amor A crescente riqueza e fama dos Beatles, e sua maior consciência da complexidade das relações pessoais - casamento, paternidade, separação - se refletiram em suas vidas pessoais mudando suas percepções sobre o amor, a compaixão, a amizade e o carinho, que passaram a ser vistos como mais importantes do que os jogos apaixonados dos amores adolescentes. Comentando sobre os sentimentos de Agape expressos em “Getting Better ", Lennon declarou: “É uma forma de diário. Eu costumava ser cruel com minha mulher, e fisicamente com qualquer mulher. Eu era um assassino. Eu não podia me expressar e batia. Mas eu sinceramente acredito no amor e na paz. Eu sou um homem violento que aprendeu a não ser violento, e que lamenta por sua violência. Vai demorar muito tempo até eu poder enfrentar a opinião pública sobre a maneira como eu tratava as mulheres quando era jovem.”(EVANS p.104). E a reflexão de McCartney sobre sua adolescência e início da idade adulta é em muitos
70

“Abordagem”.

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aspectos uma personificação arquetípica do amor Ludus: “Toda a minha existência foi durante muito tempo centrada na vida de solteiro. Eu não tratava as mulheres como maioria das pessoas. Eu sempre tive muitas mulheres em volta de mim, mesmo quando eu estava com uma namorada fixa”.(DAVIES, 1968, p.335) Ele também comentou a respeito do amor Agape nas canções dos Beatles:
Fico contente porque a maioria das nossas canções falava de amor, paz, compreensão. Dificilmente há alguma que diz: “Vamos lá, garotada. Digam a todos para caírem fora. Abandonem seus pais’. É sempre ‘Tudo que você é precisa é amor’ ou ‘Dê uma chance à paz’, de John. Havia um espírito bom por trás de tudo, do qual me orgulho muito. Seja como for, os Beatles eram uma coisa grandiosa. (2004, p.423)

Em uma entrevista para Mitchell Glazer (2004. p. 355), que observou que em algumas de suas músicas era difícil de saber se o tema era o amor a uma mulher ou o amor a Deus, George Harrison declarou:
Eu penso que o amor individual é só um pouco do amor universal. O amor supremo, o amor universal ou amor a Deus, é uma meta básica. Cada um de nós pode manifestar seu amor individual, manifestar a divindade que está dentro de nós. Todo amor individual entre uma pessoa e outra é uma parte ou pequeno exemplo do amor do universal. No final o amor pode se tornar tão grande que podemos amar a Criação inteira ao invés de “ Eu amo este mas não gosto daquele”. Cantar para o Senhor ou para um indivíduo é de certa forma o mesmo. Eu fiz isto conscientemente em algumas canções.

Ringo Starr expôs sua visão sobre as músicas dos Beatles da seguinte forma:
Éramos honestos entre nós e éramos honestos em relação à música. A música era positiva. Era positiva no amor. Eles compuseram – nós compusemos – sobre outras coisas, mas a mensagem básica dos Beatles foi o amor. (ROYLANCE, 2000, p. 423 -424)

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4.3 Considerações finais As canções que são o tema deste trabalho, ainda que continuem a ser difundidas e cantadas nos dias atuais, foram escritas e gravadas há cinco décadas. Desde aquela época, as estruturas e culturas da indústria de música popular mudaram substanciosamente, mas parece haver boas razões para argumentar que, pelo menos a preponderância das canções de amor nunca foi ameaçada, como prova a quantidade de canções deste tipo de que são lançadas diariamente pela indústria cultural em todo o mundo. Conhecida como a mais intensa, ainda que indefinível, de todas as emoções humanas, o amor ocupa um lugar de proeminência na arte e na literatura de todas as eras. (RUBIN 1970: 265) O propósito deste trabalho foi o de investigar as formas com as quais quatro das mais familiares vozes de uma época tentaram comunicar sua compreensão sobre o amor. A tipologia dos Six Lovestyles utilizada nesta pesquisa não é de forma alguma a única ferramenta disponível, mas é vantajosa devido à sua referência a fontes ficcionais e nãoficcionais. Outras teorias podem também ser aplicadas no estudo dos contextos do amor na obras dos Beatles (ou de qualquer grupo musical ou artista individual), podendo resultar em descobertas estimulantes e desafiadoras. Tais descobertas serão bem-vindas. A análise sistemática da lírica dos Beatles esteve atrasada por muito tempo. Com poucas exceções, os livros sobre os Beatles tendiam à subjetividade e a inconsistência mostrando pouco compromisso com a lógica informativa. Esta monografia não é esta análise sistemática, mas é um começo, um passo inicial em um empenho cujos resultados propõem que uma análise criteriosa das canções de amor revelará processos e modelos que refletem muito mais do que os julgamentos sobre o potencial comercial delas. Os Beatles foram sucesso comercial e influenciaram significativamente as gerações de 1960 e 1970. Mas este é somente um aspecto entre muitos na maneira em que os Beatles ocuparam-se em uma política de experimentação e inovação em suas vidas profissionais e pessoais. Como um modelo arquetípico através do qual o privado - o pessoal - amalgama-se com o profissional, a canção de amor neste contexto é ilustrativa e ímpar em sua capacidade de desenvolver nossa compreensão sobre os Beatles, sua obra e época.

