Muito Bem Acompanhada- Marge s

Published on December 2016 | Categories: Documents | Downloads: 39 | Comments: 0 | Views: 266
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SABRINA-1435- MUITO BEM ACOMPANHADA
MARGE SMITH

Uma viagem inesquecível!
Uma distração na parada do ônibus, e este vai embora sem Julie,
deixando-a com a roupa do corpo e uma nota de dez dólares numa
estrada do Colorado. A única opção é aceitar a oferta de carona de
Gabe Ransom. Para Gabe, é mais que natural oferecer carona a uma
jovem em apuros. Mas a situação se complica quando Julie encontra o
anel que ele está incumbido de levar a um museu de antigüidades em
Los Angeles, e resolve experimentá-lo. Enquanto
Gabe percorre as estradas, com Julie na garupa de sua motocicleta,
duas questões o atormentam: Como explicar ao curador do museu
que o valioso anel ficou preso no dedo de uma linda jovem e como
explicar a essa linda jovem que ele gostaria de pôr um anel em seu
dedo... Para sempre?...
TÍTULO ORIGINAL: Gabriel's Angel

Capítulo I
Com total desalento e aperto no coração, Julie Evans viu seu ônibus
partir e desaparecer na estrada poeirenta do Colorado.
— Bem, pelo menos minhas roupas e a carteira estão indo para Los
Angeles.
Frustrada e zangada, ela chutou uma lata de cerveja enferrujada no
acostamento da estrada, quase perdendo o equilíbrio por causa de
seus sapatos vermelhos de salto altíssimo. A alça da bolsa a tiracolo,
também vermelha, escorregou pelo ombro nu e ela conseguiu agarrála antes que caísse no chão.
Por mais que detestasse admitir, deveria ter escutado seu bom senso.
Um vestido curto de seda vermelho, sapatos de salto alto, e uma
bolsa a tiracolo pequena demais para conter sua carteira, não fora
uma boa escolha para uma viagem de ônibus que atravessava o
continente.
Mas não podia embarcar nessa aventura com traje que normalmente
usava em Bunyon Falls, Montana... jeans desbotado, camiseta e botas
de caubói. Os próximos trinta dias seriam um ponto decisivo na sua
vida, e, para que a aventura fosse um sucesso, precisava prosseguir a
viagem toda usando seu novo vestido de seda.
— Pelo menos era um passo decisivo, até que, na parada do ônibus,
você foi ao toalete feminino e demorou tanto para retocar a
maquiagem, que perdeu o ônibus — murmurou para si mesma.
Julie deu um olhar esperançoso em direção à estrada, como se
o motorista pudesse notar sua ausência e retornar para buscar a
passageira abandonada. Sua sorte não era tão grande assim.
Desconsoladamente, olhou ao redor. A porta da pequena loja de
conveniência do posto de gasolina, agora continha um aviso onde se
lia: "Desculpe-nos, estamos fechados no momento".
Vindo de uma cidade onde os vereadores também vagavam pelas
ruas às cinco horas, Julie achou normal a loja estar com as portas
cerradas. A Câmara Municipal de Bunyon Falls proclamava que isso
mantinha o índice criminal baixo e tudo mais tranqüilo. Ela riu com
ironia. A única coisa mais tranqüila do que a vida de Bunyon Falls era
sua vida social.
Voltando a mente para sua situação presente, decidiu que não havia
nada que pudesse fazer sozinha. Precisava de ajuda. Checando a
linha do horizonte, calculou que tinha acerca de duas horas antes que
o sol se pusesse e ela ficasse vagando na escuridão. Concentrou-se
em avaliar a redondeza.
As escolhas de locais para ir à procura de ajuda naquela parada de
ônibus eram mínimas. Um edifício pequeno e aparentemente deserto
com uma inscrição: "Loja de Alimentos". Ficava ao lado esquerdo e
em frente a um bar com um aglomerado de motocicletas do lado de
fora, cujo letreiro de néon vermelho informava: "O Ninho dos Lobos".
Sem sombra de dúvida, era um ponto de encontro de motoqueiros.
Comparada a àquele lugar, Bunyon Falls poderia ser classificada

como uma metrópole próspera.
Ela gemeu, depois segurou a bolsa, que era tudo que lhe restava, e
na qual guardava um microgravador, um pente, um batom e uma
nota de dez dólares. Então começou sua incerta caminhada em
direção ao estacionamento do bar.
Os sapatos de salto alto não lhe permitiam dar passos rápidos, e seus
quadris meneavam provocativamente pelo andar cam-baleante.
Do lado de fora da porta laqueada em vermelho vivo, ouviu o som
rouco de vozes embargadas pelo álcool que vinham de dentro do
recinto, e deu de ombros.
Aquele tipo de lugar definitivamente não estava nos meus planos.
— Mas então, eu não tinha planejado perder o ônibus, também —
murmurou em voz alta.
Um cão vira-lata olhava-a especulativamente do canto do edifício.
— Não pense que eu poderia pedir-lhe para fazer algo por mim.
O cachorro piscou e, em seguida, desapareceu atrás de uma
caminhonete.
Colocando a palma da mão fria contra a porta, Julie retesou os
ombros e a empurrou, com determinação.
Quando a porta pesada se abriu, o cheiro de cerveja e fumaça de
cigarro invadiu-lhe as narinas.
Ela prendeu a respiração, deu um profundo suspiro e entrou.
Aos poucos, seus olhos se acostumaram ao interior escurecido.
Deus do céu, entrara num lugar freqüentado pelos Hell's An-gels, o
famoso grupo de motociclistas. A última vez que vira tanto couro num
só local fora com os trabalhadores braçais da fazenda do pai. Estóica,
ignorou os assobios de lobo, miados de gatos e vários outros sons
animalescos emanados da clientela do bar, que saudou sua chegada.
Através do ambiente enfumaçado, ela distinguiu mesas em volta das
quais homens estavam sentados, na grande maioria tatuados e
vestidos com couro preto e, invariavelmente, com barbas. No fundo
do salão, havia um balcão comprido de madeira, tendo atrás de si
prateleiras repletas de garrafas e copos. Em volta, havia vários
homens sentados com os cotovelos sobre o balcão. Apenas um único
homem do bar não se virará em sua direção.
Gabriel Ransom acabara de colocar no bolso do jeans o troco do
pagamento de uma caneca de cerveja, preparando-se para partir. Ele
parou, com a curiosidade eriçada pela arrebatada atenção e reação
que os vinte e poucos motoqueiros estavam dando em direção à
porta.
Sem se virar, levantou o olhar para o espelho do bar. Através de
muita fumaça e poeira, avistou uma mulher com o rosto sombreado
pela luz difusa e as curvas do corpo terrivelmente sedutoras.
Pela aparência do vestido justo, ele avaliou que devia ser uma
prostituta local. E perdeu o interesse. Não precisava de mulheres
assim. Tinha coisas mais importantes a considerar no momento, como
aquele pequeno fardo nos alforjes de sua motocicleta. Se não
aparecesse com a mercadoria em Los Angeles dentro de três dias,
poderia dizer adeus a uma boa soma de dinheiro. Haveria muito
tempo para exercícios aeróbicos na cama depois que fizesse sua

entrega e recebesse o precioso dinheiro que lhe era devido por
aquela tola viagem.
Descendo do banco do bar, ele olhou através do espelho, para um
motoqueiro corpulento que ia em direção à recém-chegada.
Fascinado, parou e observou. Ela deu diversos passos à frente,
fugindo do homem que avançava. Agora numa área iluminada, podia
ver o delicado rosto feminino.
Gabriel teve uma nova impressão. De seu rosto parecia irradiar-se
inocência, como um halo de anjo. Ele rapidamente mudou de opinião.
A garota não era uma prostituta local. Contudo, mesmo que
questionasse o propósito dela de aventurar-se naquele lugar, tinha
que admirar a coragem da mulher. Não devia ter sido fácil atravessar
aquela porta.
Ela deu outro passo, afastando-se, e cambaleou nos inacreditáveis
sapatos de salto alto. Seu modo de movimentar-se o fez lembrar-se
de sua irmãzinha, Laurie, quando, ainda criança, brincava de calçar
sapatos de salto alto e quase rolou escada abaixo.
No entanto, infantil não seria o adjetivo mais adequado para
descrever aquele corpo esculpido de mulher e as pernas esbeltas.
Mas, por toda sua beleza, ela parecia um peixe fora d'água ali
naquele lugar, como uma rosa de caule longo num campo de erva
daninha.
—Olá, você aí, docinho. —balbuciou o motoqueiro grandalhão.
— Está perdida? — Ele sorriu, zombeteiramente. — Talvez eu possa
ajudá-la a encontrar seu caminho.
O sorriso do brutamontes alargou-se. Sem tirar os olhos da mulher,
ele tomou um gole da cerveja em lata que segurava.
O estômago de Gabe revolveu-se e ele sentiu uma incontrolável
vontade de torcer o pescoço do grandalhão. Surpreso com a força de
sua reação, controlou-se. Sua responsabilidade por alguém terminava
ali mesmo.
No dia em que pusera Laurie no avião com destino à universidade de
Boston, Gabriel Ransom tornara-se um homem emocionalmente livre
e pretendia continuar daquela maneira. Após anos fazendo o papel
tanto de pai como de mãe de sua impetuosa irmã, preocupando-se
com ela, tirando-a de embaraços, fora responsabilidade suficiente
para uma vida inteira.
Agora, pelo menos, transferira suas dores de cabeça para a faculdade.
— Meu ônibus partiu sem mim. — A voz da mulher tremia,
nervosamente. O som da voz feminina enviou um arrepio através da
coluna de Gabe. Um calafrio seguiu o tremor.
Ele deu de ombros e depois olhou ao redor, percebendo que não era o
único afetado. Todos os olhos estavam focalizados na mulher.
— Bem, não preocupe a sua cabecinha linda. Eu e meus companheiros aqui levaremos você para onde quiser, doçura. Não é
verdade, rapazes? — O motoqueiro olhou em volta, ansiando por uma
resposta afirmativa.
— Obrigada, mas há aqui um telefone e chamarei um táxi. As paredes
do bar reverberaram com uma risada estrondosa.

— Este é o fim do mundo, doçura. Não há táxis por aqui. Gabe
empertigou-se quando o motoqueiro moveu-se para mais
perto dela, sua mão avançando para acariciar as mechas dos cabelos
que pendiam nas costas da mulher. Ela afastou-se. Os tornozelos,
parecendo incapazes de lidar com o brusco movimento, curvaram-se,
e ela perdeu o equilíbrio e tombou para trás. Outro motoqueiro, uma
versão mais jovem e mais agressiva de seu pretenso salvador,
segurou-a.
Gabe cerrou os punhos. Depois girou para encarar o cenário que
estivera observando através do espelho. Antes que pudesse fazer
alguma tolice, o rapaz mais jovem depositou a mulher nos braços do
corpulento motoqueiro. Os instintos protetores que Gabe
experimentara em relação à irmã tomaram conta de sua mente. Mas,
decidiu permanecer afastado.
Não era de sua conta envolver-se naquilo e, embora estivesse
sentindo muita vontade de brigar com o brutamontes, pensou no que
carregava nos alforjes de sua motocicleta, que era muito mais
importante. Ele assumira o disfarce de motoqueiro para misturar-se
com a multidão, não para sobressair-se.
Seu raciocínio funcionou bem até que o motoqueiro ergueu as mãos
para acariciar o rosto da mulher. Naquele momento, Gabe perdeu o
controle e caminhou determinado em direção a eles.
—Por favor, afaste-se de mim — suplicou ela com voz trêmula.
— Agora, meu docinho, estaremos muito mais perto quando você
estiver montada na garupa da minha máquina.
— Sua máquina? — Ela olhou em volta, confusa.
— É, docinho. Aquela Harley Davidson preta e lustrosa estacionada lá
fora.
Ela olhou para a porta e depois, voltou-se para o homem.
— Oh, entendo. — Deu um sorriso tímido e torceu o braço para livrarse da mão do homem. — Por favor, largue-me. Eu...
— A moça quer que você a largue. — A voz de Gabe cortou o
ambiente barulhento como uma faca afiada.
As risadas pararam. O sorriso no rosto do motoqueiro transformou-se
numa expressão de seriedade.
— A moça pode falar por si mesma.
Gabe notou as marcas vermelhas começando a aparecer no pulso
branco da mulher e isso aumentou sua irá.
— Ela está tentando dizer isso, mas você parece não ouvi-la... Amigo.
Intimamente, Gabe esperava que o homem largasse a garota. Não
tinha vontade alguma de brigar com aquele sujeito. E não havia
dúvida de que o motoqueiro poderia abatê-lo, e seus amigos
provavelmente ajudariam.
— É melhor você não se meter nisso, companheiro. — A ameaça na
voz do homem era evidente.
Gabe engoliu em seco. O que estava fazendo? Nem sequer conhecia
aquela mulher. Então olhou para ela e viu medo nos bonitos olhos
verdes. Verde. Sua cor favorita.
Muito bem. Quais eram suas opções? Poderia ir embora dali e deixá-la
nas mãos dos motoqueiros, então acordar na manhã seguinte com os

ossos intactos e sem dor, mas com o peso de uma montanha de culpa
sobre os ombros.
Ou, poderia lutar por ela e talvez não acordar na manhã seguinte,
com ou sem dor. Ou, se Deus o ajudasse por se tolo, poderia agarrá-la
e correr feito louco para a porta, enquanto ambos poderiam ainda
andar sem a ajuda de muletas.
O motoqueiro puxou-a para mais perto de si. A mulher ofegou.
Gabe decidiu-se.
— Largue-a.
Olhando para Gabe, o motoqueiro empurrou-a e ameaçou-o com o
enorme punho cerrado. Curvando-se a tempo de evitar milhares de
dólares em tratamento dental, Gabe segurou a mulher e a puxou para
si. Ela bateu contra o peito dele e naquele preciso momento, uma dor
lancinante atingiu o dorso do pé de Gabe. Olhou para baixo e viu o
salto de um sapato vermelho fincado firmemente sobre seu pé. Sem
mais pensar, conduziu-a para a porta, correndo em direção a uma
grande motocicleta verde.
Colocando seu capacete, subiu na moto e gritou para que ela se
sentasse na garupa. Parou apenas um momento para certificar-se que
a moça se acomodara em segurança, então girou a chave e fez a
poderosa máquina funcionar. Dirigiu a toda velocidade, afastando-se
dali, deixando uma nuvem de poeira e pedregulhos contra o homem,
que sacudia o pulso para Gabe da porta do Ninho dos Lobos.
Julie segurou-se na jaqueta de couro do homem que dirigia a
motocicleta por uma estrada sinuosa. Perguntou-se se eles estavam
indo em direção a Los Angeles ou pegando o caminho oposto. Não
que isso importasse muito, uma vez que, considerando a maneira que
ele dirigia a moto, provavelmente não chegaria viva até o fim da
viagem.
Com o vestido arregaçado, as pernas abertas sobre a imensa
máquina, os olhos cerrados, esqueceu-se do decoro e concentrou-se
em ficar agarrada ao homem.
Com um pouco de sorte, ela e seu abençoado salvador chegariam a
Los Angeles.
Por que não escutou o conselho do pai que lhe dissera para ficar na
paz do seu lar na fazenda? O que a impelira a fazer aquela viagem
impulsiva?
Julie sabia a resposta tão bem quanto sabia seu próprio nome.
Sufoco. Amava muitíssimo o pai, mas a atitude controladora dele
quase não a deixava respirar.
Não. Ela não tivera alternativa. Se quisesse experimentar a vida,
conhecer o sabor da aventura, provar independência, tinha de tomar
medidas drásticas.
Contudo, fazer papel de mãe do Anjo do Asfalto na garupa de uma
gigantesca motocicleta verde não fora o que tivera em mente.
Sem aviso, o homem diminuiu a velocidade da máquina. Mie abriu os
olhos e o viu conduzindo o veículo para uma estrada de terra estreita
que levava a um vale com um riacho murmurante. Ele parou sob uma
árvore frondosa e desligou o motor.
Julie deu um suspiro de alívio por não ter sucumbido como resultado

da fuga deles.
— Exatamente o que lhe deu na cabeça para entrar num lugar como
aquele?
— perguntou a voz profunda do homem.
Ele desceu da moto, tirou o capacete, e esperou a resposta com as
mãos nos quadris, encarando-a com ar colérico.
— Eu perdi meu ônibus. O bar era o único lugar aberto onde eu
poderia ir procurar ajuda. O que você queria que eu fizesse? Que
ficasse parada à beira da estrada, pedindo carona com o polegar
erguido?
O olhar malicioso migrou do rosto dela para as longas pernas nuas
abertas sobre a moto.
— Poderia ter funcionado — disse ele, dando um pequeno sorriso e
parecendo menos raivoso.
Julie segurou a bainha do vestido, tentando puxar o tecido para uma
posição mais decente sobre as coxas. Estava grata pela intervenção
dele no bar e pelo resgate, mas sua gratidão não foi muito longe.
Ele sentou-se numa pedra e falou:
— Desça da moto e fique mais à vontade. Qual é o seu nome?
Tomando cuidado para que, quando descesse, o vestido não
mostrasse mais do que já mostrava, Julie saltou da moto.
— Por quê?
— Uma vez que provavelmente teremos a companhia um do outro por
algumas horas mais, pelo menos até que eu possa levá-la à próxima
parada de ônibus, ajudaria muito se pudéssemos usar nosso nome
para uma comunicação civilizada.
— Oh. — Julie pensou em agradecer, mas alguma coisa lhe disse que
ele não apreciaria isso, portanto, ficou calada.
— Então? Qual é o seu nome?
— Julie.
— Você tem um sobrenome?
— Evans. Julie Evans.
Satisfeita que a barra do vestido cobria agora um pouco mais suas
pernas, olhou para seu salvador, e viu que tirara a camisa e o peito
nu estava exposto de modo normal. Contudo, para ela, em especial
naquele momento, parecia-lhe um pouco indecoroso. Por quê, Julie
não tinha idéia. Ela agarrou-se ao selim da moto para firmar os
joelhos trêmulos.
Nunca na vida testemunhara um corpo másculo tão bonito, nem um
homem tão vaidoso de si. Os músculos salientavam-se certa
proporção. A pele, naturalmente bronzeada por herança, e não pelo
sol, fazia um contraste perfeito com os cabelos negros. Gotículas de
suor porejavam sobre os ombros e escorria pelas costas largas,
misturadas à poeira da estrada que atravessara o tecido da camisa.
Julie sentia cocar os dedos pela vontade de limpar a poeira grudada
ao corpo suado. O jeans apertado moldava suas pernas musculosas.
Na defensiva contra a vontade de apenas ficar ali, olhando-o
eternamente, ela fechou os olhos e gemeu baixinho.
Pare com isso, Julie! Até parece que você nunca viu um homem
seminu.

Aquilo era estupidez. Claro que já vira os trabalhadores da fazenda do
pai em trajes muito mais despojados do que um peito nu e jeans justo
sobre quadris estreitos.
Cuidadosamente, abriu primeiro um olho e depois o outro. Ele tirara
as botas e estava examinando o peito do pé. Quando planejava parar
aquele strip-tease improvisado? E por que ela esperava ali, para ver
aonde chegaria a ousadia dele?
— Gabe.
Ele caminhou até a beira do riacho e então, agachando-se, molhou o
peito nu e o rosto. Devagar, colocou o pé no riacho. Com o
movimento, os músculos das costas flexionaram-se.
A pulsação de Julie acelerou-se, a boca ficou seca e ela piscou.
— Desculpe-me. Não entendi.
— Gabe. Meu nome. Gabe Ransom.
— Oh.
Ele ergueu os olhos na direção dela.
— Você fez um estrago no meu pé com esses malditos sapatos.
— Oh. Deixe-me ver. — Apressou-se a olhar por cima dos ombros
dele para o pé ferido. O ferimento parecia mesmo sério. — Sinto
muito. Não estou acostumada a andar de salto alto. Perdi o equilíbrio.
Não tive a intenção de pisar no seu pé, mas...
— Então, por que você os usa?
O sangue de Julie ferveu. Ele parecia crítico demais para seu gosto.
Estaria pretendendo intimidá-la? Gostava dos sapatos e resolveu usálos.
— Não pude resistir à elegância dos sapatos.
— Então, por uma questão de elegância, você está querendo quebrar
um tornozelo... ou provocar um ferimento grave nas pessoas que a
rodeiam?
Sentindo-se muito mal por ter causado o ferimento que agora
sangrava, ela disse:
— Você deveria fazer um curativo no machucado. Cortes nos pés
podem ser susceptíveis à infecção.
Ela olhou em volta, à procura de um substituto para um curativo. Seu
olhar alcançou o saco de dormir enrolado e os alforjes pendurados
sobre a traseira da motocicleta. Sem perguntar-lhe, dirigiu-se à moto,
e começou a abrir um dos alforjes.
Gabe agarrou-lhe o pulso.
— O que você acha que vai fazer? — indagou ele junto ao ouvido
dela.
Espantada, Julie deu um passo atrás.
O grito de dor de Gabe ressoou através do vale e ele proferiu algumas
imprecações. Pulou num pé só por alguns minutos.
— Você está querendo por acaso aleijar-me?
Julie olhou para o pé duplamente ferido, e suspirou desconsolada.
Outra ferida estava se formando no peito do pé. Antes que pudesse
desculpar-se, ele a pegou pelos ombros, ergueu-a do solo e a colocou
na pedra onde estivera sentado. Curvando-se, pegou primeiro um pé,
depois o outro, e praticamente arrancou os terríveis sapatos dos pés
dela. Diante dos olhos espantados de Julie, quebrou ambos os saltos e

entregou-lhe os sapatos danificados.
— Como... como você ousou? O que espera que eu vá usar nos pés
agora? Todas minhas coisas estão na mala, a caminho de Los Angeles.
— Minha senhora, não me importo nem um pouco com o que você
calçará. Mas durante o tempo que estiver comigo, usará algo menos
letal — replicou, atirando os saltos no riacho.
Ainda atônita pela atitude grosseira dele, Julie pôde apenas ver os
saltos sumirem na correnteza do riacho.
— Eu lhe comprarei um par de sapatos decentes tão logo cheguemos
a algum lugar onde haja uma loja.
Apesar de não querer revelar como se sentia bem em ter seus pés
inchados livres daqueles sapatos, Julie retrucou:
— Você não fará mais do que sua obrigação. — Ele vestira a camisa e
estava calçando as botas novamente. — E o que o faz pensar que vou
a algum lugar com você?
O inferno teria um dia frio antes que ela voluntariamente se
imiscuísse com um homem que poderia ser gêmeo de seu pai, no
temperamento e na necessidade de dirigir a vida das outras pessoas.
Gabe a encarou.
— No caso de você não ter notado, estamos perdidos, talvez no meio
do fim do mundo. Eu deveria tê-la avisado que estamos a milhas de
distância da civilização mais próxima. Se você quiser ir a pé... Tudo
bem. Mas se quiser vir comigo, acho que iremos agora, pois está
escurecendo, para não mencionar que há uma boa chance de seus
amigos motoqueiros estarem nos seguindo.
Ela sabia que estava numa encruzilhada. Ou arriscava-se num novo
embate com os motoqueiros e caminhava sozinha, ou viajava com
aquele homem rude e insuportável.
Em silêncio, Julie calçou o que restava dos sapatos agora desconfortável para os pés.
— Viajarei com você. Ele sorriu.
— Sua carruagem a espera, madame.
Erguendo o queixo, ela passou diante dele com toda a pose que pôde
fazer, e depois montou na garupa da moto, puxando a saia o mais
que pôde, a fim de cobrir as pernas.
Com incrível habilidade, Gabe passou uma das belas pernas
musculosas por cima da moto e sentou-se na frente dela.
— Ponha isso na cabeça — instruiu-a, entregando-lhe o único
capacete que possuía.
Ela colocou o objeto negro, brilhante e pesado na cabeça e perguntou:
— E quanto a você?
Gabe ignorou a pergunta e ligou a ignição. Julie passou os braços em
volta da cintura estreita e fechou os olhos para a viagem.
Ele murmurou qualquer coisa, mas o barulho da máquina a impediu
de ouvir direito. Teria Gabe dito que a primeira parada dos dois seria
no motel mais próximo?
Quando Gabe parou a motocicleta no estacionamento do motel, sua
pressão sangüínea atingira o nível máximo. As costas ardiam pela
pressão do corpo de Julie contra elas nos últimos vinte quilômetros,

sem contar os dois pontos onde os seios femininos tinham roçado
todas as vezes que ele fora obrigado a frear. Em resumo, ele se
transformara numa fornalha ambulante.
Desceu rapidamente da moto. Precisava urgentemente de uma ducha
fria.
— Por que estamos parando aqui? — Julie fitou o letreiro do motel
com olhos arregalados.
— Para dormir. Caso não tenha notado, está ficando escuro. A maioria
das pessoas dorme quando escurece. — Detestava ser tão irônico,
mas seus nervos estavam em frangalhos. Ser educado estava além
de suas capacidades no momento.
— Oh! — exclamou ela, contemplando as próprias mãos.
— Vou entrar e fazer o registro. Espere por mim aqui. — Quando Gabe
dirigiu-se à recepção iluminada do motel, ela o seguiu. — Eu lhe disse
para esperar.
— Posso fazer o registro para meu próprio quarto. Obrigada. Gabe
reprimiu um sorriso. Então a jovem senhora não confiava nele? Seu
ego masculino oscilou pela idéia de que ela pensava que ele a queria.
Se Julie ao menos soubesse! Sim, a queria, com certeza. Seria
também bom ser o homem mais rico do planeta, contudo, a bela
moça chegara com um emaranhado de problemas, dos quais ele não
precisava.
— Faça o que quiser.
Ele caminhou, mancando apenas de leve agora, com a cabeça
curvada para esconder um sorriso. Julie andava nas pontas dos pés
descalços, mas, mesmo assim, quase não chegava na altura dos
ombros dele. Gostava de mulheres mais baixas.
Nem pense nisso, Ransom. Alta ou baixa, você não precisa de
responsabilidades ou envolvimento. Isso significa que amanhã você
vai colocá-la no primeiro ônibus para Los Angeles e, até lá, não faça
nada que o comprometa. Ele abriu a porta para que Julie entrasse, e
tentou não se inebriar com o leve aroma do delicioso suave perfume
dela.
—Olá!—O jovem nos seus vinte e poucos anos atrás do balcão,
usando um crachá onde se lia Carl, deu um sorriso a Julie e depois
sorriu significativamente para Gabe. — Posso ajudá-los?
Julie adiantou-se:
— Queremos dois quartos. — Ela lançou um olhar frio a Carl. — Dois
quartos separados.
Gabe ergueu dois dedos e assentiu.
— Dois — repetiu Julie.
Olhando de um para o outro, Carl deu de ombros.
— Puxa vida! — sussurrou ele, achando que Gabe precisava de uma
avaliação psiquiátrica por não aproveitar a situação. Então, entregou
as fichas de registro aos dois.
Julie preencheu a sua e trocou-a pela chave que Carl lhe estendeu.
— Ele está pagando — disse Julie, apontando para Gabe. Gabe viu o
logotipo da Viação Greyhound num cartaz afixado
sobre o balcão, o que o recordou que teria de despachar a moça
impertinente num ônibus e livrar-se dela o mais rápido possível.

— O ônibus pára aqui? — perguntou ao atendente.
— Não, sr. Ransom. Somente estrada abaixo, a cerca de doze
quilômetros, no restaurante da Hannah. O primeiro passa por volta
das onze da manhã.
— E onde há uma loja? Uma que venda calçados e roupas para
mulheres?
Carl deu uma olhada em Julie, fazendo uma avaliação do vestido
vermelho justo e espantou-se com os sapatos sem salto.
Gabe inclinou-se sobre o balcão e sussurrou de modo conspiratório:
— Isso a impede de fugir. Minha irmã. Fugiu da escola. Estou tentando
levá-la de volta antes que mamãe e papai descubram.
— Garotas! — Carl assentiu com ar de entendido.
— Sim, garotas — repetiu Gabe, lutando contra uma gargalhada.
— Agora, quanto às roupas... não posso levá-la de volta com esse
traje.
— Sem problemas — sussurrou Carl, obviamente gostando da
conspiração e camaradagem com Gabe. — Três quilômetros antes do
restaurante da Hannah, há uma loja que vende de tudo, e um correio.
— Obrigado.
Gabe pegou sua chave e virou-se para apanhar Julie, mas ela já havia
tomado o rumo do quarto dela.
Sentindo-se melhor sobre as acomodações para passar a noite e
incapaz de suportar os olhares especulativos de Carl por mais um
minuto, Julie caminhou em direção à motocicleta.
Não se preocupou em esperar pela indicação do local dos dois
quartos. Gabe a obteria quando fizesse o pagamento.
O pagamento!
Ela precisava anotar todos os centavos que Gabe gastasse com ela, a
fim de que, quando recuperasse sua carteira, pudesse reembolsá-lo e,
pronto, o homem hostil estaria fora de sua vida para sempre. Que
bons ventos o levassem.
Vasculhando dentro da bolsinha a tiracolo, descobriu que não tinha
papel nem caneta. Mas tinha um mini gravador, com o qual pretendia
praticar para o teste de cinema que esperava conseguir em Los
Angeles. Tirando-o de dentro da bolsa, ligou-o, e então gravou o
preço do quarto, a data, o nome do motel e o número da estrada.
Enquanto a ensinara a escriturar as contas da fazenda, seu pai lhe
mostrara a importância de manter gravações para fins de imposto.
Ela não estava certa se aquela viagem exigiria tributo, mas, em caso
positivo, estaria preparada.
Sentindo-se melhor, inclinou-se contra o selim da moto e olhou em
volta do pequeno e imaculado motel. As doze cabines brancas
perfiladas uma ao lado da outra davam para um vale. No outro lado
do vale, ela visualizava montanhas rochosas que brilhavam à luz do
luar. O ambiente que a circundava parecia dar-lhe as boas-vindas de
braços abertos, e era muito mais atraente do que os infindáveis acres
áridos do pai.
Sentindo uma súbita dor no estômago, lembrou-se que não comera
nada desde no início da tarde, quando o ônibus havia parado para o

almoço. Olhou para o relógio de pulso. Quase seis horas atrás. Onde
poderia encontrar algo para comer?
Não vira nenhuma máquina automática com sanduíches e bebidas no
saguão do motel, e não havia outro edifício à vista. Seu olhar caiu nos
alforjes pendurados na moto de Gabe.
Talvez ele tivesse algum lanche enfiado lá. A luz do motel favorecia a
procura.
Vasculhou um dos alforjes e logo viu um pequeno saco de papel
enfiado em um dos cantos. Sua boca salivou por antecipação, pensando em algum doce ou biscoito recheada. Enfiando a mão dentro
do saco, tocou em algo macio. Cuidadosamente, retirou-o e desdobrou o tecido de veludo.
Julie ofegou. Um anel jazia entre as dobras. Na verdade, um anel largo
de ouro, cravejado com várias pedras coloridas. Bonito, mas
ostensivo, e certamente nada que escolheria para si mesma. Teria
Gabe uma esposa, uma namorada? Por alguma estranha razão, ela
não quis continuar a vasculhar o alforje. A quem quer que o anel
pertencesse, não deveria ser muito valioso, caso contrário, ele nunca
o estaria carregando tão descuidadamente no bornal da moto.
Segurando o anel, examinou a intricada cravação de metal que
segurava cada pedra. Atraente e extravagante para uma peça de jóia
fantasia. Parecia muito espalhafatosa para suas mãos pequenas.
Mesmo assim, colocou o anel no dedo para ver o efeito.
— Posso saber quem lhe deu ordem para mexer nas minhas coisas?
Julie pulou, sobressaltada. Enrubescida de vergonha, encarou Gabe.
A voz profunda a espantara, mas não tanto quanto a expressão de
raiva no rosto másculo.
— Uh... eu estava procurando alguma coisa para comer e encontrei
isso. Pensei em apenas experimentá-lo.
— Bem, pode tirá-lo imediatamente — ordenou, praticamente
extraindo-lhe o anel do dedo.
— Espere. Você está me machucando. Eu mesma o tiro, antes que
você quebre meu dedo.
— Eu deveria quebrar seu pescoço, isso sim.
Julie ignorou a grosseria de Gabe e puxou o anel, o qual deslizou
somente até o nó de seu dedo. Ela não conseguiu tirá-lo.
— Bem?
— Estou tentando. Dê-me apenas um minuto. É sempre mais difícil
remover um anel largo do que um estreito. — Ela torceu o anel e o
puxou. Nada!
— Estou esperando.
— Acalme-se — disse ela, umedecendo o dedo com a boca e tentando
novamente. — Acho que está emperrado.
— O quê? Não pode ser. Deixe-me tentar.
Gabe segurou-lhe o dedo e deu um puxão tão forte que ameaçou
remover não somente o anel, mas o dedo também.
Quando tentou puxar novamente, ela pôs a mão atrás das costas.
— Espere! Suas táticas de homem da caverna não estão resolvendo
nada. Meu dedo está inchando.
Gabe disse um impropério em alta voz e a fitou com olhos ferozes.

Ele estava certo. Ela não tinha o direito de vasculhar as coisas dele e
muito menos de experimentar o anel. Mas isso certamente não
desculpava a grosseria do homem. Quem pensaria que ele fosse ficar
tão ofendido por causa de um simples anel? Meu Deus, ela nem
sequer gostara daquela bendita jóia fantasia. Muito ostensiva. Jamais
usaria uma coisa tão extravagante.
Julie o estudou. O olhar de Gabe dizia-lhe que se ela não encontrasse
um jeito de remover o anel, logo a polícia iria descobrir um corpo...
Morto e sem um dos dedos da mão. Tornou a torcer o anel. Não saiu.
Seu dedo estava inchado e a mão inteira estava ficando avermelhada.
— Não adianta. Meu dedo está realmente inchado agora.
— Espere um minuto — disse Gabe. — Tive uma idéia.
Ele caminhou até a moto e retirou uma lata de aerossol de um dos
alforjes.
— Isso pode resolver.
Ela leu o rótulo da lata. Anti corrosivo. Rapidamente escondeu a mão
atrás de si.
— Ouça bem. Tenho a pele delicada. Essa porcaria vai me queimar?
— Não, infelizmente. — Ele fez uma careta, e espargiu boa
quantidade do anti corrosivo no dedo dela. O líquido era frio. Talvez
funcionasse. Enquanto manejava o aerossol, Gabe curvou a cabeça
sobre a mão dela. Os cabelos tocaram a parte de baixo do queixo de
Julie. As mechas eram sedosas e cheiravam a xampu.
Então, ela sentiu uma dor aguda que começou no dedo e percorreulhe o braço, e afastou o dedo da mão que a segurava com firmeza. E,
já sem equilíbrio por causa dos sapatos sem salto, caiu para trás.
Estendendo a mão para salvar-se, agarrou a frente da camisa de
Gabe. Num embaraço de braços e pernas, os dois tombaram no solo
sobre a grama.
De súbito, Gabe estava deitado sobre ela como um grande cobertor
quente, comprimindo-lhe o seio esquerdo com a palma aberta. Ambos
trocaram olhares magnetizados. Ele tinha o aroma do ar fresco que os
rodeava. Julie gostou daquilo. Assim como gostou de ver os cabelos
embaraçados dele, as mechas escuras caindo na testa como de um
menino levado depois de uma vigorosa partida de futebol.
Ou um adulto depois de uma noite apaixonada de amor.
Um gemido escapou de sua garganta, mas não por causa das pedras
que lhe machucavam as costas.
Gabe não moveu um único músculo. Plenamente consciente de todos
os detalhes do corpo esculpido entre ele e o chão, tentou não pensar
em como a jovem se encaixava sob ele com perfeição e como aquilo
era bom. Mas seu estado de excitação o traiu. Concentre-se em tirar
o anel..., ordenou a si mesmo.
— Boa tentativa, mas não me distraio com facilidade. Talvez você
possa tentar novamente mais tarde.
— Você é presunçoso, egoísta...
Para total surpresa de Julie, enquanto continuava a aproveitar a
proximidade dos dois, ela tomou a iniciativa. Arqueando as costas e
chutando os pés, afastou Gabe de cima de seu corpo. Ele bateu nos
cascalhos da beira da rodovia com um barulho seco. A mulher estava

determinada a mutilá-lo, sem sombra de dúvida. Sentindo algumas
novas dores, Gabe levantou-se.
— Deixe para me ofender mais tarde, também. Agora, vamos voltar à
tarefa de remoção do anel. — Ele estendeu a mão para ajudá-la a
levantar-se.
— Não preciso de sua ajuda.
Levantou-se sozinha e ele não pôde deixar de contemplar os quadris
arredondados, o que fez sua pressão sangüínea subir. Se não
afastasse o pensamento daquela provocação, jamais tirariam aquele
anel e ele poderia dizer adeus aos dez mil dólares de bônus que o
museu de Los Angeles prometera pela entrega. Então, todos os
museus do estado lavariam as mãos quanto a ele e a Transportadora
de Valores. Gabe contemplou o anel.
É claro, sabonete. Por que não pensara nisso antes? Quando Laurie
colocara no pulso um anel da cortina do chuveiro como se fosse uma
pulseira, a espuma de sabonete tinha resolvido a situação.
— Venha cá — chamou Gabe, segurando o braço de Julie e puxando-a.
— Onde estamos indo? — Ela se desvencilhou e andou atrás dele.
— Para o meu quarto do motel.
— Escute aqui, sr. Gabe Ransom. Não sou essa espécie de garota que
você está pensando.
Ele fez uma parada abrupta, fazendo-a colidir direto com suas costas.
Então, virou-se e segurou-a pelos ombros.
— Sei exatamente que espécie de garota você é, Srta. Evans. É o tipo
de garota que mete o nariz no que não lhe pertence e causa todas as
espécies de problemas. Portanto, não se vanglorie, porque tudo que
quero é esse anel de volta e precisamos de sabonete do banheiro do
motel. Fui claro?
-— Acho que deveríamos esquecer o anel e ir para a cama. Talvez isso
ajudaria a desinchar o dedo.
Gabe cerrou os dentes, ignorando o sentido dúbio das palavras dela e
concentrando-se em firmar as mãos trêmulas, a fim de conseguir
inserir a chave na fechadura da porta. Quando a porta se abriu, uma
única cama parecia preencher o quarto inteiro, provocando-o com sua
sugestiva presença.
Depois de quinze minutos e metade de um sabonete, o anel ainda
brilhava no dedo de Julie. Desconsolada, ela olhava para a mão. O
inchaço aumentara.
Agora, contudo, seu dedo, além da espuma do sabonete, estava
adornado com manchas de graxa preta que Gabe tirara da roda da
moto numa última tentativa de remover o anel.
Julie o fitou. Os olhos castanhos cor de chocolate queimavam com
algo que ele parecia estar considerando, enquanto se sentava na
beira da cama.
— Então, o que faremos agora?
Ela sabia o que queria fazer. Ir para a cama e esquecer aquela
confusão toda até a manhã seguinte.
Mas, alguma coisa nele a fez querer ficar e convencê-lo de que tudo
ficaria bem. Sua atitude ingrata injuriava-a. Ele a salvara. E ela só lhe
causara problemas até agora.

Tola. Você achou que ele queria alguma coisa de você a não ser o
anel?
Gabe suspirou e passou os dedos pelos cabelos.
— Acho que sua primeira sugestão é a mais certa. Vamos para a
cama e ver como está o inchaço amanhã cedo.
Ele sentou-se ereto e estendeu os braços. Os músculos das costas
largas agruparam-se e depois relaxaram por sob a camiseta. Julie
ficou praticamente hipnotizada.
Gabe a fitou por sobre os ombros e ela retribuiu o olhar com um fraco
sorriso.
— Bem, não fique aí parada. Tire suas roupas e enfie-se na cama.
Ela riu nervosamente e encaminhou-se para a porta.
— Se você não se incomoda, esperarei até chegar no meu próprio
quarto para fazer isso. Boa noite. — Pôs a mão na maçaneta e
imediatamente foi bloqueada pelo grande corpo de Gabe. — O quê?
— Você não vai a lugar algum.
— Certamente você não espera que eu fique aqui com... com você?
— E exatamente onde você ficará até que este anel esteja fora do seu
dedinho delicado. — Ele trancou a porta, segurou-lhe o braço e
conduziu-a para a cama. — Você vai dormir aqui comigo.
— Não farei tal coisa e você não pode me obrigar.
— Moça, não me amole. Nas últimas horas, você quase me fez ser
morto numa briga de bar, mutilou-me com seus sapatos por duas
vezes. Conseguiu enfiar um objeto precioso que não deveria estar no
seu dedo. Você não sabe quando é o momento de render-se?
— Tudo que quero fazer é ir para meu quarto. Você é que está
fazendo um drama do que aconteceu. Se está preocupado com a
possibilidade de eu roubar seu tesouro, não fique. Notou que estamos
no meio do fim do mundo? Além do mais, eu não seria tola de
caminhar mais de vinte quilômetros com os sapatos nessas condições. — Ela mostrou-lhe o sapato destruído.
— Vamos deixar uma coisa bem clara desde já. Enquanto o anel
estiver no seu dedo e este dedo estiver atado a seu corpo, estaremos
juntos o tempo todo. Entendeu?
— Não. Não posso compreender por que tanto drama por causa de
um anel.
— Ela levantou a mão e colocou-a sob a luz do lustre. — Não é sequer
bonito. — Eu não queria falar, mas acho até que as pedras são falsas.
— Você provavelmente pode conseguir outro anel como este com
qualquer ourives.
Gabe suspirou e meneou a cabeça.
— Somente se o ourives tiver cem anos.
— Esse anel tem cem anos? — A voz de Julie delatava o espanto. —
Deve valer uma fortuna. — E estava preso no seu dedo.
Não era de admirar que Gabe agia como se estivesse sentado num
ninho de vespa.
— Eu não diria que vale uma fortuna, mas é valioso.
Bela mentira, Ransom, pensou ele. Mas não fazia sentido contar a ela
que o anel fora um presente para a rainha Elizabeth de sir Walter
Raleigh e que tinha mais do que quatrocentos anos e seu valor era

inestimável. Só Deus sabia onde aquela espécie de novidade a
levaria.
— Espere! Você não roubou este anel, roubou? Gabe não pôde conter
a risada.
— Não. Não é roubado. Estou transportando-o para a Costa Leste...
Para um amigo. Tenho que entregá-lo dentro de três dias ou perderei
a bonificação que ele me prometeu.
— Por que eles não usam um carro blindado ou coisa assim?
Gabe riu novamente. Por um momento, recordou-se do argumento
que recebera dos diretores do museu de Nova York sobre a louca idéia
de mandarem o verdadeiro anel no alforje da moto dele, enquanto um
falso viajaria num carro blindado com um guarda armado, tudo como
chamariz.
— Esta maneira deveria ser a mais segura. Não contávamos com uma
mulher abelhuda intrometendo-se na ação.
Julie levantou-se, indignada.
— Isto ainda não explica por que tenho de compartilhar este quarto
com você — disse ela, puxando a bainha do vestido. — Ficarei com o
anel e dou-lhe minha palavra de que o devolverei a você.
Gabe meneou a cabeça.
— Nada disso. Quero este anel onde possa vê-lo o tempo todo. Há
muita gente ávida para pôr as mãos nesta peça. Esta é a razão pela
qual meu amigo contratou-me para carregá-lo. Este tipo de gente não
teria escrúpulos, mesmo para levar um dedo junto com o anel.
Nesse instante, pôde ver que ela sentiu um calafrio. Julie estava com
medo... O suficiente para ficar perto dele.
— Para sua própria segurança, acho que deveria ficar tão perto de
mim quanto possível.
Gabe não pôde evitar um pensamento erótico.
— Agora, por que não vamos para a cama?
Ainda atordoada pelo o que ele lhe dissera, Julie permitiu que a
conduzisse até a cama e a sentasse ali.
Então, olhou para cima e se levantou de novo.
— O que você está fazendo?
Ele parou de tirar a camiseta pela cabeça, já tendo desabotoado o
jeans.
— Estou me despindo e sugiro que você faça o mesmo.