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59

Período inicial (1962 - 1965) Please Please Me (1963) With The Beatles (1963) A Hard Day's Night (1964) Beatles For Sale (1964) Help! (1965) Rubber Soul (1965)

Período posterior (1966-1970) Revolver (1966) Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967) Magical Mystery Tour (1967) The Beatles (WhiteAlbum) (1968) Yellow Submarine (1969) Abbey Road (1969) Let It Be (1970)

Past Masters I

Past Masters II

Quadro 1 : Periodização da produção lírica dos Beatles Nota: Past Masters I e II (1988) são coletâneas das canções dos Beatles que não estão incluídas nos 13 elepês oficiais tendo sido lançadas em formato de discos compactos.

60

Sequência

Canção

Mudanças no contexto otimista das canção de amor Amor extremamente ciumento, maníaco e inconformista.

01

No Reply

02

I'm A Loser

Sentimento de inferioridade: O protagonista autoavalia-se como um fracasso no amor. A tristeza que leva uma mulher abandonada a um estado de quase viuvez psicológica e a empatia que isso causa em um amigo. A aceitação pacífica do rompimento de uma relação amorosa. Sem alteração no contexto otimista Sem alteração no contexto otimista e a

03

Baby's In Black

04

I'll Follow The Sun

05 06 07

Eight Days A Week Every Little Thing

I Don't Want To Spoil The A tristeza de ser abandonado Party consequente vontade de isolamento. What You're Doing Indignação pelas atitudes da amada

08

Quadro 2: O abandono da visão otimista do amor (1964-1965) - Beatles For Sale!

61

Sequência

Canção

Mudanças no contexto otimista de canção de amor Desespero e a necessidade de um (a) amante ou amigo(a) O sofrimento causado por não se conformar com as mentiras e as mudanças de humor da amada

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

Help! The Night Before

You´ve Got To Hide Your O receio e a vergonha de revelar os sentimentos Love Away Need You Another Girl Tristeza devido à perda da mulher amada A fria substituição de uma namorada por outra

You're Going to Lose Aconselhamento a um amigo sugerindo que trate That Girl melhor a namorada Ticket to Ride It's Only Love You Like Me Too Much Tell Me What You See I've Just Seen a Face Yesterday Tristeza por ser abandonado e desprezado pela amada A dificuldade de amar uma mulher mesmo tendo grande sentimento por ela O amante não se preocupa com os sentimentos da amada Sem alteração do contexto otimista Sem alteração do contexto otimista Tristeza pela perda da mulher amada e arrependimento por ter-lhe dito coisas erradas.

Quadro 3: O abandono da visão otimista do amor (1964-1965) – Help!