Capítulo II
Julie retirou os cobertores da cama, depois pegou o travesseiro extra
do armário. Havendo pouco espaço no chão, esticou o cobertor ao

lado da cama.
— Você não precisa dormir no chão — murmurou Gabe, aproximandose.
Julie notou, com alívio, que o jeans dele, embora desabotoado, fora
erguido novamente até a cintura.
— Não pretendo dormir no chão. — Ela o encarou, deixando claro sua
intenção.
— Oh! Não, não! Não durmo no chão desde que era escoteiro e não
pretendo mudar de idéia agora.
— Que cavalheiro! — apontou ela, franzindo o cenho.
— Espero que você não esteja sugerindo que eu durma no chão.
— Não estou sugerindo coisa alguma. Vou dormir na cama. Você será
bem-vinda em juntar-se a mim, ou dormir no chão. E qualquer que
seja sua opção, eu durmo na cama — finalizou ele, deslizando o jeans
pelos quadris abaixo e, em seguida, entrando embaixo das cobertas
da cama.

Você é insuportável, grosseiro e arrogante — gritou ela,
ajoelhando-se sobre os cobertores estendidos no velho carpete.
— Você disse alguma coisa? — A voz abafada chegou a Julie antes
que ela apagasse a luz.
— Nada que você não tenha ouvido antes, tenho certeza. Sob a
proteção da escuridão do quarto, ela tirou o vestido por sobre a
cabeça, dobrou-o e depositou-o ao lado dos cobertores.
De modo resoluto, enfiou-se sob as cobertas e acomodou-se o melhor
que pôde, embora o carpete fosse tão confortável quanto uma cama
de pedras.
Duas horas mais tarde, Julie ainda não dormira. Sua mente vagava.
Quando não estava tentando decifrar por que tivera aquela explosiva
reação a Gabe, estava pensando em seu pai e no bilhete que lhe
deixara antes de subir no ônibus.
Se ao menos sua mãe não tivesse feito uma viagem pela mesma
razão, vinte e quatro anos atrás. Por causa do abandono da mãe e da
contínua reação do pai a isso, Julie sentira-se compelida a mentir para
ele pela primeira vez na vida. Dissera-lhe que ia passar um mês com
sua amiga Angie. Se o pai acreditara ou não, isso era um outro
problema.
Ele conseguira encher a vida de Julie com coisas maravilhosas e mais
amor do que a maioria das garotas recebia a vida inteira, porém,
viver num mundo totalmente masculino deixara grandes buracos em
sua existência. Ela sentia falta de uma mãe para a qual pudesse
confiar "coisas de mulher".
Talvez o desejo de querer seguir os passos da mãe, tentando o
estrelato, resultasse da falta que sentia da figura materna. Julie não
estava muito certa do que queria, contudo, sabia que tinha de tentar
aquilo... por si mesma.
Com o pai na Europa, comprando mais gado para sua rica fazenda,
ela vira a oportunidade perfeita de libertar-se. Poderia ter feito isso
com ele em casa, mas, como nas outras ocasiões, ele encontraria um
meio de impedi-la, mesmo se tivesse de encenar outro ataque
cardíaco. Sempre fazia tudo para ter a filha a seu lado.

Mesmo que lamentasse ter decidido enganar o pai, Julie sabia que a
inocente mentira que contara não o levaria a ter um novo ataque
falso.
O pior de tudo era que, agora em a viagem e metida em problemas,
sentia falta do pai, e a mentira tinha um sabor amargo.
— Que coisa! — Ela socou o travesseiro e virou-se na cama
improvisada.
— Julie?
Ótimo, despertara o urso dorminhoco. Se não respondesse, talvez
poderia pensar que ela estivera sonhando.
— Julie, você está bem? Silêncio sepulcral.
— Julie. Sei que você está acordada há horas. Ela permaneceu em
silêncio.
— Tudo bem. Posso entender se você não quer falar. Apenas responda
uma questão: Por que você está indo para Los Angeles?
Ela tentou não arriscar uma risada.
Estava ali, compartilhando um quarto com um homem estranho. Que
diferença faria se risse? Precisava ficar calada para que Gabe não
tivesse uma impressão errada a seu respeito. Ele era um homem forte
e viril, e só Deus sabia o que se passava naquela cabeça.
— Certo. Tenho uma vaga idéia, mas não é da minha conta.
— A voz profunda aproximou-se e Julie temeu que ele tivesse rolado
na sua direção.
— Para encontrar meu noivo.
Não creio, de onde tirou essa idéia?, perguntou-se. Mas, se
necessitava da proteção de Gabe Ransom, o embuste soava bem.
Noivo?
Ele não notara uma aliança na mão dela, mas isso não significava
nada. Então estava noiva. Mais uma razão para ele manter a mente
apenas no anel e seu testosterona sob controle.
— Seu namorado não tem dinheiro suficiente para lhe comprar uma
aliança?
— Estamos... Economizando.
A pobre garota estava exausta. Ambos precisavam dormir. Mas, para
seu desalento, enquanto ouvia a respiração dela, Gabe descobriu que
sua mente e corpo tinham outras idéias. Visões de Julie subindo na
motocicleta, o vestido abrindo-se e mostrando as coxas, ela
cambaleando na escuridão do quarto, tudo isso evocava uma
vigorosa resposta de seu corpo.
Praguejando, atirou para longe as cobertas e caminhou até a janela.
Puxou as cortinas e olhou para o estacionamento iluminado.
Imediatamente, seu olhar pousou no local onde eles tinham caído, e
seus sentidos aguçaram-se à lembrança do corpo curvilíneo debaixo
do seu, na grama.
Ele praguejou outra vez. Antes de fechar as cortinas, as luzes do lado
de fora banharam o corpo de Julie sobre os cobertores no chão.
Curvada em posição fetal, o braço descansava ao longo da cintura, e
os cabelos estavam espalhados sobre o travesseiro branco. Os seios
pequenos e bonitos ameaçavam saltar fora do sutiã de renda mais
sexy que ele já vira. O quadril nu era arredondado e uma perna longa

e modelada, com joelho dobrado, descansava em cima das cobertas.
Ele deu um profundo suspiro, afastou o olhar e então fechou as
cortinas, deixando o quarto novamente na total escuridão. Tirando o
cobertor da sua cama, estendeu-o sobre a mulher adormecida. Do
jeito ardente que seu corpo estava naquele momento, provavelmente
não sentiria frio durante toda a noite.
Ele a contemplou por alguns minutos e então sussurrou:
— Não quero ser responsável por você, moça, mas tenho a impressão
de que a escolha foi tirada de mim.
Julie olhou para a poderosa Harley. Seria difícil dirigi-la? Um meio de
transporte era muito parecido com o outro. Se podia dirigir um trator
da fazenda e a obstinada caminhonete do pai, por que não poderia
dirigir uma Harley? Ela planejava ir somente até o restaurante que
Carl mencionara para buscar o café da manhã de Gabe.
Afinal, ele tinha sido muito gentil durante a noite, dando-lhe um
cobertor extra. Além disso, o comportamento rude dele no dia
anterior poderia ser, em parte, justificado pela fome. Pelo que sabia,
ele não comera também. E passar fome causava mal-humor em
qualquer pessoa. Ademais, levar-lhe o café seria uma boa maneira de
recompensá-lo por tê-la salvado dos motoqueiros.
Decidida, ergueu a saia do vestido, passou a tira da bolsa sobre a
cabeça e montou no selim de couro. Abstendo-se do capacete e com
a chave que encontrara sobre o criado mudo, procurou os
instrumentos para a ignição.
— Senhorita? Seu irmão sabe que você vai levar a moto dele?
Ouvindo a voz atrás de si, ela empertigou-se sobre o selim, e
viu Carl caminhando pela grama. O que fora mesmo que ele dissera?
Irmão? Ela não tinha tempo para esclarecer o fato com Carl, se
quisesse chegar no restaurante e voltar antes que Gabe acordasse.
— Bom dia, Carl. — Deu-lhe um de seus sorrisos mais brilhantes. —
Não, ele não sabe. — Antes que pudesse dizer mais alguma coisa,
Carl tomou-lhe a mão nas suas e começou a bater nela de maneira
condescendente.
— Você acha que isso é uma boa idéia? — Ele não a deixou responder
e acrescentou: — Sei que todos nós ficamos um pouco desanimados
de vez em quando, mas fugir nunca resolveu nada.
Confusa, Julie olhou para o rosto sério de Carl.
— Fugir? Eu não estava... — Ele saberia sobre sua saída de casa?
Como poderia saber?
— O que você tem de fazer é conversar com seus pais. Eles
investiram muito em você e não é justo que jogue tudo fora.
— Carl, eu...
— Olhe, seu irmão me explicou tudo a noite passada. E apesar de não
ser da minha conta, sinto-me compelido a interferir.
— Ele explicou? — Agora estava realmente confusa. Que tipo de
explicação Gabe dera ao recepcionista do motel? Então, ela
entendeu. Gabe deveria ter dito a Carl que era seu irmão, a fim de
proteger-lhe a reputação.
— Sim. Seu irmão só está tentando ajudar, se você permitir.
— Você tem razão, Carl. Fui muito dura com ele e é hora de mostrar-

lhe o quanto sou grata. Agora, se você me mostrar como dar partida
nessa máquina, irei até o restaurante da estrada para comprar um
belo café da manhã.
Carl sorriu e assentiu.
— Claro, posso mostrar-lhe. Tenho uma máquina como essa na
garagem de minha avó. Embora não seja tão bonita.
— Ótimo! — Julie entregou-lhe a chave, acomodou-se mais
confortavelmente no selim e então segurou os guidões. — Faça essa
coisa funcionar.
O recepcionista a estudou, com uma expressão de dúvida no rosto.
— Você é muito pequena. Tem certeza de que pode lidar com uma
moto grande como essa?
— É claro que sim. Dirijo todas os tipos de máquinas que meu pai tem
na Fazenda do Vale Perdido, a começar pela enfardadeira de feno.
Ela tentou impulsionar a moto, colocando o pé no chão, como vira
Gabe fazer e achara ser fácil, mas agora via que a máquina era mais
pesada do que imaginava.
— Muito bem. O que faço primeiro?
Como Carl não respondeu, ela o fitou. Os olhos do rapaz, arregalados,
fixaram-se por cima dos ombros de Mie.
Antes que ela pudesse virar-se para ver o que estava acontecendo,
sentiu-se agarrada pela cintura e depois tirada do selim por duas
mãos muito grandes.
Gabe ficou do lado de fora do provador de roupas na pequena loja de
artigos gerais, lutando para conter a raiva que sentira ao ver Julie
montada na moto. Não era uma tarefa fácil ouvir os murmúrios que
ela emitia enquanto se despia atrás da cortina do provador, uma vez
que aquilo provocava imagens sensuais em sua mente.
— Acho que você foi muito indelicado, para não dizer rude. Tudo que
eu queria era comprar um café da manhã para você. Enganei-me
pensando que isso ajudaria a adocicar seu desagradável humor.
— Não há nada de errado com meu humor.
Gabe resmungou por cima dos ombros. Na verdade, queria apenas
livrar-se da mulher irascível, presunçosa, e terrivelmente sexy.
Antes de irem para a loja, Julie tentara, mais uma vez, remover o
anel. E novamente não tivera sucesso. O dedo ainda estava vermelho
e inchado. Por esse motivo, os dois permaneceriam juntos por
enquanto.
— O que você acha?
Gabe virou-se para Julie do lado de fora da cortina do provador. Novos
sapatos calçavam seus pés. Jeans surrado e justo, modelava as
pernas estonteantemente bonitas. Um suéter cor de pêssego, cobrialhe sensualmente a parte superior do corpo, fazendo qualquer
homem especular sobre o que havia por baixo da lã macia.
Gabe pigarreou.
— Uh... bonito. Agora, podemos ir? Estou faminto.
Sem esperar resposta, ele pegou-lhe o braço e conduziu-a em direção
ao caixa.
— Puxa vida, Ransom, você realmente sabe como elevar o ego de
uma garota.

Ele ignorou o comentário, pegou alguns pacotes de salgadinhos e
biscoitos e pagou por tudo, depois a conduziu porta afora.
— Meu vestido! Gabe suspirou.
— Vou buscá-lo. Ponha o capacete.
— Está no provador — gritou ela, mas Gabe já tinha desaparecido.
Enquanto ele recuperava o vestido, Julie colocou o capacete e então
pegou seu minigravador para gravar o custo das roupas novas.
Guardando o aparelho eletrônico dentro da bolsa novamente, pensou
na raiva indevida de Gabe. O homem era muito mal-humorado.
Mas, quando recordou-se do calor que vira no olhar dele no momento
em que estudara seu novo jeans e suéter, o corpo reagiu com desejo,
fazendo-a imaginar como seria beijar aqueles lábios carnudos.
— Vamos embora — murmurou ele, enfiando a sacola do vestido em
um dos alforjes. Julie teve um sobressalto, então baixou os olhos.
Nada como ser pega no ato de sonhar acordada, pelo objeto do
sonho.
Realmente precisava encontrar um meio de deter aqueles pensamentos. Sua viagem era para encontrar uma profissão, não um
homem. Se um homem fosse seu objetivo final, teria tido a oportunidade na fazenda.
— Vamos — concordou ela.
Julie observou Gabe acomodar-se à sua frente no selim. Os músculos
das coxas grossas avolumaram-se e depois relaxaram. Ela deu um
suspiro profundo e admitiu que nenhum homem na fazenda do pai
podia competir com aquele no qual estava prestes a passar seus
braços em volta.
Antes de dar partida na moto, Gabe checou o relógio de pulso.
— Bem, teremos tempo suficiente para chegar ao restaurante da
Hannah, comer, tentar retirar novamente o anel do seu dedo e, se
tivermos sucesso, colocá-la no ônibus das onze horas. Enquanto
estivermos esperando pela comida, você pode ligar para seu noivo e
avisá-lo que chegará com um dia de atraso.
Noivo!
Graças a Deus, ele estava de costas e não podia ver-lhe a expressão
de surpresa. Ela esquecera-se completamente de que inventara
aquela história.
E detestava mentiras. Sob circunstâncias normais, contaria a verdade
sem se importar com as conseqüências. Não aprovava mentir de
modo geral, não porque era um ser humano exemplar, mas porque
nunca se lembrava da mentira contada.
Contudo, ter passado a noite com um homem estranho num motel de
estrada no fim do mundo quase não podia ser considerado normal.
Isto era um caso de... Como os policiais da tevê chamariam? Um caso
de circunstâncias extenuantes. Ela inventara o noivo desconhecido
para proteger-se. Nada mais.
E funcionara! Gabe a respeitara totalmente, embora ela tivesse ficado
um pouquinho desapontada com tanto respeito.
— Tudo bem? — Ele virou-se no selim para fitá-la. — Você quer ligar
para o homem com quem vai se casar, para tranqüilizá-lo, não quer?
Julie pegou numa mecha de cabelos para acalmar os dedos nervosos,

forçou um sorriso e meneou a cabeça.
— Ele não sabe que estou indo. Eu... quero surpreendê-lo. Gabe
franziu o cenho, mas continuou olhando-a. De repente, o
pensamento de ter que encarar a raiva dele se lhe contasse a verdade, amedrontou-a. Então piscou repetidamente, sentindo-se tola e
desgostando da sensação.
A raiva esmaeceu-se das profundezas dos olhos de Gabe. Ele ergueu
a mão e pegou uma mecha dos cabelos. Parecia hipnotizado pela
maneira como os fios encaixavam-se em volta de seus dedos.
Retendo a mão sobre os cabelos sedosos, encarou-a com profundidade.
— Bonita.
A palavra, pronunciada com tanta suavidade, soou como se tivesse
sido carregada pela brisa. Ninguém nunca a chamara assim antes. Na
fazenda, era chamada de Cenoura, ou de Ruiva pelos rapazes, e
dependendo da situação, de outros nomes não mencionáveis...
Porém, nunca de bonita.
Julie fixou os olhos na boca de Gabe. E viu lábios que convidavam-na
a fazer o que vinha pensando desde a primeira vez que o vira.
Tentar uma garota daquele jeito não era... justo. O homem não tinha o
direito de ter uma boca que pedia para ser beijada.
Ela lutou contra a vontade de tocar a boca na dele. Naquele
momento, ele puxou a mecha de cabelos que tinha em mãos, fazendo-a inclinar-se levemente em sua direção. A respiração de Gabe
era quente e ela reprimiu um gemido. Para ajudar, o hálito de menta
era maravilhoso e, unido à colônia suave, a deixavam cair no infinito.
Inundada por novas emoções, Julie fechou os olhos e preparou-se
para o inevitável.
O som do motor da motocicleta a tirou do inebriante estupor. Ela
quase não teve tempo de agarrar a cintura de Gabe antes que ele
saísse do estacionamento da loja, em alta velocidade.
O restaurante da Hannah era em formato de um grande ônibus de
alumínio, sem rodas, o que lembrou a Gabe de filmes dos anos
cinqüenta. A conversa dos clientes, vasos e panelas pendurados por
todo canto e o som de uma triste canção country, cuja letra falava
sobre um sujeito perdidamente apaixonado pelo próprio carro, proporcionavam ao local um ambiente aconchegante e amigável.
O aroma de café fresco e bacon frito fez Gabe salivar. A última vez
que comera parecia ter sido há anos.
Em silêncio, ele conduziu Julie através dos bancos de vinil cor-de-rosa
junto ao balcão do bar até a fila de cabines alinhadas do outro lado.
Escolheu uma cabine vazia, longe da porta e do barulho, que parecia
perfeita. Tão logo eles se sentaram, uma garçonete entregou-lhes o
cardápio e pegou o bloquinho de anotações. Ainda em silêncio, os
dois examinaram os menus, mas a atenção de Gabe estava voltada
para a mulher à sua frente.
Era encantadora demais para que ele pudesse ter paz mental. A
feições delicadas e os cabelos lisos e brilhantes o tentavam. Ele se
sentiu desconfortável, porque, pela primeira vez na vida, tanta beleza
tinha a capacidade de perturbá-lo.

Embora a conhecesse muito pouco, via nela uma mulher obstinada e
tenaz. Quando a imaginava em Los Angeles, sozinha, sem ninguém
para tomar conta dela até que encontrasse o noivo, tinha vontade
de... Do quê? De ir com ela? Ser seu guardião? Já não vivera o
suficiente daquela situação com sua irmã, Laurie? Na Bíblia, Caim já
dizia em resposta à pergunta de Deus: Serei eu por acaso guardião
do meu irmão? Mas Gabe não tinha a menor intenção de ser como
Caim.
Felizmente, antes que pudesse fazer ou dizer alguma coisa tola, a
garçonete voltou com duas canecas e um bule de café fumegante, e
serviu a ambos.
— O que você vai querer, querido? — perguntou a Gabe com caneta e
papel na mão.
Ele tomou um gole do café e indagou:
— O que você tem — ele inclinou-se para ler o nome no crachá preso
no avental cor-de-rosa —, Hannah?
A garçonete, que era, na verdade, a dona do estabelecimento, abriu
um sorriso largo.
—Depende do que você está procurando. —disse-lhe, piscando um
olho de modo malicioso. Gabe devolveu a piscadela, esperando que a
inocente paquera com a moça pudesse afastar de seus pensamentos
a estonteante Mie.
De repente, sentiu uma dor na canela. Fazendo uma careta, tocou a
perna machucada e olhou para Julie. Por que ela o chutara por baixo
dá mesa?
Ela sorriu por sobre o cardápio, os olhos verdes expressando
inocência.
— Desculpe-me.
A expressão sem malícia não o enganava. Naquele diapasão de
chutes e pisadas, ele teria muita sorte se pudesse andar quando
chegassem a Los Angeles.
— Ovos, bem passados com bacon. Torrada. Suco de tomate. Com um
olhar intrigado, Hannah pegou o cardápio e se dirigiu
a Julie:
— E você?
Apontando para um item no menu, Julie sorriu com doçura.
— Este prato vem acompanhado de suco?
Quando a dona do restaurante inclinou-se para ver o que estava
escrito no cardápio, seus olhos arregalaram-se.
— Posso dar uma olhada neste anel? — Ela pegou a mão de Julie e
examinou o anel mais de perto. — É uma verdadeira beleza.
— Você acha? Eu o acho feio.
Gabe deu um gemido de irritação. Ela estava louca? Exibir o anel
daquela forma era o mesmo que anunciá-lo nos classificados do jornal
local. Será que não imaginava o problema que poderiam ter? Pegoulhe a mão, mas ela a removeu para longe de seu alcance.
Hannah olhou para Gabe, depois para Julie e finalmente falou:
— Meu bem, se este "pedaço de mau caminho" me desse um anel,
ele poderia ter um letreiro em néon que eu pouco me importaria. Um
anel é sempre um anel. Todos significam a mesma coisa. Se você me

entende. — Ela piscou novamente, mas desta vez para Julie.
— Oh, mas você...
Capturando a mão de Julie na sua, Gabe a apertou com força, então
ternamente acariciou os dedos delicados com o polegar, o gesto
escondendo o anel da vista de Hannah.
— Querida, esta senhora tem trabalho a fazer. Não quer saber sobre
seu anel.
Um brilho travesso e malicioso surgiu nos olhos de Julie.
— Você quer dizer que não devo contar a ela que eu queria algo
maior?
— Maior? — Hannah arregalou os olhos mais uma vez. — Doçura, se
este não é grande o suficiente, então é melhor pendurar um
paralelepípedo no dedo.
— Ela uniu as mãos e bateu-as. — Você é muito feliz em ter um
homem, queridinha. Algumas de nós não temos esta sorte.
— Hannah está certa — disse Gabe, satisfeito que a conversa do anel
tomara outro rumo. — Tudo que tem a fazer é ser feliz por ter um
sujeito como eu.
— Oh, sou feliz. Muito feliz — murmurou Julie, sorrindo e esfregando
os dedos de Gabe fortemente. A ponta afiada do anel cortou-lhe a
carne. Quando ele tentou puxar a mão, ela sorriu-lhe e beliscou uma
de suas faces. — Ele é a melhor coisa que já me aconteceu, e eu não
tiraria este anel do dedo por nada, independentemente do quanto
seja feio.
— Agora você está pensando certo. Mas, vamos ao pedido. Qual é a
sua escolha, afinal? Quer o café da manhã dos fazendeiros?
Julie assentiu.
— Ovos mexidos, por favor.
Hannah anotou os pedidos e desapareceu atrás do balcão.
Mesmo depois da saída da garçonete, Gabe continuou segurando a
mão de Julie, com a intenção de manter o anel escondido da vista de
estranhos. Aquele suave toque era como uma carícia, a qual enviava
estranhas ondas sensuais por todo seu corpo.
A expressão rebelde nos olhos verdes desapareceu, dando lugar a
uma sensação de ondas quebrando-se na praia.
Como poderia Julie Evans fazê-lo esquecer a raiva e começar a pensar
em coisas das quais não tinha o direito, tratando-se de uma mulher
comprometida?
Um homem esperto ignoraria os sinais do próprio corpo, manteria a
raiva e afastaria outros pensamentos, antes que se embaraçasse num
torvelinho confuso do qual não pudesse sair. E sua mãe não criara
garotos tolos. Ele soltou-lhe a mão como se ela o estivesse
queimando.
— Por que você me chutou? — protestou a pulsação no baixo ventre
sobrepujando a dor na canela.
— Por que você a deixou pensar que eu seria tola o suficiente para
estar ligada a você emocionalmente.
— Já lhe ocorreu que chamar atenção para este anel não é a coisa
mais sábia a fazer? Ou esqueceu-se que há pessoas procurando por
ele?

Gabe detestou-se por fazer renascer o medo naqueles olhos, mas
talvez aquilo lhe fizesse bem quando chegasse a Los Angeles.
Talvez assim, não teria que imaginar se ela estaria bem lá. Tentou
mais uma vez afastar o pensamento, lembrando-se que ela não era
responsabilidade sua. "Serei eu por acaso guardião do meu irmão?",
ocorreu-lhe novamente. Afinal, qualquer coisa que acontecesse ao
anel, ele poderia dar adeus à transportadora de valores.
Julie o olhou com rebeldia.
Proteção. Ela conhecia aquele olhar. Ele estava sendo protetor como
seu pai. Uma coisa que ela abominava era aquela proteção não
solicitada. Seu pai dera-lhe proteção suficiente para uma vida inteira
e a última coisa de que precisava era que um motoqueiro assumisse
esse papel.
— Posso tomar conta de mim mesma. Obrigada.
— Oh, claro. Suponho que estava cuidando de si mesma quando
perdeu o ônibus e quando entrou naquele ninho de motoqueiros. Você
pode tomar conta de si mesma tanto quanto um gatinho recémnascido.
Ela tinha de admitir que ele estava certo. Afinal de contas, dada as
últimas situações e seu comportamento desde então, não podia
esperar que ele tivesse fé em suas habilidades de auto proteção. Mas
não permitiria que ele fosse tão protetor. Precisava aprender com os
próprios erros a sair dos problemas que criava.
— Assim que eu conseguir tirar o anel do meu dedo, eu apreciaria se
você me deixasse numa parada de ônibus — disse ela, pondo açúcar
no café.
Ele segurou-lhe a mão.
— Moça, você não precisa me pedir duas vezes. Acredite-me. Quando
esse anel sair do seu dedo, você vai embora. — Gabe soltou-lhe a
mão.
Tais palavras a magoaram. Por alguma estranha razão, a idéia dos
dois se separarem não a atraía mais como antes. A falta de comida
deveria estar mexendo com sua cabeça. É claro que queria estar
separada daquele mal-humorado. Quanto mais cedo, melhor.
Momentos depois, Hannah serviu-lhes o café da manhã.
Depois que comeram, Gabe foi até o toalete. Seguindo com os olhos o
meneio dos quadris masculinos dentro do jeans apertado, ela tomou
consciência do calor que emanava de seu corpo, junto com a
lembrança das coxas rígidas pressionadas intimamente contra as
suas sobre a moto no estacionamento. Tantas contradições numa só
pessoa.
A chegada de Hannah com a nota da conta tirou Julie do devaneio
sensual.
— Você tem um tesouro, meu bem.
Lembrando-se do aviso de Gabe sobre não mostrar o anel, ela colocou
as mãos no colo.
— Tesouro?
— Ele. Esqueça o tamanho das pedras do anel e concentre-se no
homem. Ele realmente importa-se com você.
— Ele se importa? — Julie olhou para a porta onde Gabe de-

saparecera. Estariam elas falando do mesmo homem? — Você quer
dizer Gabe?
Hannah assentiu.
— Se esse é o nome dele, sim. Ele pediu-me para observá-la até que
voltasse. — Ela deixou cair a nota da despesa sobre a mesa. —
Aquele homem é louco por você, garota. Não se preocupe com essas
bobagens sobre tamanho de anel. — Ela se foi com ar de grande
conhecedora de relações entre casais.
Julie olhou para dois homens em trajes formais sentados logo a sua
frente. Eles a cumprimentaram e pegaram os cardápios.
Distraída, retribuiu o cumprimento, então olhou para a mão ainda no
colo. O anel brilhava. Ela emitiu um som indigno de uma moça de
respeito.
Imagine se ele se importa comigo! Tudo que Gabe Ransom se importa
é com este anel. E não se intimidara em pedir a Hannah que a
vigiasse, temendo que ela fugisse com seu tesouro. Não via a hora de
se livrar dela.
Julie tentou remover o anel, mas não teve sorte. Por que o inchaço
não diminuíra durante a noite?
Se conseguisse removê-lo, o que aconteceria? Gabe a dispensaria de
sua vida imediatamente. O pensamento, em vez de alegrá-la, deixoua triste e os olhos umedeceram. Por Deus, estaria começando a
gostar dele? Impossível.
Lembrando-se que embarcara naquela viagem para começar uma
vida nova e não para estar na garupa com um substituto do pai,
pegou a nota e examinou o valor. Tirando o mini gravador da bolsa,
gravou o preço do café da manhã junto com o nome do restaurante.
Vendo Gabe se aproximar, rapidamente colocou o gravador na
cadeira a seu lado.
— Estive pensando uma coisa — murmurou ele. — Uma vez que
Hannah sabe tanto — ele apontou para o anel —, acho que estamos
nos arriscando em viajar por estradas abertas. Se ela mencionar o
anel a alguém, teremos problemas. Além do mais, queremos
esquecer nosso amigo do bar, certo?
Julie olhou para os homens sentados na outra mesa. Poderiam ser os
sujeitos atrás do anel? Ela piscou para dispersar a idéia. Gabe estava
deixando-a paranóica. Não podia desconfiar de qualquer pessoa que
visse. A idéia de Gabe para um desvio fazia sentido.
— Para onde iremos?
— Depois que sairmos daqui, há um atalho logo à frente na estrada,
que leva, pelas montanhas, a uma cidadezinha chamada Homestead.
Durante a viagem, você deve tomar conta do anel e depois podemos
ambos viajar para Los Angeles. Uma ligação telefônica e receberei
meu dinheiro pela entrega da mercadoria ilesa.
Ele levantou-se.
De repente, Julie queria aquilo contra o qual estava lutando... a
proteção dele.
— Gabriel Ransom, aonde você vai? Não me deixe sozinha.
— Vou pagar a nossa conta.
Gabe pagou a conta no caixa e voltou com o ar preocupado.

—Vamos.—Ele pegou-a rapidamente pelo cotovelo e puxou-a da
cabine.
— Mas...
— Pelo amor de Deus, não discuta. Venha.
Tropeçando atrás dele, Julie quase não conseguiu acompanhar os
passos largos.
Em vez de ir para a porta da frente, ele foi para a saída oposta. Ela
olhou por cima dos ombros. De pé no meio do corredor, o motoqueiro
grandalhão do "Ninho dos Lobos" escrutinava os clientes com olhar de
poucos amigos.
Quando eles atravessaram a pequena sala, praticamente correndo,
ela colidiu, sem querer, com um dos dois homens que observara
enquanto Gabe estava no toalete.
— Desculpe-me — sussurrou. Ele voltou-se para o outro homem e
disse alguma coisa. Ambos a fitaram. Enquanto Gabe a empurrava
para fora do restaurante, ela enviou-lhes um olhar de súplica,
esperando que percebessem que a grosseria de Gabe não fora
intencional. Mais uma pessoa irada querendo desforra era a última
coisa que eles precisavam.
Antes que Julie se desse conta, Gabe pôs o capacete na cabeça dela,
colocou-a na garupa da moto e, no instante seguinte, a máquina
disparou em velocidade. Ela ouviu alguém a chamando.
Atrás deles, Hannah estava no meio do estacionamento, acenando.
Ao lado da dona do restaurante, estavam o motoqueiro brutamontes
e o homem que Julie colidira na sala de jantar.
Olhando de soslaio, ela pôde reconhecer na mão de Hannah algo
pequeno, quadrado e preto.
Seu mini gravador.
Julie olhou para Gabe, onde ele estava esticado na grama com os
olhos cerrados, a alguns metros de onde estacionara a motocicleta.
— Por que não podemos voltar?
Ele não se deu ao trabalho de responder.
— Gabe. Você está me ouvindo? Ele virou a cabeça para olhá-la.
—Na altura que você está falando, como eu poderia não ouvi-la?
—- Preciso daquele gravador. Você tem de voltar. Apoiando-se sobre
um cotovelo, Gabe disse:
— Não tenho de fazer nada que não queira fazer. E além do fato de
não ter tempo para voltar, não quero voltar. Fui claro? O que há de
tão importante num pequeno gravador? — Voltou a deitar-se de
costas.
Ela até concordava, mas o que faria quanto ao dinheiro que já lhe
devia? De que forma calcularia o total das despesas? A solução era
fazer um cálculo de cabeça e guardar tudo em um novo gravador.
— Preciso dele para praticar.
— Praticar o quê?
Julie o olhou de soslaio. Pelo menos, ele não estava rindo... ainda.
— Vou a Los Angeles para um teste de cinema e planejei usar o
gravador para praticar minhas falas na viagem de ônibus. — Esperou
que ele caísse na gargalhada. Porém, ele não teve nenhuma reação.
— Bem, você não vai rir?

Gabe sentou-se e a olhou com seriedade.
— Por quê? Com sua aparência, você não terá nenhum problema. Isto
é, se souber atuar.
— Oh, eu sei atuar. — Ela não se importou em contar-lhe que o total
de sua carreira artística consistia em duas peças no colegial e uma
pequena parte no musical Oklahoma no teatro de Bunyon Falls, no
último verão. Uma pequena aventura que deixara o pai contrariado.
Encorajada com as palavras de Gabe, Julie sentou-se a seu lado na
grama.
— Você realmente acha que tenho chances?
Ele a examinou demoradamente. Julie corou. Bom Deus, não se
recordava de enrubescer desde o colegial. Crescendo numa fazenda
de criação de gado com um punhado de vaqueiros rudes, não havia
razão para corar... Normalmente.
— Eu pagaria para assisti-la. — As palavras a emocionaram. — Por
que atuar? Por que não desfilar como modelo, ou lecionar, ou páraquedismo? — Gabe continuava olhando-a.
— Minha mãe queria ser uma atriz.
— E não foi? — Ele deitou-se novamente e os lábios pareciam rogarlhe que o beijasse. Julie afastou o olhar. — Ela chegou a ser atriz?
— Não sei. Ela partiu quando eu era um bebê. Papai criou-me.
— Deve ter sido duro para vocês dois. — Gabe pensou no quanto fora
difícil para ele e Laurie acostumarem-se a viver sem os pais depois
que tinham morrido num acidente de carro.
—Não realmente. Não tivemos preocupações financeiras. Paul, meu
pai... já tinha um tremendo sucesso com a fazenda que herdou do
meu avô. Tive tudo que uma garota pode querer...
— Exceto?
— Exceto esse vínculo especial que uma menina tem com a mãe.
— Ela deitou-se ao lado dele. Gabe podia sentir o calor que emanava
do corpo sensual.
— Você sabe a intimidade com que mãe e filhas conversam. — Ela fez
uma pausa. — Eu me lembro quando minhas amigas falavam das
vesperais dançantes do colégio. Comentavam como as mães
levavam-nas às lojas para escolher e comprar os vestidos de festa. —
Um tom triste dominou-lhe a voz.
— Uma vez, quando pedi a meu pai para me levar às compras, ele riu
e disse que eu deveria chocar todas minhas amigas e usar jeans. —
Ela olhou para o vale abaixo. — Nunca mais pedi, e quando John
Hanks convidou-me para acompanhá-lo no baile, eu lhe disse que já
tinha planos para aquela noite que não poderiam ser mudados. Na
noite do baile, fui ao cinema e permaneci lá durante o tempo que
durou a festa. — Ela suspirou e sorriu para Gabe.
— Paul me ama, mas não é um bom ouvinte. Ele tenta ser, mas nunca
mostrou muito interesse no que eu tinha a dizer, a menos que eu
falasse em preços do gado.
Gabe entendia as dificuldades do pai dela em conversar com uma
garota. Mas também compreendia os problemas de Julie.
Laurie também sentira falta do companheirismo de uma mãe.
E ele tinha de admitir que, algumas vezes, cansava-se de ouvir a irmã

falar repetidas vezes sobre rapazes e roupas, mas esforçava-se oara
estar atento, de alguma maneira.
— Às vezes, ele ouvia. Outras, apenas não sabia o que dizer... — ela
olhou para Gabe de maneira inquisitiva.
—Laurie, minha irmã, falava comigo sobre bobagens de roupas e
namorados e coisas que eu não entendia nada. Deus sabe, como
tentei demonstrar interesse e dar-lhe conselhos, mas há muito pouco
que um homem pode dizer a respeito desse tipo de coisa. Uma vez,
até comprei um exemplar da revista Seventeen, a fim de tentar
ajudar, mas não ajudou. Senti-me perdido depois das primeiras
páginas.
Julie centrou toda a atenção nele, absorvendo as palavras.
— Nunca pensei nisso dessa maneira. Acho que deve ser difícil parar
de pensar como homem e pensar como mulher. — Ela riu.
— E quanto ao seu noivo? — perguntou ele, de modo abrupto.
— Quem?
— Seu noivo. O que ele acha sobre esta profissão de cinema? Julie
olhou para os galhos de uma imensa árvore enquanto um
tordo cantava.
— Ele é muito incentivador. Até mesmo foi na frente para obter um
emprego e algum lugar para morarmos — acrescentou rapidamente.
Em que espécie de sujeito Julie depositara suas esperanças?
Gabe tinha a impressão de que algo sobre aquele indivíduo não
estava muito certo.
— O que ele faz?
Talvez se sentisse melhor sobre o noivado de Julie se soubesse que a
ambição do rapaz tivesse substância e um futuro.
— Ele é... arquiteto. Você sabe, desenha pontes e edifícios. Gabe não
se sentiu melhor sobre o noivo fantasma. Talvez fosse
apenas a parte do noivado que o preocupasse. De qualquer maneira,
isso não era de sua conta.
— E quanto a você, Gabe? Tem mais alguém na família, além de
Laurie?
— Apenas minha irmã. Ela acabou de iniciar a faculdade em Boston.
— Aposto que você sente falta dela.
— Não realmente. Estou muito feliz não tendo responsabilidades, para
variar. Seria mais fácil se a diferença de idade entre nós não fosse tão
grande. Quando Laurie nasceu, eu tinha quinze anos. Então, nossos
pais morreram num acidente de carro e nos mudamos para casa de
meus tios, mas eles nunca se sentiram responsáveis por nós. Eu
automaticamente assumi o papel de pai de Laurie e eles permitiram.
— E então eu apareci.
Gabe sentou-se e olhou para ela, estudando-a. Um raio de sol batia
no rosto bonito e nos cabelos avermelhados, fazendo-a parecer um
lindo anjo.
— O que você quer dizer com isso?
— Bem, você finalmente ficou livre da responsabilidade com a irmã,
então aqui estou eu pendurada no seu pescoço como uma corda.
Segurando-lhe o queixo, ele virou-lhe o rosto paia o seu. Nossa, como
ela era bonita. E para completar toda aquela beleza, ela tinha um