62

ESTILO Eros Ludus Storge Pragma Mania Agape TOTAL

QUANTIDADE 39 30 11 01 18 13 112

PORCENTAGEM 36,5% 31,0% 11,0% 1,0% 9,0% 11,5% 100,0%

Quadro 4: As canções de amor dos Beatles - 1962-1970

ESTILO Eros Ludus Storge Pragma Mania Agape TOTAL

QUANTIDADE 34 29 03 01 06 02 74

PORCENTAGEM 46,0% 39,0% 4,0% 1,0% 8,0% 2,0% 100,0%

Quadro 5: As canções de amor dos Beatles - 1962-1965

ESTILO Eros Ludus Storge Pragma Mania Agape TOTAL

QUANTIDADE 08 06 09 04 11 38

PORCENTAGEM 21,0% 16,0% 24,0% 10,0% 29,0% 100,0%

Quadro 6: As canções de amor dos Beatles – 1966-1970

63

SEQUÊNCIA 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14

CANÇÃO Drive My Car Norwegian Wood You Won't See Me Nowhere Man Think For Yourself The Word Michelle Girl I'm Looking Through You In My Life Wait If I Needed Someone Run For Your Life We Can Work It Out

ESTILO DE AMOR Ludos Mania Mania ------------Agape Eros Eros Ludos Storge Agape Ludos Mania Pragma

Quadro 7: Os estilos de amor em Rubber Soul e We Can Work It Out Observação: 'Nowhere Man' e 'Think For Yourself' não são canções de amor. 'We Can Work It Out', foi produzida juntamente com as canções de Rubber Soul, mas não faz parte do àlbum.

64

OS ESTILOS DE AMOR NA DISCOGRAFIA OFICIAL DOS BEATLES ESTILO Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Eros Ludos CANÇÃO I Saw Her Standing There Ask Me Why There´s A Place Please Please Me P.S. I Love You Do You Want to Know a Secret? Love Me Do All I´ve Got To Do All My Loving And I Love Her Hold Me Tight If I Fell Things We Said Today When I Get Home Eight Days A Week Words of Love It´s Only Love Tell Me What You See I Need You I´ve Just Seen A Face Michelle Girl Wait If I Needed Someone Love You To Here, There And Everywhere Good Day Sunshine I Will Long, Long, Long Happiness Is Warm Gum Why Don´t We Do It In The Road? It´s All To Much Something I Want You (She´s So Heavy) Don´t Let Me Down For You Blue From Me To You I Feel Fine I Want To Hold Your Hand She Loves You It Won´t Be Long ÁLBUM Please Please Me (março/1963) Please Please Me (março/1963) Please Please Me (março/1963) Please Please Me (março/1963) Please Please Me (março/1963) Please Me (março/1963) Please Please Me (março/1963) With The Beatles (novembro/1963) With The Beatles (novembro/1963) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) Beatles For Sale (Dezembro/1964) Beatles For Sale (Dez./1964) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Revolver (Agosto/1966) Revolver (Agosto/1966) Revolver (Agosto/1966) The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 02 Yellow Submarine (Janeiro/1969) Abbey Road (Setembro/1969) Abbey Road (Setembro/1969) Let It Be (Maio/1970) Let It Be (Maio/1970) Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 With the Beatles (Novembro/1963)

65

Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Ludos Storge Storge Storge Storge Storge Storge Storge Storge Storge Storge Storge

Little Child I´ll Be Back I Wanna Be Your Man I Should Have Known Better A Hard Day´s Night I´m Just Happy to Dance With You Tell Me Why Not A Second Time I'll Follow The Sun What You´re Doing Another Girl The Night Before Ticket to Ride You´re Going To Lose That Girl You Like Me Too Much Norwergian Wood I´m Looking Through You Drive My Car For No One Got To Get You Into My Life Lovely Rita Honey Pie I´ve Got A Feeling One After 909 I Call Your Name I´ll Get You I´m Down She´s A Woman Day Tripper Old Brown Shoe Baby´s In Black I´m A Loser Help! In My Life With A Little Help From My Friends When I´m Sixty-Four Dear Prudence Ob-La-Di, Ob-La-Da Two of Us Thank You Girl Hey Jude

With the Beatles (novembro/1963) A Hard Day´s Night (Julho/1964) With the Beatles (novembro/1963) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) A Hard Day´s Night (Julho/1964) With the Beatles (Novembro/1963) Beatles For Sale (Novembro/1964) Beatles For Sale (Dezembro/1964) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Revolver (Agosto/1966) Revolver (Agosto/1966) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 Let It Be (Maio/1970) Let It Be (Maio/1970) Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 2 Past Masters Volume 2 Beatles For Sale (Dezembro/1964) Beatles For Sale (Dezembro/1964) (Agosto /1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 Let It Be (Maio/1970) Past Masters Volume 1 Past Masters Volume 2

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Pragma Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Mania Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape Agape