espírito ágil, uma natureza independente, e uma determinação
teimosa.
Era uma corda atada a seu pescoço, como ela mesma colocara, então
por que o pensamento de deixá-la para trás de repente o fazia sentirse vazio? E por que se sentia tão perdido diante daqueles olhos?
— Há cordas e cordas — murmurou ele sem saber ao certo porque
dissera aquilo.
Na verdade, naquele exato momento, outros pensamentos ocupavam
sua mente, como provar a doce boca a seu lado e devorá-la com
beijos ávidos, beijos que ambos ansiavam.
Julie não disse nada, apenas olhou para a boca sensual dele por um
longo momento. Então, bem devagar, ergueu um dedo e delineou o
lábio inferior de Gabe.
— Você tem os lábios mais sexy que já vi —- sussurrou ela. Correntes
elétricas de alta tensão percorreram o sangue de
Gabe. A boca carnuda de Julie atraía-o como o canto de uma sereia.
Mas, ele se conteve, de maneira racional. Não deveria aceitar o que
os lindos olhos ofereciam.
Mas, que mal um beijo poderia fazer?
Embora dissesse a si mesmo que lamentaria sua atitude, seus lábios
baixaram-se para encontrar a ávida e maravilhosa boca.
Capítulo III
Julie entregou-se naquele beijo maravilhoso. Era como se estivesse
esperando havia séculos por aquele momento. Os lábios de Gabe
eram tão suaves e gentis como ela sabia que seriam.
Aquele não era como qualquer um dos beijos que recebera dos
namorados em Bunyon Falls. Os deles tinham sido tão... Impessoais,
tão imaturos. O toque da boca de Gabe era sedutor, experiente...
Bem, ela não podia explicar.
Moldando sua boca na dele, ergueu um pouco o corpo para senti-lo
mais de perto. Seguindo o comando, Gabe a puxou para seus braços,
e depois voltou a deitá-la na grama, pressionando o corpo sobre o
dela. Julie tremeu de excitação.
A despeito do tamanho e da força, Gabe a segurou com infinita
ternura. Sua preocupação por ela era evidente no modo carinhoso
que a beijava e a tocava. Julie exultava ao pensar que Gabe se
importava com ela. Realmente importava-se. Ele tinha de se importar... Porque ela importava-se muitíssimo.
De repente, Gabe a afastou, separando-se. Um arrepio de frio
percorreu todo o corpo dela. O abrupto abandono deixou Julie
sofrendo e esperando. Atônita, ela o encarou.
O que viu levou lágrimas a seus olhos. Gabe olhava-a como se ela
tivesse acabado de roubar as jóias da coroa. Obviamente, lamentava
o beijo compartilhado.
Passando os dedos através dos cabelos, ele murmurou:
— É melhor irmos embora. Vai escurecer antes que cheguemos a
Homestead.
Sem olhar para trás, ele caminhou na direção da moto e montou-a,

com uma expressão no rosto que indicava que ela deveria segui-lo.
Muito devagar, Julie levantou-se. A dor irradiando-se através de todo
o corpo e os resquícios do beijo trocado enfraqueceram sua
resistência. Ela cambaleou. Antes que pudesse recuperar o equilíbrio,
as pernas dobraram-se levemente. Uma amarga tristeza invadiu-lhe a
alma. Como se sentaria na garupa da moto com os braços
envolvendo a cintura dele, tendo de fingir que aquilo nunca
acontecera?
— Gabe?
Ainda olhando à frente, ele meneou a cabeça.
— Deixe as coisas como estão, Julie. Isso não deveria ter acontecido e
não acontecerá novamente. Fim da história.
Julie sentiu uma dor aguda no peito. A única vez na vida que encarara
a rejeição tinha sido quando a mãe partira, mas era jovem demais
para lembrar-se disso. Agora, pela primeira vez, conseguia imaginar
como Paul sentira-se durante todos aqueles anos. E sabia que a dor
da rejeição de Gabe permaneceria com ela por longo tempo.
— Você vem?
Ele ainda não a olhava.
— Sim.
Ela caminhou até a moto em silêncio. Colocou o capacete e sentou-se
atrás dele, tentando não tocá-lo.
Quando o motor funcionou, não teve outra escolha senão passar os
braços em volta da cintura dele. Imediatamente, em contato com o
corpo másculo, sentiu-se arder por dentro. Enterrou o rosto nas costas
largas, não para abrigá-lo do vento, mas para tentar conter a torrente
de lágrimas.
A moto inclinou-se e Julie inclinou-se com Gabe. Os seios deslizaram
sobre as costas poderosas. O calor das coxas esguias aninhava-se
contra as dele.
Apesar do fato de ela não o abraçar pela cintura com a mesma força
das viagens anteriores, apenas a pressão das palmas quentes contra
seu abdome, trazia de volta a lembrança do beijo compartilhado.
Gabe não a culpava. O modo como Julie tentava manter um espaço
entre os corpos de ambos evidenciava que preferia não ter de lidar
com a intimidade que a viagem forçava. Contudo, seu próprio corpo
traiçoeiro o fez sentir-se como um adolescente no primeiro namoro.
Sob circunstâncias diferentes, ele poderia... Não! Precisava parar de
pensar daquela maneira. Não havia solução para o caso. Julie
pertencia a outro homem e Gabe tinha um trabalho a fazer. Ponto
final.
Além do mais, havia muito tempo não experimentava o gosto de
liberdade. Iria render-se apenas porque a libido atingira um auge
perigoso?
Havia outras mulheres.
Mas nenhuma como Julie.
Ele ignorou a voz incômoda e persistente dentro da cabeça.
Depois que chegassem a Los Angeles, poderia preocupar-se com suas
necessidades físicas. Agora, precisava concentrar-se em tirar o anel
do dedo de Julie, pondo-a em segurança num ônibus em direção ao

noivo e depois levar o anel para o museu. Se tudo saísse de acordo
com seus planos, estaria em casa dentro de algumas horas. E livre!
Como se os anjos não quisessem dizer "amém" a seus planos, a moto
fez um barulho estranho, e logo depois o motor parou
completamente.
Guiando a Harley para o acostamento, ele praguejou baixinho.
Julie desceu da moto sem ser solicitada.
— Parece que é problema de combustível.
Gabe lhe lançou um olhar impaciente e mal-humorado.
— Como você sabe disso?
Ela tirou o capacete e penteou os cabelos embaraçados com os
dedos. Então deu de ombros.
— Eu costumava ajudar meu pai com as máquinas da fazenda quando
era garota. Treinei os ouvidos para perceber a mudança no som do
motor.
Ele pararia de subestimá-la algum dia? Gabe afastou o olhar,
enquanto visualizava uma garotinha suja de graxa, examinando o
motor de um trator.
Meneando a cabeça para afastar as imagens, abriu o alforje, removeu
algumas ferramentas e depois começou a trabalhar. De soslaio, pôde
ver Julie pegar uma pedra ao lado da estrada e sentar-se sobre ela.
Algum tempo depois, ele voltou-se para Julie:
— Você acertou na mosca. É o cano do combustível. Rachado ao
meio, como se tivesse sido cortado por uma serra. Precisamos de um
novo. Terei de empurrar a moto para algum lugar, para consertá-la.
— Você não tem um cano substituto?
A pergunta era inocente, mas Gabe já estava bastante nervoso, e não
precisava desse tipo de sugestão. Portanto, replicou de modo rude:
— Exatamente, onde você sugere que eu o guarde?
— Eu estava brincando. — comentou sorrindo. — Oh, convenhamos,
Ransom. Relaxe. De que adianta ficar tão nervoso? A moto vai
continuar não pegando, e estaremos encalhados aqui neste fim de
mundo.
— Ela apontou para as árvores em volta, arbustos e pedras com um
aceno da mão. — Na verdade, o lugar aqui é muito bonito.
Gabe praguejou, irritado.
— Eu gostaria de nunca ter aceitado este trabalho.
Ele atirou uma chave inglesa de volta à pilha de ferramentas soltas a
seus pés e depois olhou para o céu sem nuvens.
— Se desejos fossem cavalos, os mendigos viajariam.
— Julie recitou o verso de uma canção gospel.
Ele voltou-se na direção dela com vontade de rir.
— Assim viajaríamos nós.
De súbito, a ironia da situação atingiu Gabe com força total. Ele
começou a rir de modo descontrolado. O destino lhe pregara uma
peça. Pura e simplesmente. Ali estava ele, fazendo tudo que podia
para livrar-se de Julie, e, todas as vezes que davam um passo à
frente, o destino dava um passo para atrapalhar as coisas. Era quase
como se alguém ou alguma força os quisesse juntos.
Agachando-se ao lado dela, passou um braço em volta dos ombros

delicados.
— Normalmente, carrego peças sobressalentes, mas, nesta viagem
em particular, não fiz isso, porque eu queria manter a carga leve, de
tal maneira que pudesse viajar mais rápido. — Ele notou o sorriso
dela desaparecer.
— Ei! O que houve?
Julie mirou os picos das montanhas que se perfilavam na linha do
horizonte.
— Se não fosse por mim, você estaria a quilômetros de distância
daqui.
Ele se sentiu culpado, e arrependeu-se das últimas palavras que
dissera. Então, abraçou-a mais forte, esperando fazê-la sorrir de novo.
— Ei, não foi você que me disse que tínhamos que rir disso tudo? Que
ficar aqui cercado pela natureza era uma maravilha?
O calor do corpo dela começou a infiltrar-se através da manga de sua
camisa, e as emoções que experimentara antes de tê-la beijado
voltaram, em dose dupla.
Ele retirou o braço.
—Talvez eu estivesse mais longe. —admitiu. —Porém, mesmo que
você não estivesse comigo, o cano da moto quebraria de qualquer
forma, e eu estaria na mesma situação. Pior, sozinho, sem ninguém
para admirar a natureza que nos cerca — debochou bem-humorado.
Julie assentiu, mas ele sabia que não a convencera. Gabe queria
abraçá-la e assegurar-lhe que ela não era culpada, somente para
remover aquele olhar desconsolado do rosto bonito. Mas não o fez. Se
fizesse isso, iria querer mais, muito mais... E "mais" não era uma
opção para ambos.
Todavia, Julie fora tão compreensiva sobre tudo o que acontecera,
nunca se queixando, nem mesmo quando ele a obrigara dormir em
seu quarto. E no chão.
Contra seu melhor julgamento, Gabe inclinou-se e beijou-a no rosto.
— Vamos lá, sita. "Futura Estrela", mostre-me aquele seu sorriso
cinematográfico. Aquele que você está guardando para a Festa dos
Prêmios da Academia quando agradecer o Oscar.—Ela forçou um fraco
sorriso. — Assim é melhor. Temos uma longa caminhada pela frente.
Três horas mais tarde, quando o sol se pôs atrás das montanhas,
Gabe deitou a moto numa clareira gramada.
— Teremos de passar a noite aqui.
Sem protestar, Julie desatou o saco de dormir de trás da moto, e
estendeu-o sobre o chão. Prometera a si mesma causar o mínimo de
problemas possíveis para Gabe dali em diante, dormiria numa cama
de pregos se ele mandasse.
Ela não estava certa do quanto haviam andado, mas devia ter sido
pelo menos metade da circunferência da terra. Seus pés doíam e a
cabeça latejava, para não mencionar as costas que pareciam ter
rachado ao meio.
Olhou para Gabe e sua aparência não era muito diferente. Pobre
homem, devia estar duplamente dolorido. Afinal de contas, ela
apenas caminhara a seu lado, enquanto ele tivera de empurrar a
pesada máquina colina acima.

— Sente-se um pouco e descanse — convidou-o, afofando o saco de
dormir.
Ele olhou para o saco de dormir, então meneou a cabeça.
— Preciso pegar alguma lenha enquanto há ainda luz para enxergar.
Lutando para ficar de pé, Julie falou:
— Ajudarei você.
Ele gentilmente impediu-a de erguer-se, fazendo pressão sobre os
ombros dela.
— Não. Fique aqui e descanse. Não vou demorar.
Sentindo lástima, ela observou-o desaparecer entre as árvores.
Ou Gabe queria privacidade para... Comunicar-se com a natureza, ou
queria livrar-se dela. Seu coração apertou-se. Provavelmente a última
hipótese. Sem pensar, torceu o anel no dedo. Ele deslizou para frente
e quase passou pelo nó do dedo. Bastava uni esforço a mais e ele
sairia. Rapidamente, ela puxou-o para trás e olhou para a mão, como
se o anel a tivesse traído.
Julie abriu os olhos vagarosamente. A lua havia se movido para o
outro lado da grande árvore sob a qual ela estendera o saco de
dormir. O que a concordara? Levou algum segundos para sua mente
registrar a resposta. Gabe
Quando os dois tinham se enfiado dentro do duplo saco de dormir, ela
soube que não teriam espaço suficiente para uma boa noite de sono.
Talvez um homem grande e uma pequena criança dormissem com
conforto, mas o mesmo não aconteceria para dois adultos... a menos
que fosse em termos muito íntimos, no que ela e Gabe
definitivamente não se enquadravam. Alguns centímetros separavamna do corpo másculo, razão pela qual ela espremeu-se o mais que
pôde para seu lado.
Agora, nem aqueles míseros centímetros existiam entre os dois.
Em algum momento durante a noite, provavelmente porque o jeans e
suéter que usava não tinham sido suficientes para mantê-la aquecida,
enroscou-se nas costas de Gabe. Agora, antes que ele acordasse e a
encontrasse nesta posição, precisava calcular como se desvencilhar.
Uma rejeição por dia era tudo que seu ego sensível podia suportar.
Muito cuidadosamente, tentou tirar a mão do quadril estreito. Antes
que pudesse tirá-la, Gabe segurou-a. Ficou quieta, esperando que ele
falasse. Como ele nada disse, Julie concluiu que ele fizera aquilo
dormindo.
Inalando o aroma atordoante do corpo masculino, seus sentidos
começaram a rodopiar. Tentou prender a respiração. Isso jamais
funcionaria. Quase sufocada, expeliu o ar dos pulmões. Gabe mexeuse, puxou-lhe a mão para frente dele e, fazendo isso, uniu-a
solidamente contra toda extensão das suas costas.
O rosto de Julie tocou a macia flanela da camisa dele.
De repente, não era somente o tecido, era a incorporação de uma
experiência torturante e sensual de autocontrole. Ela inspirou
fortemente. A cabeça rodou.
Esforçou-se para não acordá-lo. Com o sangue pulsando nas orelhas e
seus sentidos em estado de alerta, jamais dormiria. Resignada a
passar o resto da noite acordada, suspirou e começou a contar as

estrelas.
Gabe sentiu o suspiro que ela deu. Felizmente, isso significava que
Julie dormira, por fim. Com toda aquela proximidade, sua libido subira
vários graus e atingira a zona perigosa. Contrariamente, quando Julie
tentara afastar-se, ele descobrira que gostava de senti-la
aconchegada a seu corpo. Deus que o ajudasse, mas o contato era
suave, e maravilhoso de diversas maneiras.
Ele não tinha idéia por quanto tempo permaneceram deitados ali,
quando percebeu que Julie deslizou o corpo esguio em suas costas e
encaixou-se nele com perfeição. E quando ela quis desvencilhar-se,
fora mais fácil para ele conter a mão do que deixá-la ir. Gabe não
podia se recordar de alguma vez na vida que se sentira mais
desconfortável fisicamente, mais consciente de outro ser humano, do
que agora. Porém, ao mesmo tempo, não podia lembrar- . se de
sentir-se mais feliz, mais em paz, ou com um desejo tão latente.
De súbito, o sono chegou e ele não pôde lutar contra isso. Cobrindo a
delicada mão com a sua, fechou os olhos.
O som de um motor alto acordou Julie. Por um momento, imaginou
que Gabe estava partindo sem ela. Mas isso não podia ser. O dorso
másculo ainda estava encaixado no seu corpo, aquecendo-a contra o
friozinho da manhã. Quem...
— Droga! — exclamou Gabe. Apoiando-se em um dos cotovelos, ela
vislumbrou o motoqueiro estacionado a alguns metros deles. A barba parecia um pouco mais
crescida, e as roupas mais sujas e amassadas, mas as olheiras sob os
olhos o tornaram reconhecível.
O motoqueiro desligou o motor e olhou para eles.
—Bem, não acredito no que vejo. A jovem madame e seu herói!
Julie começou a levantar-se, mas Gabe a impediu.
— Fique aqui.
— Mas, eu...
— Aqui. — A ordem enfática em voz baixa não admitia argumentos.
Depois que Gabe levantou-se, Julie enrolou o saco de dormir e
esperou. Sem tirar o olhar do brutamontes, observou a aproximação
cuidadosa de seu herói junto ao homem.
— O que podemos fazer por você? — O tom de voz quase amigável
de Gabe chocou Julie. Obviamente, o motoqueiro barbudo não parará
ali para uma reunião social.
— Suponho que você me deve algo pelo constrangimento que me
causou ontem. Não gosto de parecer parvo perante meus amigos.
Julie deixou cair o saco de dormir no chão. Antes que Gabe pudesse
impedi-la, ela passou por ele e parou diante do motoqueiro.
— E de quem foi a culpa? Se você não tivesse sido grosseiro, nada
teria acontecido. Você não pode culpar ninguém, exceto a si mesmo.
Afinal de contas, convidar uma mulher totalmente estranha para
montar na sua moto para fazer só Deus sabe o que...
Gabe colocou a mão sobre a boca de Julie, praguejou baixo e então,
empurrou-a para trás de si.
— Ignore-a. Ela não acordou bem esta manhã. O motoqueiro olhou
fixamente para Gabe.

— Ela é sua esposa?
Gabe pensou por um momento e assentiu.
— Sim, é minha esposa.
Atrás de si, sentiu Julie empertigar-se. O motoqueiro observou o saco
de dormir que estava no chão, atrás de Gabe.
— Vocês não conseguiram encontrar um quarto de motel? — O rosto
barbudo do homem abriu-se num sorriso.
— A moto quebrou na noite passada e...
O motoqueiro olhou em direção a máquina meio escondida atrás de
um grande arbusto. Havia ferramentas espalhadas pelo chão. O
homem coberto de couro fez um duplo comentário:
— Puxa vida! É uma Harley antiga. Onde você encontrou uma beleza
como essa?
— Era do meu pai — explicou Gabe, virando-se para lançar a Julie um
olhar de reprimenda que a avisava para ficar afastada. — Ele a deixou
para mim quando morreu. — Gabe aproximou-se do motoqueiro.
—Eu venderia tudo que tenho por uma dessas.—O motoqueiro voltouse para Gabe e estendeu-lhe a mão.—Mike Freeman. Peço desculpas a
você e à moça por ter-lhes causado um problema. Fico louco de vez
em quando. Minha velha mãe diz que, às vezes, exagero na bebida.
Gabe apertou a mão estendida, agradecendo-o por tê-los salvado do
que poderia ter sido um desastre.
— Gabe Ransom. — Ele voltou-se para Julie. — Esta é Julie, minha
mulher.
— De perto, Gabe notou que as olheiras escuras do sujeito eram olhos
machucados. — Você não tinha esses olhos roxos quando o deixamos
ontem.
— Os rapazes e eu entramos numa briga depois que vocês saíram.
Agora, tenho de ir para casa e explicar tudo à minha mãe. — Mike
tocou os olhos.
— Posso lhes garantir que ela não vai gostar nada disso.
Esforçando-se para não rir, Gabe aproximou-se de Julie e sorriu-lhe.
— Por que você não o convida para o café da manhã? Pergunte-lhe se
prefere chá ou café preto — sussurrou no ouvido dela, com ar de
deboche. Depois voltou-se para o motoqueiro:—Talvez você saiba nos
dizer onde posso obter um condutor de combustível para essa moto?
O homem tirou o capacete arranhado e cocou os cabelos castanhos
amarfanhados.
— Você não vai conseguir nenhuma peça aqui por perto. O lugar mais
próximo é Walton, a cerca de setenta quilômetros daqui.
Gabe gemeu. Isso significava uma demora de dias.
— Ouça, meu tio tem uma fazenda não muito longe. Ele tem um velho
celeiro que provavelmente o deixará usar. Talvez até tenha o condutor
de combustível que você precisa, embora eu duvide. Não vejo o trator
de meu tio mover-se há três anos. Ele está ficando velho e não
trabalha mais na fazenda. Mas trata bem os motoqueiros, apesar de
nunca ter dirigido uma. Posso parar lá no meu caminho de casa e
mandá-lo com sua caminhonete. Assim, você não precisará empurrar
a motocicleta.
—Formidável! Tenho que estar em Los Angeles dentro de dois dias.

Mike olhou de Gabe para Julie, não podendo evitar notar a roupa justa
no corpo curvilíneo.
— O único problema é que ele é também um pouco antiquado. Não
aprecia mulheres que usam calças e são extrovertidas demais. — Ele
gesticulou em direção a Julie. — Se você me entende.
—- Não sou extrovertida demais, se é o que você quer insinuar.
— Ela olhou para o jeans que Gabe lhe comprara. — E o que há de
errado com minha calça?
Gabe estudou Mike. Se a expressão faminta no rosto dele fosse
alguma indicação, por certo não via nada de errado nas roupas de
Julie.
— Vocês dois vivem juntos? Tio Ezra acredita piamente no sagrado
matrimônio, também.
—- Com certeza. Estamos casados já há algum tempo. — Pelo canto
dos olhos, Gabe viu Julie abrir a boca em protesto. Antes que ela
falasse qualquer coisa, ele a puxou para si num abraço apertado,
enterrando-lhe o rosto no seu peito. — Na verdade, gostamos de dizer
que ainda estamos em lua-de-mel. Não é, meu amor?
— Claro que é, querido — respondeu por entre dentes, liberando-se
do abraço e voltando-se para Mike: — Onde é exatamente este
celeiro?
Gabe a abraçou de novo, esperando fazê-la calar-se antes que
atrapalhasse sua única chance de consertar a moto.
— Se isso significa que podemos consertar a moto, meu amor, que
diferença faz saber onde fica o celeiro?
— Mas, e o ônibus? — Ela afastou o rosto do peito largo. — A fazenda
é perto de uma parada de ônibus?
O coração de Gabe disparou. Por que ela levantara aquela questão?
Estaria ávida para livrar-se dele?
A quem estava enganando? Não queria que Julie o deixasse, e era
mais do que hora de admitir isso... para si mesmo, pelo menos.
— Ônibus? — Mike olhou de um para o outro, confuso.
— Ela quer ir na frente para arranjar um apartamento para nós, não é,
amor?
Ficando na ponta do pé, Julie deu um beijo caloroso na boca de Gabe.
— Certo querido. Um pequeno ninho somente para nós.
— Ela enfatizou as últimas palavras pisando com força no peito do pé
dele.
Gabe fez uma careta, mas conseguiu segurar a língua.
Em vez disso, deu-lhe um beijo de punição, pretendendo informá-la
que aquilo não era assunto paia brincadeira. As sensações que o
invadiram quando sentiu os lábios doces moldarem-se aos seus, fez
com que entendesse quem estava sendo repreendido. Em meio ao
desejo impetuoso e instantâneo, Gabe ouviu Mike murmurar alguma
coisa.
— O que você disse?
— Falei que eu poderia levar sua esposa até o ônibus, se isso é um
problema. Ela é mais do que bem-vinda para sentar-se na minha
garupa. — Ele bateu no selim e olhou para Julie.

Gabe sentiu o sangue ferver, somente pela idéia de ver Julie viajar em
tão íntima proximidade de Mike.
— Obrigado, mas ela ficará comigo.
O brilho dos olhos dela, rapidamente desvaneceu-se.
Julie sentou-se quieta entre Gabe e o velho senhor grisalho e calvo
dirigindo a velha caminhonete numa velocidade arriscada pelas
curvas da estrada montanhosa do Colorado.
Infeliz, não chegava nem perto de descrever como ela se sentia. Nem
mesmo o fato de estar espremida contra Gabe de ombro até a coxa
não a fazia sentir-se melhor.
Ezra Fields, o tio de Mike, chegara uma hora depois que o sobrinho
partira. Durante aquela hora, Gabe e Julie quase não tinham se
falado. E agora, praticamente sendo atirada no colo dele a cada curva
acentuada que Ezra fazia, somente aumentava a consciência do
corpo másculo e poderoso a seu lado. Perguntava-se o que a levara
sentar-se na frente da caminhonete, em vez de ir na garupa da moto
de Mike.
Não era pela necessidade de Gabe de chegar a Los Angeles com
aquele anel. Ele não se importaria com quem ela acabaria viajando ou
aonde iria.
Por que ela se surpreendia que somente um círculo de ouro e
algumas pedras mantinham ambos conectados?
Olhou para a jóia, detestando-a por mantê-la junto a um homem que
não a tolerava... Embora estivesse grata que o anel se recusara a sair
de seu dedo.
Naquele momento, Gabe virou-se para verificar se estava em ordem a
moto que ele e Ezra tinham colocado atrás da caminhonete, o que a
deixou pior. Talvez se ela tivesse um guidão e fosse pintada de verde,
ele se importaria com ela.
— Você tem outras roupas?
A voz rouca de Ezra tirou Julie de seus pensamentos.
— Desculpe-me, não entendi.
— Outra muda de roupas. Tem alguma?
— Ah... apenas um vestido.

Você se refere a aquele trapo no alforje da moto? — A
desaprovação de Gabe deixou bem claro, tanto para Julie como para
Ezra, o que ele pensava do vestido em questão.
— O vestido não tem tecido suficiente para cobrir um javali, muito
menos um corpo humano inteiro.
Julie deu a Gabe um olhar de irritação.
— Trapo, huh? — Ezra meneou a cabeça. — Não servirá. Darei a você
um dos vestidos de minha falecida esposa, Martha, para que o use
enquanto estiver aqui. — Ele fungou e deu uma olhada no jeans
apertado dela. — Não aprovo mulheres andando em volta da minha
casa usando roupas de homens. Sou muito exigente e conservador.
Sempre fui e não é agora que vou mudar.
Julie abriu a boca para protestar, mas Gabe segurou-lhe a coxa e
apertou-a.
— É muita gentileza sua, Sr. Fields.

— Chame-me de Ezra. Prefiro — murmurou o velho ranzinza, girando
o volante, a fim de evitar um buraco enorme na estrada. O corpo de
Julie caiu sobre Gabe, mas empertigou-se e evitou-lhe o olhar.
— Julie estava comentando esta manhã como este jeans é desconfortável.
— Ele bateu-lhe na coxa de novo, desta vez com mais vigor. — Não é
verdade, minha querida?
— Certamente — concordou por entre os dentes, controlando a raiva
crescente.
Divirta-se enquanto pode Gabriel Ransom. Sua vez chegará.
A fazenda de Ezra não era nada excepcional.
Gabe vira muitas fazendas similares, quando viajara ao redor do
país... Uma velha casa branca de madeira, um celeiro pintado de
vermelho desbotado, diversas dependências, cercas precisando de
reparo e galinhas cacarejando num pátio empoeirado. Negligência
imperava em cada canto. Mike estivera certo. Ezra não dava muita
atenção à fazenda havia algum tempo.
Ao lado da casa, havia uma bomba de água manual, próxima de uma
horta, a qual era margeada, de um lado, por girassóis gigantes.
— Ponham suas coisas na varanda. Depois que colocarmos a moto no
celeiro, mostrarei a vocês onde podem dormir. — Como se pensasse
melhor, Ezra parou a meio metro da caminhonete e olhou para a mão
esquerda de Julie.
— Mike disse que vocês são casados. Não estava mentindo, estava?
— Não, senhor. — Gabe engoliu a mentira, pensando nas conseqüências de compartilhar o mesmo quarto de Julie. Pegando o
cotovelo do homem mais velho, conduziu-o para longe da porta da
caminhonete, e longe dos ouvidos de Julie. — Ela é um pouco tímida.
E sua primeira noite como noiva, e...
— Vocês são recém-casados?
—Sim, senhor. E eu estava imaginando se... Bem, se você talvez
tivesse dois quartos, de modo que ela pudesse se acostumar com
essa história de casamento. — Gabe deu um profundo suspiro e
rezou.
Compartilhar um quarto com Julie levaria sua libido além do limite
suportável. Sem mencionar que ela não ficaria feliz em compartilhar
uma cama com ele, como não ficara no motel.
— Não. Disponho apenas de um quarto. Não costumo receber muitos
hóspedes aqui. E pegar ou largar. — Ele colocou o polegar na alça do
avental, olhou para Julie perto da cerca e baixou o tom de voz: — Elas
todas bancam a tímida no começo, mas logo se acostumam com a
vida de casada. Anote minhas palavras.
Ele deu um sorriso sem dentes e se dirigiu para trás da caminhonete,
baixando a enferrujada tampa traseira.
Gemendo, Gabe correu para ajudá-lo. Aquela prometia ser uma das
mais longas noites de sua vida.
Vinte minutos depois, o "Monstro Verde", como Julie apelidara a
motocicleta, estava no centro do solo do celeiro coberto de palha.
Julie permaneceu à porta do celeiro, mãos enfiadas nos bolsos
traseiros do jeans. Sua postura evidenciou os pequenos seios contra o

suéter. Gabe gemeu e afastou o olhar.
— Ezra disse que irá à cidade amanhã e verá se pode encontrar um
condutor de combustível novo. Ele tem um amigo que possui uma
oficina mecânica e faz muitos serviços nas motos da região.
Evidentemente o sujeito é bom.
Percebendo que estava jogando conversa fora para preencher o
silêncio, Gabe tirou sua jaqueta de couro e a pendurou num prego.
Depois tirou as ferramentas dos alforjes da moto.
— Posso ajudar?
— Fazendo o quê?
Ainda com as mãos nos bolsos, ela deu de ombros.
— Entregando-lhe as ferramentas.
Ele a olhou, demoradamente. Ela nunca cessava de surpreendê-lo, de
uma maneira ou outra. Sua irmã e quase qualquer outra mulher que
conhecia teria saído gritando por qualquer coisa que lhes arruinasse
as unhas com graxa. Mas não sua Julie.
Sua Julie? Ele gostou do som das palavras.
Mas ela não é sua Julie. Está noiva de outro homem, gritou sua
consciência.
— Sim, você pode ajudar se quiser.
— O que você quer primeiro?
Gabe ficou feliz ao vê-la sorrindo novamente, e sorriu de volta.
— Coloque as chaves inglesas em ordem crescente de tamanho.
Comece por aquela...
O metal frio bateu na sua mão com a habilidade de uma enfermeira
ajudando um cirurgião. Ele espantou-se.
— Eu lhe disse que costumava consertar máquinas na fazenda.
Enquanto trabalhavam, Gabe tornou-se consciente de que gostava de
tê-la a seu lado, ajudando-o.
Seria certo deixar as coisas se desenrolarem daquela forma, e
abandonar sua própria liberdade e falta de responsabilidade?
Antes de ter tempo de considerar a resposta, Ezra apareceu ao lado
deles.
— Deixei um dos vestidos de Martha na cadeira da cozinha para você
— informou a Julie. — Se quiser, pode trocar de roupa no banheiro, no
fim do corredor.
— Obrigada. Farei isso assim que terminar de ajudar Gabe. Ezra
tomou-lhe as ferramentas das mãos.
— Não precisa. Eu o ajudarei.
— Ela está se saindo muito bem — protestou Gabe, relutante em
abandonar o novo terreno que eles pareciam ter encontrado.
Ezra tinha outros planos.
— Ela precisa fazer o nosso jantar.
Gabe roubou um olhar de Julie. E esperou muito que ela soubesse
cozinhar.
— Pode ir, querida. A ajuda de Ezra será útil. Julie assentiu, olhando-o
com intensidade.
Embora ambos quisessem permanecer juntos, Gabe lembrou-se do
aviso de Mike sobre a maneira antiquada do tio. Gabe não pretendia
perder a chance de terem um teto sobre a cabeça, e de meios de ter

a moto funcionando novamente.
Ele viu Julie desaparecer de vista.
— Bela mocinha você tem.
— Ezra entregou-lhe uma chave de fenda.
— Sim, a melhor.
— Muito prestimosa também. Faz o que você lhe diz sem argumentar.
Uma boa qualidade numa mulher.
Gabe não podia visualizar uma Julie dócil e obediente.
— Sim. Ela quase sempre faz o que lhe peço.
Ezra bateu-lhe no ombro, como se estivesse congratulando-o por
transformar a esposa numa boa dona-de-casa.
— Você age bem. Ela é uma criatura bastante dócil.
Gabe mordeu os lábios para não rir. Julie podia ser tudo, menos dócil.
Se Ezra a conhecesse, saberia que ela estava meramente esperando
sua hora de retaliar. O ataque de desforra era iminente, ele sabia
disso.
Julie mirou sua imagem no espelho empoeirado do banheiro. Além de
Martha ter sido consideravelmente maior do que ela, possuíra um
gosto atroz em relação a roupas. O vestido era de algodão verde
abacate, estampado com grandes girassóis amarelos e adornado com
uma gola de renda feita a mão, que amarelara com o tempo.
Ela passou os dedos no tecido rasgado. Parecia que remendar não era
um dos atributos domésticos de Martha. O tirano Ezra provavelmente
nunca dera à mulher tempo para coisas tão frívolas como se enfeitar.
Por um momento, Julie considerou recolocar o jeans e suéter e ignorar
as opiniões antiquadas de Ezra Fields. Contudo, o problema que sua
decisão causaria a Gabe a impediu. Um ou dois dias parecendo uma
avó arcaica não a prejudicaria. Se pudesse amenizar alguns dos
problemas que trouxera para Gabe, o sacrifício compensaria.
É claro, ele nunca a veria como uma mulher fascinante, novamente.
Alguma vez ele a viu assim, por acaso?
Boa questão. Alguma vez na curta história de ambos, ela diria que
sim. Porém, depois daquela manhã e das óbvias razões que ele tinha
para mantê-la por perto, ela não mais sabia.
A atração que sentira por ela fora somente no princípio?
O beijo que haviam compartilhado não tinha sido nada mais do que o
resultado da proximidade, ou de um método para mantê-la feliz até
que ele pudesse obter o anel de volta?
Qualquer que fosse o motivo, ela fora receptiva ao beijo. E quisera
mais. Muito mais. Por quê?
Sabia a resposta.
Estava começando a se apaixonar por Gabe. Não. Não começando...
Estava apaixonada.
Julie não saíra de casa com a intenção de ter um coração partido, mas
parecia certo que teria.
Apaixonar-se por Gabe Ransom fora a coisa mais tola que poderia ter
feito. Paul estava certo em querer isolá-la na fazenda. Contudo, ela
não podia isolar-se do resto da raça humana para sempre.
Do começo ao fim, a viagem toda se transformara num pesadelo. Ela
perdera o ônibus, as roupas e o dinheiro, e fora rebaixada ao posto de

cozinheira para dois machos chauvinistas.
Para coroar tudo isso, apaixonara-se por alguém que a olhava como
se ela fosse um estorvo.
— Julie Evans, você precisa de um guardião — murmurou para seu
reflexo na tampa da panela de alumínio.
Antes que irrompesse em lágrimas, tentou ser estóica e não ter pena
de si.
Olhou em volta da cozinha imaculada e antiquada. Então, eles
queriam jantar? Pois teriam um jantar. Ela sorriu e abriu a porta do
refrigerador.
Gabe parou ao lado de Julie na pia da cozinha para lavar as mãos
sujas de graxa. Ela sentiu-se aliviada pelo fato de que ele não
manifestou, nem pelo olhar nem por palavras, o que achou de seu
novo vestido de senhora. Morando com a irmã, Laurie, naturalmente
ele sabia que havia ocasiões em que era lisonjeiro comentar o traje
de uma mulher, e outras, em que era bem melhor permanecer
calado.
Ela terminou de lavar as folhas para a salada verde, enxaguou-as e
acrescentou-as à tigela de tomates fatiados e pimentões verdes,
depois misturou tudo com um garfo.
— Onde está Ezra? O jantar está pronto. —anunciou, colocando a
tigela na mesa.
— Ele estará aqui em um minuto. Disse para começarmos a comer.
Gabe pegou uma cadeira e então estendeu a mão para servir-se da
comida. Ao lado da salada verde, havia uma travessa que continha
alguns bifes estorricados. Encarou-a espantado.
Vendo um brilho de deleite nos olhos verdes, imaginou o que viria
pela frente.
— Vingança — murmurou ela, colocando sobre a mesa uma travessa
com batatas cozidas.
Determinado a sobrepujá-la, Gabe espetou com o garfo um dos bifes
cor de carvão. O garfo resvalou e a carne saltou para cima da mesa.
Ele tentou outra vez, sem sucesso. Finalmente pegou-o com a mão e
deixou-o cair no próprio prato. Ainda ignorando a mulher que o
observava, acrescentou diversas batatas e uma farta porção de
salada.
Uma vez que tanto ele como Julie não se alimentavam de comida
sólida desde o restaurante da Hannah, e depois disso somente abriam
pacotes de salgadinhos e biscoitos que estocara nos alforjes, não
seria uma comida um pouco queimada que o intimidaria.
Depois de dar uma mordida nos pedaços de carne chamuscados que
Julie preparara, a fome era tanta que ele nem notava a diferença
entre um pedaço de carvão e uma costeleta de carneiro.
Mas Julie não "caprichara" somente na carne. Quando ele cortou uma
batata cozida, notou que estava quase crua. Novamente olhou-a, e
Julie não disse nada. Nem precisava. O olhar travesso dizia tudo.
Naquele momento, Ezra apareceu.
—Tenho um prato pronto aqui para você, Ezra. Não sabia quanto
tempo você levaria, portanto, conservei-o quente no forno.
— Muito obrigado, mocinha. — Ele sorriu, docemente.

— Minha Martha costumava fazer esse tipo de comida para mim.
— Enquanto comia a salada verde, olhou para a travessa à sua frente,
e depois viu Gabe mastigando implacavelmente um pedaço da carne
chamuscada.
— Bem passada demais para meu gosto.
— Oh, meu Gabe adora carne bem passada. Não é, querido?
— Ficou um pouco mais bem passada do que gosto, meu amor.
Esforçando-se para mastigar, ele fez uma careta. O pedaço de
carne áspero não passou na garganta. Ele tossiu. Ezra olhou de um
para o outro.
— Ela vai melhorar com o tempo, rapaz. Minha Martha não sabia fritar
um ovo quando nos casamos. Então, comprei-lhe um livro de receitas
e não levou muito tempo para que ela virasse a minha rainha na
cozinha.
Gabe fitou a falsa esposa.
— Bem, então posso ter esperança de que um dia Julie usará uma
coroa de rainha.
Se fosse honesto, Gabe não estaria zangado com Julie, e sim, ele
próprio. Afinal, era culpa sua o fato de ela estar sendo obrigada a
fazer aquilo, e tinha todo direito de estar furiosa com ele.
Ezra levantou-se.
— Boa comida, moça. — Ele tocou-lhe o braço. — Embora, se fosse
eu, teria tirado a carne do fogo um pouco antes. — Ele pestanejou, e
então se dirigiu para os fundos da casa. — Agora que você removeu o
condutor de combustível quebrado da moto Gabe, eu o levarei até a
cidade amanhã e verei se posso substituí-lo — Ele deixou a porta
bater atrás de si.
Gabe estava atônito por ter percebido que Mie vencera o mal humor
de Ezra. Seria ela uma feiticeira? Afinal, conseguira fazê-1 esquecerse do motivo daquela viagem, esquecer-se de que nã queria outra
pessoa pendurada na sua garupa e esquecer-se de que mulheres
sempre causavam problemas. O que viria em seguida? Ela o
seduziria, deixando-o perdidamente apaixonado?
Afinal, Mie era bonita, espirituosa, sem medo de sujar as mãos
delicadas, independente...
Independente. Não exigia responsabilidades.
Estaria ele apaixonado por ela?
Mie serviu-se de uma xícara de café e carregou-a para os degraus
carcomidos da varanda: Gabe fora para o celeiro, a fim de trabalhar
na moto logo depois que Ezra saíra da cozinha. Enquanto não
pudesse resolver o que faria com seu amor por Gabe, queria ficar tão
longe dele quanto possível... até que fosse forçada a suportar sua
companhia na mesma cama do quarto de hóspedes. Rapidamente,
afastou o pensamento do que a noite poderia trazer.
— Ela é muito corajosa e impetuosa, Martha, como você.
A voz de Ezra chegou até Mie do canto da casa. Ela foi até o fim da
varanda e ficou atenta ao que ouvia. Ezra ocultava-se numa cadeira
de balanço perto do jardim, olhando para os girassóis dos canteiros.
— Eu gostaria que você visse o olhar no rosto dela quando colocou
aquelas costeletas na minha frente. — Ele deu uma gargalhada. —