We Can Work It Out Misery Don´t Bother Me You Can´t Do That I Don´t Want To Spoil The Party No Reply Yesterday You´ve Got To Hide Your Love Away You Won´t See Me What Goes On Rocky Raccoon Yer Blues Sexy Sadie Oh! Darling The Long And Winding Road Yes It Is Every Little Thing The Word Tomorrow Never Knows Getting Better She´s Leaving Home Within You Without You All You Need Is Love While My Guitar Gently Julia Because The End Lady Madonna Let It Be

Past Masters Volume 2 Please Please Me (março/1963) With the Beatles (novembro/1963) A Hard Day´s Night (Julho/1964) Beatles For Sale (Dezembro/1964) Beatles For Sale (Dezembro/1964) Help! (Agosto/1965) Help! (Agosto/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) Rubber Soul (Dezembro/1965) The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 Abbey Road (Setembro/1969) Abbey Road (Setembro/1969) Past Masters Volume 1 Beatles For Sale (Dezembro/1964) Rubber Soul (Dezembro/1965) Revolver(Agosto/1966) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band (Junho/1967) Magical Mystery Tour (Novembro/1967) The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 The Beatles – White Album (Novembro/1968) – Disco 01 Abbey Road (Setembro/1969) Abbey Road (Setembro/1969) Let It Be (Maio/1970) Let It Be (Maio/1970)

Quadro 8: Todas as canções de amor dos Beatles classificadas de acordo à tipologia dos Six Lovestyles.

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Título: Something Álbum: Abbey Road (1969) Autoria: George Harrison Something (Alguma Coisa) Something in the way she moves Attracts me like no other lover Something in the way she woos me. I don't want to leave her now You know I believe and how Somewhere in her smile she knows That I don't need no other lover Something in her style that shows me I don't want to leave her now You know I believe and how You're asking me will my love grow I don't know, I don't know You stick around now it may show I don't know, I don't know Something in the way she knows And all I have to do is think of her Something in the things she shows me I don't want to leave her now You know I believe and how Alguma coisa no jeito como ela se mexe Atrai a mim como nenhuma outra Alguma coisa no jeito que ela me seduz Eu não quero deixá-la agora Você sabe que eu acredito e muito Em algum lugar em seu sorriso ela sabe Que não preciso de nenhuma outra amante Alguma coisa em seu estilo me mostra (Que) eu não quero deixá-la agora Você sabe que eu acredito e muito Você pergunta se o meu amor crescerá Eu não sei, eu não sei Fique por perto e veja o que acontece Eu não sei, eu não sei Alguma coisa em seu jeito ela sabe E tudo que tenho que fazer é pensar nela Alguma coisa nas coisas que ela me mostra Eu não quero deixá-la agora Você sabe que eu acredito e muito

Apêndice A – Something ( Letra e tradução livre)

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Título: Ticket To Ride Álbum: Help! (1965) Autoria: John Lennon (creditado à dupla Lennon-McCartney) Ticket To Ride (Passagem Pra Ir Embora) I think I’m gonna be sad, I think it’s today, yeah! The girl that’s driving me mad [is going away. She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, [and she don’t care. She said that living with me [is bringing her down yeah! She would never be free [when I was around. She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, [and she don´t care. I don’t know why she’s ridin’ so high, She ought to think twice, She ought to do right by me. Before she gets to saying goodbye, She ought to think twice, She ought to do right by me. I think I’m gonna’ be sad, I think it’s today yeah! The girl that’s driving me mad [is going away, yeah! She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, She’s got a ticket to ride, [and she don’t care. My baby don’t care. Eu acho que vou ficar triste, E acho que vai ser hoje, yeah! A garota que tem me enlouquecido [está indo embora. Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, [e ela não se importa. Ela diz que viver comigo [está deixando-a triste, yeah! Ela nunca seria livre [enquanto eu estivesse por perto. Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, [e ela não se importa. Não sei por que ela está se gabando tanto, Ela devia pensar duas vezes, Ela devia ser justa comigo. Antes que chegue a dizer adeus, Ela devia pensar duas vezes, Ela devia ser justa comigo. Eu acho que vou ficar triste, E acho que vai ser hoje, yeah! A garota que tem me enlouquecido [está indo embora, yeah! Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, Ela tem uma passagem para ir embora, [e ela não se importa. Minha garota não se importa.