Não sei o que o marido fez, mas ela deu-lhe o troco devidamente. A
moça é feroz quando está irada. — Ele riscou um fósforo e acendeu
um pequeno cachimbo. O aroma do doce tabaco chegou até Mie
através da brisa da noite. — Eu lhe contei que a deixei usar seu
vestido de raio de sol? Aquele que lhe dei quando perdemos Jackie,
Bem, eu emprestei-o a ela. Achei que você não se importaria, e a
moça estava precisando de sua roupa. Você sempre disse que aquele
vestido elevava o espírito de uma pessoa, com todos aqueles
girassóis.
Julie olhou para o vestido que detestara tanto algumas horas atrás.
De repente, vendo-o por um outro prisma, alisou os girassóis
desbotados do tecido.
— Amor é uma coisa estranha, Martha. Ou o faz feliz ou triste. Leva-o
a agir em desacordo com seu coração, certas vezes. Leva-o a fazer
coisas que não tem sentido para outras pessoas, como eu, por
exemplo, vindo aqui todas as noites para conversar com você.
Julie sabia que estava espreitando, mas permaneceu quieta, ouvindo
Ezra conversar com Martha, porém com o coração penalizado pelo
homem. E pensar que ela o julgara mal. A natureza rude não era nada
mais do que a maneira que ele lidava com a própria solidão.
Como ela lidaria com isso quando Gabe saísse de sua vida? Daria
longos passeios tendo apenas o passado como companhia? Ou
também se sentaria solitária e falaria sozinha?
— Você sabe, Martha, quando eu a vi usando seu vestido, era como
se você estivesse de volta a casa. — Ele pigarreou, depois continuou:
— Lembrei-me da noite em que estávamos na cozinha e o bolso
rasgou-se. Você queria costurá-lo, mas não deixei. Eu lhe disse que
seria um símbolo de nosso amor e você riu para mim. Lembra-se
disso, Martha?
Sem pensar, Julie passou o dedo pelo bolso rasgado, detestando-se
por ter pensado que a falta de conserto era pelo comportamento
tirânico de Ezra. Como ele devia ser solitário!
Então Paul surgiu em sua mente. Era esta a espécie de solidão que
seu pai vinha vivendo desde que a mãe os deixara? Aquela era a
razão pela qual ele sufocava a filha tão tenazmente? Agora era tarde
para forçá-lo a contar-lhe sobre a mãe.
—É uma pena que aqueles dois jovens não dêem valor ao amor,
enquanto o têm.
Nunca se sabe quando o outro partirá. — A voz dele tremeu.
— Às vezes, Martha, eu me sinto morto por dentro.
Em silêncio Julie afastou-se, deixando Ezra com sua própria dor.
Ezra estava certo. Ela estava aterrorizada por amar Gabe. Aterrorizada pela possibilidade de perdê-lo. E sabia como Ezra se sentia.
Quando Gabe partisse, não lhe restaria nada. Nada, exceto um beijo
rápido e ainda lamentado.
Ela também se sentia morta por dentro.
Deixando a xícara de café para ser recolhida na manhã seguinte,
dirigiu-se para a privacidade do quarto que Ezra tinha designado para
ela e Gabe.
A cama de casal, coberta com uma colcha de retalhos feita a mão,

parecia zombar de Julie no meio do quarto.
Por longo momento, ela ficou parada à porta, lutando contra um
medo inominável.
Passar a noite sob as estrelas num saco de dormir era uma coisa.
Compartilhar uma cama de verdade era outra bem diferente. Camas
prediziam... Intimidade num plano muito distinto. Casais sussurravam
íntimos segredos nelas, concebiam filhos, confessavam e
confirmavam o amor mútuo.
E ali, pensou ela, jazia a raiz de seu medo.
Como poderia dormir ao lado de Gabe e não confessar seu mais
íntimo segredo? Que o amava.
Deixando os medos de lado, pegou a camisola que Ezra lhe
emprestara e foi para o banheiro.
Agora, uma ducha parecia o equivalente ao céu. Com certeza, se
sentiria bem melhor depois que tirasse de seu corpo três dias de
fuligem da estrada.
Preguiçosamente, ensaboou o corpo até formar uma espuma
abundante, depois massageou os músculos doloridos. Despejando
uma boa quantidade de xampu na palma da mão, esfregou os cabelos
com vigor.
Então um som metálico, quase inaudível sobre a cascata de água,
chamou-lhe a atenção. Ela olhou para o piso do boxe e suspirou. O
anel jazia a seus pés.
Capítulo IV
Gabe atravessou a porta da cozinha da casa da fazenda escurecida.
Todos já tinham ido para a cama. Ezra mantinha uma única lâmpada
acesa no corredor que conduzia aos quartos.
Ele deu um suspiro de alívio. Demorando-se no celeiro o mais que
pôde, Gabe tivera esperança de que Julie estaria na cama,
adormecida quando ele chegasse.
Agora, suspeitando que a amava, as probabilidades de passar a noite
a seu lado sem tocá-la eram mínimas.
Todas as vezes que fechava os olhos, a imagem dela aparecia. Todas
as vezes que pensava no beijo que haviam compartilhado, seu
interior dava um sobressalto. Todas as vezes que a olhava, queria
puxá-la para seus braços e levá-la para a cama mais próxima.
Compartilhar uma cama com ela estava fora de questão.
Não que Gabe não quisesse. Se Julie não estivesse comprometida,
nada no mundo o afastaria dela.
Contudo, uma vez que ela pertencia a outro homem, ele deveria usar
um cinto de castidade, um colar de arame farpado e uma grande
tabuleta que dissesse: "Inviolável".
Até que conseguisse obter o anel de volta e afastá-la de sua vida com
segurança, precisava controlar os próprios sentimentos.
Quando passou pela sala de estar, olhou o sofá com satisfação.
Estava vazio, o que significava que ela deveria estar dormindo
tranqüilamente no quarto que Ezra lhes oferecera. Gabe entrou no
quarto. Julie, em posição fetal, estava em uma das extremidades da

cama. E dormia feito um anjo. Um raio de luar brilhava sobre a mão
que estava fora das cobertas, e uma luz leitosa refletia-se das facetas
das pedras preciosas do anel, dando à jóia uma aparência
fantasmagórica.
Pisando de mansinho, ele se aproximou e olhou para o aro de ouro. O
fato de o anel ainda estar preso no dedo delicado, trouxe-lhe uma
onda de felicidade.
Contudo, a felicidade durou pouco, quando, com uma brusquidão que
quase o fez cambalear, encarou a vazia perspectiva de estar sem
Julie. Ele meneou a cabeça. Como ela conseguira infiltrar-se nos seus
sentidos e tomar conta de seu coração em tão curto período de
tempo?
Com uma dor indescritível dominando seu ser, Gabe tirou o cobertor
dos pés da cama e procurou um travesseiro.
Ele sempre acordava muito cedo, independentemente da hora que
fosse dormir. Com certeza, se levantaria antes de Julie e Ezra pela
manhã. Além do mais, aquele sofá na sala parecia convidativo. Não
que ele esperasse dormir muito naquela noite.
Andando nas pontas dos pés para a porta aberta do quarto, escutou:
— Gabe?
— Sim, Julie.
— Aonde você vai? — A voz dela parecia sonolenta e rouca. Ele virouse. Ela provavelmente já vira o travesseiro e o cobertor, portanto, não
havia necessidade de acobertar suas intenções.
—Eu ia dormir no sofá da sala. Achei que você dormiria melhor sem
minha presença para perturbá-la.
— Você não me perturba — murmurou ela.
A voz suave acariciou o corpo de Gabe como uma ducha quente. O
coração disparou. O sangue pulsava nas veias.
Bem, você me perturba muito, infelizmente, ele pensou.
Ela virou-se de costas e fitou-o por dentro de um circulo formado pelo
raio do luar. Um sorriso aflorou nos belos lábios. Ela ergueu as
cobertas e bateu no colchão a seu lado.
— Por favor? Prefiro não ficar sozinha numa casa estranha. Por um
longo momento, ele apenas a olhou. Então, recolocou
o cobertor e travesseiro que carregava no lugar, chamou-se de tolo e,
com relutância, tirou a roupa, e finalmente enfiou-se na cama.
Com um suspiro, deitou-se de costas, conservando a maior distância
possível entre os dois, e esperando que Julie adormecesse logo.
— Obrigada.
O olhar dele focalizou uma rachadura grande no teto.
— De nada.
O silêncio caiu sobre eles, trancando-os na intimidade da cama de
casal, como se ocupassem uma cela de prisão. Julie rolara em direção
a ele... perto o bastante para fazê-lo tremer.
— Você está com frio? — Ela ergueu-se, apoiando-se em um dos
cotovelos e o encarou. — Gostaria de um outro cobertor?
Frio! Por Deus, não. Ele não estava com frio. Frio era a menor de suas
preocupações.
— Não. Estou bem.

Ela depositou a mão em seu braço.
— Mas você tremeu...
— Estou bem — replicou ele de modo quase rude. Depois, amaciou o
tom de voz. Não era culpa de Julie que seu corpo o traía, assim como
a mente.
— Por favor, deite-se e durma.
Sem argumentar, ela voltou a deitar-se.
Silêncio outra vez.
Silêncio pontuado com a respiração acelerada de ambos.
Silêncio banhado pela luz pérola do luar.
Silêncio esperando por...
Não! Ele não deixaria que seus pensamentos traiçoeiros o dominassem. Não agora. Não ali. Não com Julie dentro de uma distância
tocável.
— Gabe?
Deus o ajudasse. A mulher nunca parava de falar?
— Sim.
— Desculpe-me.
As palavras o surpreenderam.
— De quê?
Ele virou a cabeça a fim de poder vê-la. A luz do luar banhava o rosto
de Julie. Os cabelos haviam se espalhado em forma de leque sobre o
travesseiro, rogando-lhe que entrelaçasse os dedos na sua espessura.
Gabe afastou o olhar.
— De ter queimado seu jantar. Ele sorriu.
— Não se preocupe com isso.
— Mas eu me preocupo. Foi mesquinho e infantil.
— Sim, foi. — Ele a olhou de soslaio. — Importa-se de não dizer
porque você fez isso?
Ela suspirou profundamente.
— Bem, não é porque não sei cozinhar. Trabalhando lado a lado com
caubóis na fazenda de papai, eu também ajudava a alimentá-los.
— Ela suspirou de novo, os seios erguendo-se, convidativamente.
— Acho que fiz isso em razão das minhas frustrações.
— Frustrações?
Ela mudou de posição. A fragrância almiscarada de lilases perfumava
o ar do quarto.
—Perder meu ônibus, perder minhas roupas, depois o gravador. Esta
viagem deveria ser uma aventura, o começo de uma vida nova. Até
agora, tem sido mais um aviso de que eu nunca deveria ter saído de
Montana.
Para surpresa de Gabe, ela não citou seu papel em ajudar a
transformar-lhe a vida num pesadelo.
— Você está sendo muito dura consigo própria.
—Não. Estou sendo honesta. Acho que a última gota foi quando Ezra
começou a me tratar como...
— Uma criança mimada?
Ela deu uma risadinha em resposta.
Ele ouvira aquela mesma risadinha um milhão de vezes dada por
Laurie. Mas a risada da irmã nunca aquecera seu coração da maneira

que Julie fazia. Algo que nunca soubera existir até agora.
— Ele não é realmente tão mau como quer que todos acreditem,
sabia?
— Não?
— Eu o ouvi falando com Martha no jardim esta noite.
— Martha? Ela não está...
— Morta. Sim. Mas acho que ele sente terrivelmente a falta da
esposa.
— O tom da voz de Julie tornou-se melancólico: — É duro estar
separado de alguém que se ama.
As palavras lembraram a Gabe que ela era noiva, e que não linha o
direito de querer tomá-la nos braços e apaziguar a tristeza que sentia
na voz doce.
— Veja se dorme Julie. Silêncio novamente.
— Gabe? Ele suspirou.
— Sim?
— Dê-me um beijo de boa noite.
Uma espécie de choque fez vibrar todo o corpo de Gabe. Ele
empertigou-se de modo instantâneo. As mãos apertaram as cobertas.
Ele queria beijá-la. Queria sentir a pele macia contra a sua. Queria
fazer amor com ela até o sol nascer e banhar o corpo maravilhoso ali
a seu lado. Mas...
— Não acho que seja uma boa idéia.
Ela moveu-se para o canto da cama, afastando-se o máximo possível.
— Por que não?
— Que coisa, Julie! — Ele virou-se para encará-la. Um erro fatal.
Lágrimas brilhavam no bonito rosto. — Querida, por favor, tente
entender. Nosso beijo é... perigoso.
Ela piscou. Com a ponta do polegar, ele secou-lhe a lágrima que lhe
caía pela face.
— Por quê?
Ela parecia tão inocente. Gabe imaginou-a sozinha e vulnerável em
Los Angeles, até que encontrasse o noivo, e sentiu uma forte pontada
no estômago.
— Porque você está noiva.
Não porque ele não a queria, não a desejasse desesperadamente.
Não a beijaria porque acreditava que ela pertencia a outro homem.
Resoluta, Julie apoiou-se sobre o cotovelo de novo.
— Isto é outra coisa da qual preciso desculpar-me. Não sou noiva. Eu
disse isso por que... Bem, porque parecia esperto da minha parte na
ocasião.
Por um tempo, Gabe pareceu chocado, então o choque transformouse em compreensão, e a compreensão transformou-se em raiva.
Ela lembrou-se do que ouvira Ezra dizer a Martha no jardim.
Recordou-se da promessa que fizera a si de não terminar tudo sem
alguma lembrança para conservá-la aquecida quando Gabe se fosse
da sua vida. Agora que as coisas estavam claras entre os dois, não
estava disposta a arriscar-se, encontrando uma nova desculpa. Tivera
muita coragem de dizer aquilo, sem mencionar que estava esperando
ansiosamente que ele a tomasse nos braços. Agora não era hora de

bancar a "santinha".
Gabe abriu a boca para falar, mas antes que pudesse dizer algo, ela o
deteve com seus lábios. Ele emitiu um gemido baixo. Com as mãos
tocou os ombros delicados, como se quisesse afastá-la de si, mas
então, segundos depois, escorregou as mãos pelas costas dela,
puxando-a para um abraço caloroso, apertando-a contra seu sólido
peito. Ela sorriu.
Julie sentia-se presa contra a rigidez do corpo másculo quando ele a
beijou. Aberta e sedenta correspondeu, e as chamas resultantes
consumiram sua estabilidade. Se estivesse de pé, certamente cairia
no chão.
O corpo formigava da cabeça aos pés. Nunca, em toda sua vida,
imaginara que tais sensações pudessem existir.
Os beijos de Gabe devastaram-lhe a alma e fizeram-na entrar num
mundo pleno de desejo e paixão. Beijando-a com ardor, ele a
explorou, e parecia extrair tudo de mais precioso que Julie possuía. E
ela se doava e oferecia ainda mais.
Devagar e de modo sensual, Gabe deslizou as mãos sobre os
pequenos seios e provocou-os.
Sem fôlego, ela enterrou o rosto na curva do pescoço dele. O aroma
que sentiu era maravilhoso. De modo tentador, Julie correu a ponta da
língua sobre a pele bronzeada de Gabe e sentiu um leve gosto de sal.
Carícias incríveis se seguiram, enquanto sensações prazerosas a
dominavam, sensações que ela nunca experimentara ahtes, sensações que a amedrontavam, embora a excitassem de maneira fantástica. Nenhum outro homem jamais a fizera sentir-se daquela
forma. E, naquele momento, soube que nenhum outro o faria.
— Gabe, eu...
— Psiu. Não fale. Apenas sinta. Sinta o que minhas mãos fazem ÍI
você. Sinta e veja o que você faz comigo. — A voz dele era cheia de
paixão.
Rolando por cima dela, Gabe pressionou-a contra o colchão. A creção
rígida queimou-lhe a coxa. Saber que era responsável por tal reação
masculina, deu a Julie um novo sentido de poder, uma segurança
como mulher que nunca soubera possuir.
Entrelaçando os dedos através dos cabelos negros de Gabe, puxou-o
para mais perto de si. Ele resistiu. Em vez disso, deslizou as mãos
através dos cabelos e lhe provocou os lábios com milhares de beijos.
Depois, cobriu-lhe a boca com um beijo tão profundo e apaixonado
que Julie sentiu vontade de chorar.
Ele afastou-se um pouquinho, os olhos faiscando pelo desejo contido.
Olhando-a com intensidade, sussurrou:
— Tem certeza?
Ofegante e lutando contra a coerência, Julie mordiscou-lhe o lóbulo da
orelha. Incapaz de falar esperou que as ações transmitissem seu
desejo por ele.
Gabe gemeu e apertou o abraço.
— Você é a mulher mais sexy e mais linda que já conheci. A despeito
da eufórica excitação que sentia, Julie riu. Tocando a camisola de
algodão de Martha, sorriu-lhe.

— Este modelo foi desenhado para estimular a imaginação. Gabe
passou a mãos pela turgescência dos lindos seios. Julie fechou os
olhos, adorando a sensação nova que a percorria.
— Às vezes não é o que você vê que conta, mas o que imagina. — Ela
abriu os olhos quando ele baixou a cabeça e passou a língua pelos
mamilos intumescidos através do tecido fino.
Quando ele afastou a boca, Julie protestou:
— Faça de novo.
Ignorando o rogo e ávido por vê-la por inteiro, Gabe deslizou as alças
da camisola pelos ombros, e vagarosamente, com muito carinho, foi
descendo a camisola cada vez mais para baixo. A pele que sentiu era
como seda. Revelando os segredos femininos pouco a pouco, tirou a
camisola pelos pés dela.
Então, voltou a encará-la.
A luz do luar banhava o corpo delicado numa luminescência que a fez
parecer etérea, irreal. Os grandes olhos verdes estavam embaçados
pelo desejo, fazendo o sangue de Gabe correr mais rápido nas veias.
Por um instante, imaginou se aquilo era algum sonho que terminaria
com sua ida solitária para o sofá da sala.
Então, uma perna esguia roçou-lhe a coxa e ele soube que toda
aquela maravilha que estava acontecendo era real. Ela era inteira.
Carne e sangue, calor e paixão, avidez e inocência.
Mais uma vez, devagar e com cuidado, recomeçou as carícias. Queriaa com desespero, mas, para não amedrontá-la, tinha de refrear seu
ímpeto, protegendo-a de sua devassidão.
Então foi a vez de Julie acariciá-lo. Ele ficou impassível, permitindo-lhe
que explorasse seu corpo por inteiro. Quando sentiu os dedos
femininos escorregarem pela sua barriga, mordiscou os lábios e
fechou os olhos, apenas dando a si o direito de sentir.
A pele quente e macia de Julie fundia-se na sua e pensamentos
coerentes haviam desertado-o. Envolvendo-a no seu abraço, Gabe
ficou de costas, então tomou a ávida boca oferecida, desejando, do
fundo de sua alma, compartilhar todas as noites de sua vida com Julie
aninhada a seu corpo.
Abraçada a Gabe, Julie sentiu que novas sensações a invadiam, e eles
pareciam uma só pessoa.
— Agora, Julie?
Ela rolou, deitando de costas, e abriu-se para recebê-lo. A onda de
antecipação a fazia vibrar.
— Você está com medo?
Ela acariciou-lhe o lábio inferior com a ponta do dedo.
— Somente se você mudar de idéia. Gabe sorriu.
— Você não corre o risco.
O coração de Julie parecia explodir de amor por ele.
Então, bem devagar e com muito carinho, Gabe fez amor com ela.
Um amor que Julie nunca esperava que existisse, exceto era sonhos.
Um ato de amor que a levou diretamente para o paraíso.
Mais tarde, quando a respiração de ambos voltou ao normal, Gabe
afastou-se do abraço e deitou-se a seu lado na cama. Era o repouso
do guerreiro.

O quarto pareceu frio, de repente, mas não tão frio quanto a postura
de Gabe, que deu as costas para Julie, fazendo-a sentir como se
houvesse uma parede invisível entre eles.
Quando Gabe apareceu na cozinha na manhã seguinte, Ezra já
tomara o café e estava saindo, enquanto resmungava alguma coisa
sobre a necessidade de tirar leite das vacas.
Vendo Gabe agora, na luz do dia, Julie sentiu-se subitamente tímida.
— Bom dia.
Ele franziu o cenho e sentou-se à mesa. Ela serviu-lhe café.
— Ovos?
Ele apenas assentiu com um gesto de cabeça. Ela quebrou dois ovos
na frigideira. O cheiro de ovos fritos misturou-se com o aroma de café
fresco, mas Julie quase não notou. Estava opressivamente ciente da
raiva que emanava de Gabe. O único som na cozinha era a respiração
deles e o chiado dos ovos sendo fritos na manteiga.
— Por que você fez isso?
Ela esqueceu-se dos ovos e virou-se para ele.
— O quê?
— Mentiu para mim sobre seu noivo?
— Eu já lhe disse. Parecia-me esperteza da minha parte na ocasião.
Eu não tinha a mínima intimidade com você, e assim mesmo você
acabara de ordenar-me a compartilhar seu quarto.
Ela limpou as mãos no avental que Ezra a encorajara a usar para
cobrir o vestido de girassóis. Sentia-se bastante aliviada agora que
sabia que era a mentira que causara a raiva dele, e não o magnífico
ato de amor que tinham compartilhado.
— Que outros pequenos segredos você está escondendo de mim?
Qual é a verdadeira razão de sua ida a Los Angeles?
Suspirando com pesar, Julie sentou-se numa cadeira oposta à dele,
descansando os braços na fria mesa esmaltada.
— Esta é a única mentira. Estou indo para Los Angeles para tentar um
teste para ser atriz de cinema.
Por um longo momento, Gabe apenas a fitou, como se avaliasse a
sinceridade de suas palavras. Ela teve de afastar o olhar, o qual caiu
sobre o anel que usava. Não. Aquela não era a única mentira. Não,
tecnicamente. Não lhe contara que o anel saíra do dedo debaixo do
chuveiro na noite anterior.
Mas, sendo racional, quase não tivera tempo para contar-lhe. Tudo
acontecera tão rápido.
Você teve tempo de desculpar-se, tempo para confessar que
inventara a história do noivo.
Nervosa, ela girou o anel no dedo. Deveria contar-lhe agora? Sua
consciência pedia que fizesse isso, mas seu coração sofria só de
pensar que Gabe a abandonaria.
— É realmente a única mentira?
Julie não podia olhá-lo. Mas assentiu com um breve movimento de
cabeça.
Levantando-se, Gabe caminhou para o telefone de parede e discou
alguns números. Obviamente, não acreditara nela. Enquanto
esperava que a ligação se completasse, ficou de costas para ela.