Apêndice B – Ticket To Ride ( Letra e tradução livre)

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Título: In My Life Álbum: Rubber Soul (1965) Autoria: John Lennon (creditado à dupla Lennon-McCartney) In My Life (Em Minha Vida) There are places I’ll remember All my life [though some have changed Some forever not for better Some have gone and some remain All these places have their moments With lovers and friends I still can recall Some are dead and some are living In my life I’ve loved them all But of all these friends and lovers There is no-one compares with you And these memories lose their meaning When I think of love as something new Though I know I’ll never lose affection Há lugares dos quais vou me lembrar Por toda a minha vida [ainda que alguns tenham mudado Alguns para sempre, e não para melhor Alguns já nem existem, outros permanecem Todos esses lugares têm o seu momento Com amores e amigos que continuo lembrando] Alguns morreram e outros ainda vivem Em minha vida eu amei a todos eles Mas entre todos esses amigos e amores Não há ninguém que se compare a você E todas essas lembranças perdem o sentido Quando eu penso em amor como algo novo

Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto] For people and things that went before Pelas pessoas e coisas que já se foram I know I’ll often stop and think about them Eu sei que sempre vou parar e pensar nelas] In my life I love you more Em minha vida, eu amo mais a você Though I know I’ll never lose affection I know I’ll often stop and think about them In my life I love you more In my life I love you more Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto] Sei que sempre vou parar e nelas pensar Em minha vida, eu amo mais a você Em minha vida, eu amo mais a você.

Apêndice C – In My Life ( Letra e tradução livre)

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Título: We Can Work It Out Álbum: Past Masters I Autoria: Paul McCartney (creditado à dupla Lennon-McCartney) We Can Work It Out (Nós Podemos Resolver) Try to see it my way, Do I have to keep on talking till ? [I can't go on? While you see it your way, Run the risk of knowing [that our love may soon be gone. We can work it out, We can work it out. Think of what you're saying, You can get it wrong [and still you think that it's alright. Think of what I'm saying, We can work it out and [get it straight or say goodnight. We can work it out, We can work it out. Life is very short, [and there's no time For fussing and fighting, my friend. I have always thought [that it's a crime, So I will ask you once again. Try to see it my way, Only time will tell if I am right [or I am wrong. While you see it your way, There's a chance that we might [fall apart before too long. We can work it out, We can work it out. Tente ver do meu modo, Tenho que continuar falando até [não poder mais? Enquanto você vê do seu modo, Corre o risco de saber [que nosso amor logo pode acabar. Nós podemos resolver, Nós podemos resolver. Pense no que está dizendo, Você pode interpretar mal [e ainda achar que está certa. Pense no que estou dizendo, Podemos dar um jeito e acertar [ou dizer boa noite. Nós podemos resolver, Nós podemos resolver. A vida é muito curta, [e não há tempo Para aborrecimentos e brigas, minha amiga. Eu sempre achei [que isso fosse um erro, Assim pedirei a você novamente. Tente ver do meu jeito, Só o tempo dirá se estou certo [ou se eu estou errado. Enquanto você vê do seu modo, Corre o risco de saber que vamos [fall apart em pouco tempo. Nós podemos resolver, Nós podemos resolver.

Apêndice D – We Can Work It Out ( Letra e tradução livre)

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Título: Girl Álbum: Rubber Soul (1965) Autoria: John Lennon (creditado à dupla Lennon-McCartney) Girl (Garota) Is there anybody going to listen to my story, Há alguém que vai ouvir minha história, All about the girl who came to stay? Tudo sobre a garota que veio para ficar? She's the kind of girl Ela é o tipo da garota [you want so much it makes you sorry, [que você deseja tanto que chega a sofrer, Still, you don't regret a single day. Ah, girl Girl, girl. Ah, garota Garota, garota Quando eu penso em todas as vezes [em que me esforcei para deixá-la Ela volta pra mim e começa a chorar Ela me promete o mundo [e eu acredito nela Depois desse tempo todo eu nem sei como] Ela é o tipo de garota Que lhe humilha [quando os amigos estão por perto Você se sente um bobo. Quando você diz que ela está bonita Ela age como se já soubesse disso Ela é ótima, ooh, ooh, ohh. Ela disse que quando era inocente [aquela dor a levaria ao prazer? Ela entendeu quando eles disseram Que um homem deve trabalhar duro [para conseguir o seu dia de lazer? Ela ainda acreditará nisto quando ele estiver morto?] Mas você não se arrepende de um único dia]

When I think of all the times [I've tried so hard to leave her, She will turn to me and start to cry. And she promises the earth to me [and I believe her, After all this time I don't know why She's the kind of girl Who puts you down [when friends are there, You feel a fool. When you say she's looking good She acts as if it's understood She's cool, ooh, ooh, ooh. Was she told when she was young [that pain would lead to pleasure? Did she understand it when they said, That a man must break his back [to earn his day of leisure? Will she still believe it when he's dead? Ah, girl... Girl, girl. Ah, garota… Garota, garota.

Apêndice E – Girl ( Letra e tradução livre)

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Título: The Word Álbum: Rubber Soul (1965) Autoria: John Lennon (creditado à dupla Lennon-McCartney) The Word (A Palavra) Say the word and you’ll be free, Say the word and be like me. Say the word I’m thinking of, Have you heard? The word is love. It’s so fine, it’s sunshine, It’s the word love. In the beginning, I misunderstood, But now I’ve got it, the word is good. Spread the word and you’ll be free, Spread the word and be like me. Spread the word I’m thinking of Have you heard? The word is love. It’s so fine, it’s sunshine, It’s the word love. Everywhere I go I hear it said, In the good and the bad books [that I have read Now that I know what I feel [must be right, I´m here to show everybody the light. Give the word a chance to say, That the word is just the way. It’s the word I’m thinking of, And the only word is love. It’s so fine, it’s sunshine. It’s the word love. Say the word love, Say the word love, Say the word love. Diga a palavra e você será livre, Diga a palavra e seja como eu. Diga a palavra na qual eu estou pensando Você ouviu? A palavra é amor. É tão legal, é o brilho do sol, É a palavra amor. No começo, eu entendi mal, Mas agora eu saquei, a palavra é boa. Divulgue a palavra e você será livre, Divulgue a palavra e seja como eu. Divulgue a palavra na qual eu estou pensando Você escutou? A palavra é amor. É tão legal, é o brilho do sol, É a palavra amor. Em todo lugar que vou eu ouço ser dito Nos livros bons e ruins [que tenho lido Agora que eu sei que o que eu sinto [tem que estar certo, Eu estou aqui pra mostrar a luz a todo mundo. Dê ao mundo uma chance de dizer, Que a palavra é o caminho. É a palavra na qual estou pensando E a única palavra é amor É tão legal é o brilho do Sol. É a palavra amor. Diga a palavra amor, Diga a palavra amor, Diga a palavra amor.

Apêndice F – The Word ( Letra e tradução livre)

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Outro (possível) significado por trás do erotismo de 'Something' Londres, 26 e 27 de fevereiro de 1969. Era tarde quando George começou a trabalhar em uma terceira canção que ele também havia começado em Woodstock, uma lenta e apaixonada canção sobre um homem que encontra o amor de sua vida, e sentindo-se tomado por forte emoção, teme perder aquilo que encontrou. A incerteza sobre o futuro desta relação amorosa sugeriu ao cantor que a sua voz deveria ser vacilante, suave, e acompanhada por uma melodia composta de um pequeno grupo de notas musicais. Ele refletiu esta tensão em solo de guitarra ondulatório, que oscilava para cima e para baixo, como se perguntasse que caminho tomar. Na sala de som estava o operador de dezenove anos, Alan Parsons, que ao sinal de George apertava o botão de ligar e desligar do gravador. “George era muito meticuloso quando trabalhava em suas próprias canções como 'Something'”, disse Parsons. “Ele era muito devotado em deixar seus solos perfeitos. Ele era um perfeccionista. Eu o chamaria de obcessivo, mas ele dividia o mesmo modus faciendi com os outros Beatles, e assim sabia que podia fazer o que quisesse em um estúdio. Podia fazer uma tomada após a outra e após a outra – e no final de cada uma ele dizia: 'Só mais uma vez', e repetia e repetia. Se ele improvisasse alguma coisa que não ficasse boa, ele repetia as tentativas quantas vezes quisesse”. Ouvindo o seu trabalho daquela manhã, George sentiu-se insatisfeito. “Isto é muito simples”, ele pensou, “parece tão simples”. O dia seguinte foi fresco, claro e luminoso. George convidou os seus amigos krishna* para passar o dia com ele e sua esposa Pattie, e os recebeu com abraços – os três casais, homens com cabeças raspadas e batas, mulheres com saris de seda, e um bebê de oito meses cheio de energia – quando eles saíram de sua velha van. Lá dentro George apresentou-lhes Billy Preston, o afro e musculoso tecladista que com sua calça boca-de-sino listrada contrastava coloridamente com as cabeças raspadas e as batas açafroadas dos homens. Esta era a companhia que George podia desfrutar sem reservas, gente boa em um dia de sol. Deus estava sorrindo. Todos se acomodaram em grandes almofadas coloridas e comentaram à respeito das belas pinturas à óleo de deidades hindus que decoravam as paredes da casa: O Shiva dançarino, Ganesh de cabeça de elefante e a deusa Saraswati com sua vina. Havia ainda fotos emolduradas dos mentores de Harrison: Yogananda, o mestre da Kriya-Yoga e o guru de Yogananda, Yukteswar, e o mestre da bhakti-Yoga, Bhaktivedanta Swami. George pôs para tocar uma raga noturna de Ravi Shankar e todos se sentiram muito relaxados. Um dos monges pegou um grande harmônio pintado com flores psicodélicas e começou a improvisar um acorde. George estava ao lado de uma fileira de doze guitarras. Ele tomou uma delas e plugou-a em um amplificador pequeno. “Tem uma pequena canção na qual eu estou trabalhando. Ela é muito simples”, ele disse. “Eu a chamo de 'Something'”. Ele limpou a garganta, dedilhou o acorde inicial e tocou

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suavemente, da maneira como tinha trabalhado os arranjos na noite anterior. Ele olhou ao redor e viu seus convidados sentados imóveis, capturados pelo que estavam ouvindo. A canção terminou, e um após o outro, eles emergiram do mágico abraço da música. “Vocês acham que isso vai vender?” Perguntou George acanhadamente. Pattie sorriu, acostumada à sua insegurança. Tanto quanto ela o conhecia, sabia que ele era um enigma: umas vezes esbanjando autoconfiança, e em outras duvidando se podia fazer alguma coisa direito. Quando se conheceram, ele inspirou nela, como havia feito em milhares de mulheres jovens e homens, o entusiasmo do superestrelato. A eles parecia impensável que por detrás daquela glória toda vivia alguém com tais dúvidas sobre si próprio. A psicologia daquele ser humano era muito mais complexa do que sua imagem. Os convidados, sentados ao redor da sala, foram tomados pela eloquente simplicidade do que haviam acabado de escutar. “Na verdade”, George disse, “é sobre Krishna**. Mas eu não podia dizer 'ele', podia? Eu tinha que dizer 'ela' ”, completando com um piscar de olhos, “ou eles iriam achar que eu sou uma “bicha”. Além dos comentários feitos por aqueles que estavam ali naquela noite, não existem observações atestando o significado espiritual de 'Something'. Poucas eram as vezes em que George fazia comentários elaborados sobre o seu trabalho, preferindo deixar que a música falasse por si mesma. E além disso, em muitas de suas canções ele começou a igualar o amor entre uma alma e Deus ao amor entre um homem e uma mulher – era difícil dizer o que ele intencionava. Certa vez um repórter falou de sua dificuldade em entender se George estava cantando sobre Krishna ou sobre uma mulher. “Isto é bom”, respondeu George, “Eu gosto disto. Eu penso que o amor individual é assim como o amor universal... Cantar para o Senhor ou para um indivíduo é de certa forma, o mesmo. Eu tenho feito isto conscientemente em algumas canções”.

* Como eram conhecidos na época os monges do movimento Hare Krishna. ** Krishna é um dos nomes atribuídos à Divindade de acordo à tradição hindu do vaishnavismo, que George Harrison conheceu e tornou-se um seguidor desde o final dos anos sessenta.

Apêndice G – Outro (possível) significado por trás do erotismo de 'Something' Tradução e adaptação de relato encontrado no livro de Joshua Greene 'Here Comes The Sun – The musical and spiritual journey of George Harrison' (p. 140 – 142).

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