— Alô. Ransom. — Ele fez uma pausa, ouvindo. — Sim, sei que eu
deveria estar em Los Angeles. Tive um problema aqui.
— Novamente, ele fez uma pausa para ouvir.
— Não, nada sério. Apenas uma pequena pedra no caminho. Mas
pretendo resolver isso hoje e estar a caminho novamente. Estarei
atrasado um dia, no máximo.
As batidas do coração de Julie oscilaram. Com o coração apertado,
repetiu as palavras dele na mente.
Uma pequena pedra no meu caminho.
Era assim que ele a via? A noite anterior não significara nada para
ele, exceto uma descarga de excesso de testosterona.
Na verdade, ela não tinha ninguém para culpar, exceto a si. Ninguém
para aliviar sua dor, ninguém para embalar seu amor. Pela primeira
vez em muitos anos, Julie sentiu a falta da proteção amorosa dos
braços de seu pai.
Um respingo de gordura no braço a fez lembrar-se dos ovos. Com um
sobressalto, voltou para o fogão. No meio da frigideira -estavam dois
ovos excessivamente fritos. Ao desligar o fogo, preparou-se para
explicar que teria de fritar outros ovos novamente, a porta dos fundos
bateu. Seu olhar escrutinou a cozinha vazia. Gabe partira.
— Eu sei cozinhar... de verdade — sussurrou ela.
A resposta sem sentido à saída dele reforçou a verdadeira dor da
rejeição. Lágrimas rolaram pelo seu rosto. Por que não lhe contara
que o anel podia ser removido agora? Isso teria resolvido alguma
coisa? O fato faria com que ele a amasse? Curaria o vazio dolorido
que as palavras dele tinham aberto em seu coração?
Gabe atirou a chave inglesa no chão perto da moto, depois, deitou-se
sobre um fardo de feno que estava perto da motocicleta.
O calor do sol da tarde acentuava o cheiro de excrementos de animal
dentro do celeiro, nauseando-lhe o estômago. Talvez devesse entrar
na casa para almoçar. Porém, a idéia de encarar Julie não o atraía
mais agora do que horas atrás.
Ele olhou ao redor, tentando achar alguma coisa que afastasse seu
pensamento da cena que desempenhara com Julie naquela manhã.
Tinha sido a mentira que desencadeara suas reações. Julie não
confiara nele. E ele não estava certo de que a queria, pois querê-la
implicava em responsabilidade por outro ser humano.
Sua mente girava com diversos questionamentos. O que deveria
fazer? Amava Julie com todo seu coração. Nunca fizera amor com
uma mulher como na noite anterior. E nenhuma mulher jamais
correspondera ao ato do amor como ela.
Sua imaginação levou-o ao contato da pele macia, o aroma dos
cabelos lavados com xampu, os pequenos gemidos que ela emitira no
auge do amor. Ele afastou os pensamentos.
Divertir-se na cama não fazia um relacionamento, especialmente com
a idéia de ser responsável por ela como um amante, amigo e... como
marido? Jamais em toda sua existência, sentira por uma mulher o que
sentia por Julie.
Ele pegou uma palha do fardo de feno e feriu o próprio dedo, como
que para sobrepujar a dor de perder Julie.

Rapidamente, atirou a palha seca no chão.
— Aqui está o condutor de combustível.
Ele olhou para cima e viu Ezra parado a seu lado, segurando um novo
condutor em suas mãos rudes de trabalhador. Ezra levara a peça
quebrada para a cidade logo após o café da manhã e Gabe ficou
surpreso por ele ter voltado tão rápido.
— Tive de encontrar o condutor certo. Poderia ter comprado uma
peça usada para substituir, mas o vendedor me disse que provavelmente também quebraria depois que você rodasse alguns quilômetros. Jasper é um sujeito honesto.
— Quanto eu lhe devo?
Ezra murmurou uma quantia e Gabe deu-lhe algumas notas.
— Ela fez um reboliço na oficina.
— Ela, quem? — Gabe parecia incapaz de concentrar-se, por mais de
três segundos, em qualquer coisa que não fosse a expressão
magoada no rosto de Julie quando ele saíra da cozinha.
— Esta sua motocicleta aqui. Motos antigas clássicas não são vistas
freqüentemente por aqui.
— Imagino que não.
— Pessoas bem vestidas, gente de cidade grande, eu diria, chegaram
enquanto eu estava esperando. Pareciam muito interessadas,
também. Queriam saber onde podiam encontrá-lo. Aposto que virão
atrás de você oferecer um preço pela máquina.
— Bem, estarão perdendo tempo. A moto não está à venda.
— Gabe pegou a chave inglesa do chão e foi instalar o novo condutor
de combustível.—Meu pai deixou-a para mim, e eu não a venderia por
nada neste mundo.
Ezra assentiu e depois sentou-se no fardo de feno.
— Imaginei mesmo. — Ele olhou para a moto. — Conserve-a em boas
condições.
Gabe sentiu que o velho homem desviara o olhar da moto para ele.
— Você teve uma discussão com a moça, não teve?
A chave inglesa escorregou, atingindo o dedo de Gabe e rasgando-lhe
a pele. Ele praguejou baixinho e pegou um pedaço de pano limpo.
Enrolando o pano em volta do dedo, olhou para o homem mais velho.
— Como você soube?
Um raro sorriso franziu a boca de Ezra.
— Você tem o mesmo olhar de cão envergonhado que eu costumava
ter quando Martha me açoitava com uma censura severa.
Gabe sentou-se em outro fardo, tirou o pano do dedo e esfregou a
bolha de sangue formando-se no corte. Pensou em contar a Ezra que
Julie mentira para ele, mas então, teria de dar uma explicação sobre o
noivo e isso não poderia ser feito, pois o homem pensava que os dois
eram casados.
— Acho que fui eu quem a censurou.
— Pior ainda. — Ezra meneou a cabeça, sacudindo os cabelos
brancos. — Você vai ter de se desculpar duas vezes para acertar as
coisas.
— Duas?
— Sim. Uma pelo que você fez para começar a discussão e outra por

discutir com ela. — Ele fez uma pausa e acrescentou com ar sábio: —
Mulheres não suportam homens mal-humorados. Um homem tem de
tratar uma mulher com ternura, protegê-la.
Gabe riu.
— Proteger Julie? — Ele meneou a cabeça. — Julie não admite ser
protegida. Mesmo se eu quisesse.
— Você a ama, não ama? — perguntou Ezra. Gabe assentiu.
— Então, protegê-la faz parte da parcela de seu amor por ela.
Querendo ou não querendo. Vem automaticamente. — Ezra levantouse e começou a sair, então parou e voltou-se para Gabe: — Se eu
fosse você, me casaria com a garota antes que ela fosse embora.
Sem outra palavra, ele foi em direção à porta aberta do celeiro,
deixando Gabe totalmente atônito.
— Você, seu velho matreiro, sabia de tudo desde o início. Então por
que permitiu que ficássemos? Por que insistiu que compartilhássemos
o mesmo quarto?
Ezra parou, virando-se para Gabe.
— Por que você me disse que eram casados? Proteção? — indagou
ele. Apontando um dedo para Gabe, sorriu. — Pense nisso por um
momento.
— Ele acenou num adeus. — Vou até a casa do meu irmão. Prometilhe ajudá-lo com a bomba d'água que está instalando.
Depois que o homem partiu, Gabe franziu o cenho. Ficou pensando
nas respostas às perguntas de Ezra. Olhou em direção à porta vazia.
Teria mentido a Ezra sobre o casamento dos dois apenas para garantir
que teria um lugar para consertar a moto? Ou fora uma ação
inconsciente para proteger a reputação de Julie? Que idéia antiquada!
Não podia negar a verdade daquilo. Mas Julie não queria ser
protegida. E depois daquela manhã, mesmo se ela quisesse, não mais
o escolheria para ser seu guardião.
Julie sentou-se na velha cadeira de balanço que Ezra ocupara na noite
anterior, ao lado do jardim. O sol brilhava sobre o canteiro de
girassóis, tornando as cores vividas e brilhantes. Sem nuvens, o céu
estava azul e límpido, e ela acompanhou com os olhos o vôo de um
falcão. Os ferozes guinchos da ave combinavam com a dor pungente
de seu coração.
Para evitar pensar no assunto que a perturbava, abriu o jornal que
Ezra lhe levara. Observando as manchetes, virou para a página
seguinte. Nada além de más notícias. Escaramuças aqui e ali em volta
do mundo. Crimes.
Prestes a virar a página em busca dos desenhos, notou um pequeno
artigo e uma foto na parte inferior da folha. Desdobrando o jornal,
concentrou a atenção na foto.
Era do anel que estava em seu dedo. O artigo explicava que a jóia
fazia parte de uma exposição particular dedicada à rainha Elizabeth I,
no Museu Grovner, em Los Angeles.
Lendo o artigo, arregalou os olhos. O anel tinha mais... ela engoliu em
seco... de quatrocentos anos.
Mas aquilo devia ser um erro do articulista. Gabe dissera que tinha
apenas cem anos. Por que ele mentiria?

Julie tentou lembrar-se de dados que aprendera no colegial sobre o
reinado de Elizabeth I, mas não teve sucesso. História nunca fora seu
ponto forte, especialmente todas aquelas datas inúteis.
Seu olhar voltou-se para o artigo, novamente. Mais à frente no texto,
dizia que o anel fora um presente de sir Walter à rainha no , ano...
Julie ofegou. Era antigo demais.
O anel que ela acreditara ser uma bijuteria e tratara com tanto pouco
caso, era antigo e muito valioso. E estava em seu dedo. Bem, isso
explicava a reação que Gabe tivera quando ela o experimentara. E
explicava também por que havia tantas pessoas interessadas em
pegar o anel. Um calafrio percorreu-lhe a espinha.
E se aquelas pessoas pegassem Gabe e ela? A idéia a fez tremer.
Respirando fundo para acalmar-se, voltou ao artigo, a fim de ver se
mencionava os desconhecidos assassinos que queriam o anel. Nada.
A polícia, sem dúvida, queria manter isso fora dos jornais.
De súbito, pensou que Gabe deixara que ela viajasse usando o anel,
nunca tomando nenhuma precaução para protegê-la. Ele a deixara
desprotegida o tempo todo e permitira que fizesse a jóia brilhar
naquele restaurante. Sim, ele tentara impedi-la, ela se recordava. Oh,
é claro, deixou que o anel cintilasse diante da dona do restaurante.
Pondo o jornal de lado, Julie dirigiu-se ao celeiro. Gabriel Ran-som
tinha algumas explicações a dar. Ele a colocou diante dos leões por
uma mentira inocente, certo? Bem, ela gostaria de ver como ele
reagiria quando os papéis fossem trocados.
Entrando no celeiro, encontrou-o curvado sobre a moto, apertando
um parafuso.
— Quando exatamente você planejava me contar, sr. Ransom? Gabe
empertigou-se e voltou-se para ela com as sobrancelhas
franzidas, uma peça cheia de graxa nas mãos besuntadas. As mangas
da camisa estavam enroladas acima dos cotovelos e a parte frontal
aberta até a cintura, exibindo o peito nu, o mesmo no qual ela
esparramara-se em libertino abandono. Por que ele não podia pelo
menos ter a decência de parecer menos atraente?
— Você fez tanto alarde sobre meu suposto noivo, e o tempo todo
esteve mentindo para mim. Você... Judas.
Ela detestava quando ficava tão zangada que as palavras lhe
faltavam.
— Judas traiu, não mentiu.
Ela acenou a mão no ar, impaciente.
— Seja o que for. O fato é que você mentiu, também. E quando
mentiu, pôs minha vida em perigo.
— Que conversa sem nexo é essa?
— Veja — murmurou ela, erguendo a mão e fazendo o anel cintilar no
rosto dele. — Este anel vale... é inestimável.
Suspirando longamente, Gabe largou a engrenagem que estive-ra
tentando colocar e começou a limpar as mãos de graxa com um
trapo.
— Como você descobriu?
— Pelo jornal. Exijo uma explicação. Ele passou a mão através dos
cabelos.

— O que você quer saber?
Julie gaguejou por um momento, incapaz de lembrar-se exatamente o
que exigia.
— Quero que você morra. Por que não posso ficar a seu lado sem me
transformar numa perfeita tola?
Ela deu alguns passos, depois se sentou no banquinho de madeira
que Gabe usava para trabalhar.
— Julie, acho que você precisa ser um pouco mais clara, se quiser
obter respostas. Até agora, nada que disse faz sentido.
— Você falou que este anel tinha apenas cem anos. O jornal relata
que tem quatrocentos anos.
— Está certo.
— Então, por que você não me contou? Eu poderia ter morrido por
causa deste anel. Você me deixou mostrá-lo a Hannah e usá-lo em
lugares públicos.
— Agora, espere um minuto. — Gabe aproximou-se e parou diante
dela com as pernas abertas. O jeans justo comprimindo-lhe as coxas
fez Julie afastar o olhar. — Foi você quem tentou colocá-lo no dedo e
deixou-o preso. Foi você quem o mostrou a Hannah no restaurante.
Agora me diga se a culpa é minha.
Para sua total frustração, ela começou a ver a lógica do raciocínio de
Gabe.
Julie deu de ombros.
— Acho que foi culpa minha, também. — Então, recuperou-se, a raiva
renovada com o fato de que a racionalização dele não desculpava a
mentira.—Esqueceu-se que aqueles assassinos, os quais você mesmo
mencionou, podiam estar em qualquer lugar, observando, esperando
para cortar meu dedo fora?
Gabe irrompeu numa gargalhada incontida.
— Estou emocionada que você ache tão divertida a perspectiva de eu
passar o resto da vida exibindo nove dedos na mão. — Ela o encarou.
— E as vezes que você me deixou sozinha? Eles poderiam ter me
pegado.
Gabe controlou a risada.
— Por Deus, como você é melodramática!
— Melodramática? — Ela se levantou do banco e começou a andar.
— Você chama o perigo de perder um dedo de melodramático? Na
verdade, por que não me protegeu?
A pergunta dessa vez veio em tom suave e pareceu atingir Gabe
como um soco no estômago.
— Inventei a história sobre os sujeitos estarem atrás do anel. Eu
precisava convencê-la a permanecer do meu lado, de modo que eu
pudesse ficar de olho na jóia. Não havia nada ou ninguém que
justificasse minha proteção em relação a você.
Ela o fitou diretamente com olhos lacrimejantes. Então atirou os
cabelos sobre os ombros. De repente, percebeu que não era o anel ou
a mentira que a deixara tão aborrecida. Era algo mais.
— Eu precisava ser protegida por alguém. Ele franziu o cenho.
— Por quem?
— Por você. Devia ter-me protegido de você mesmo.

Depois que Julie saiu do celeiro em silêncio, Gabe sentiu-se
devastado. Atirando longe o trapo com o qual limpara as mãos,
ergueu os olhos para as vigas abertas.
Ela estava absolutamente certa. Ele deveria ter tido a prudência de
manter distância entre os dois, mesmo depois que descobrira sobre o
noivo fantasma. Sabia que não tinha nada a oferecer a Julie, pelo
menos nada que ela quisesse.
Ele a magoara profundamente, e o mínimo que podia fazer era
desculpar-se e tentar fazê-la entender por que lhe contara a história
sobre os assassinos. A mentira sobre o valor do anel fora para o bem
da empresa que trabalhava? Agora, estava começando a pensar que
também diminuíra a importância da jóia para preservar a paz de
espírito de Julie.
E a história dos assassinos? Será que criara aquilo para mantê-la por
perto somente por causa do anel? Ou soubera, desde o começo, que
se separar de Julie seria a coisa mais difícil que teria de fazer na vida?
Afinal de contas, nos últimos dias, não estivera tão preocupado assim
em obter o anel de volta e levá-la até o ônibus. Se fosse bem
honesto, o anel ou seu emprego não ocupavam sua mente havia
muito tempo.
Com essa percepção veio uma nova. Não podia explicar as mentiras
sem comprometer-se a ter um relacionamento com Julie. Era melhor
deixar as coisas como estavam. Deixá-la acreditar no que quisesse.
Ademais, chegaria a hora de ambos voltarem às prioridades... A
carreira de Julie e ao emprego dele.
Julie esforçou-se para afastar os pensamentos e barulhos que vinham
da direção do celeiro. Empurrou o pé na terra macia para fazer a
cadeira de balanço mover-se mais rápido. Não queria mais pensar em
Gabe. Se ele não podia confiar nela, então não merecia uma centelha
de seus pensamentos.
Mais fácil falar do que fazer. Todas as vezes que baixava a guarda, o
rosto bonito aparecia aos olhos da mente. A lembrança da noite de
amor que tinham compartilhado chegou mais vivida do que nunca.
Atrás dela, um galho seco fez um estrépito, interrompendo-lhe os
pensamentos. Virando-se na cadeira, encontrou-se face a face com
dois homens usando óculos de sol e ternos escuros. Pareciam
familiares à distância. Será que já os vira antes?
— Posso ajudá-los? — murmurou ela.
O mais alto dos dois estudou-a de modo meticuloso. Ela sentiu-se
como se fosse uma bactéria sendo examinada por um cientista.
Desajeitada, alisou o vestido de girassóis desbotados sobre as coxas.
Finalmente, o mais alto falou:
— Estamos procurando pela srta. Julie Evans.
— Por quê? — O coração de Julie disparou. Seriam os assassinos? Não.
Eles faziam parte da mentira de Gabe.
— Diremos isso à srta. Evans quando a encontrarmos.
— Quem são vocês?
— Também diremos à srta. Evans.
O homem mais alto parecia ser o porta-voz deles, então Julie encarouo com coragem mais tênue do que folha de papel. Temendo o pior,

mesmo sabendo que a história que Gabe contara não era verdadeira,
colocou as mãos atrás de si, escondendo o anel.
— Se querem que eu os ajude, contem-me, então direi onde a Srta.
Evans está.
Ela desejou sentir-se tão segura quanto sua voz soava. O mais baixo
dos dois deu um passo ameaçador na sua direção, mas foi detido pela
mão do outro homem sobre seu braço.
— Não pretendemos causar nenhum mal à srta. Evans. Certo. E uma
guerra nuclear não causará nenhum mal ao planeta, também.
— Todavia, vocês terão de me dizer por que querem ver Julie.
— soou a voz de Gabe vindo do celeiro. — Quem são seus amigos,
Julie? — continuou ele, aproximando-se.
Ela abriu a boca para deter as palavras de Gabe, mas o homem mais
alto deu-lhe um olhar ameaçador, então perguntou:
— Você é Gabriel Ransom?
— Sim. Por quê? — Gabe chegou e parou ao lado dela.
Gabe tinha um mau pressentimento em relação aos dois estranhos.
Balançando o braço atrás de Julie, cobriu as mãos dela com as suas,
por segurança.
— Precisamos saber exatamente o que vocês querem. — Gabe
encarou o homem mais alto.
— Lamento, mas não podemos revelar isso. Nossas ordens são de
levá-la de volta. Isso é tudo.
— De volta para onde? — A voz de Julie era de pânico.
— Não vamos a lugar algum até que saibamos para onde e porquê.
Gabe fez um movimento para agarrar Julie e correr, mas o homem
mais baixo moveu a mão que estivera enfiada no bolso de seu paletó.
O volume do objeto no bolso parecia problemas na forma de um
revólver.
— Nem um movimento, Ransom — ordenou o homem. Temendo pela
vida de Julie, Gabe decidiu que o melhor era acompanhá-los.
— Acho que é melhor fazer o que eles pedem Julie. — Ele a fitou,
tentando passar uma mensagem para que ela mantivesse a calma
sob as atuais circunstâncias.
O homem mais alto assentiu.
— Bom discernimento, Sr. Ransom. — Ele deu um passo para o lado e
apontou para uma limusine preta estacionada além das árvores. —
Vocês vão na frente.
Gabe circulou os ombros de Julie com o braço, unindo-a a seu corpo, e
seguiu para o carro. O que os dois queriam? Alguém descobrira que
ele possuía o verdadeiro anel e mandara os dois sujeitos buscá-lo? O
estômago contorcia-se só de pensar que algum mal poderia
acontecer a Julie.
— Gabe? — Ela fitou-o com olhos suplicantes.
— Está tudo bem, querida. Não deixarei que nada de ruim nos
aconteça.
Como manteria a palavra, não tinha a menor idéia. Se fosse apenas
seu pescoço que estivesse a perigo, não teria dado a mínima para o
revólver, mas com Julie ali... Tudo que sabia com certeza era que, de
forma alguma, permitiria que alguém machucasse sua amada.

A viagem de carro parecia levar horas, sem que nem Gabe ou Julie
soubessem qual seria o destino final. Julie segurava-lhe o braço com
força. De vez em quando, ele beijava-lhe o topo da cabeça,
inspirando-lhe confiança.
— Onde eles estão nos levando? — perguntou ela, finalmente.
— Não sei.
Ele sentiu-se impotente para aliviar a ansiedade dela.
O sentimento o deixou amedrontado como nunca estivera na vida. Ali
estava a mulher que amava. E deveria ser capaz de fazer alguma
coisa para tirá-la daquela situação.
Seu cérebro funcionava em alta velocidade, tentando encontrar uma
solução para o problema. Descartou uma idéia atrás da outra, >
finalmente concluindo que tentaria subjugar os dois homens quando
chegassem no destino... onde quer que pudesse ser.
O carro virou numa estrada de terra, dando para um campo aberto
com uma longa pista de pouso e decolagem. Alguns edifícios e
diversos pequenos aviões estavam alinhados diante deles. No fim da
pista, oposta à limusine, um grande jato Lear branco esperava pronto
para decolar, tendo como emblema, em grandes letras vermelhas, as
palavras: Fazenda do Vale Perdido, que brilhavam ao sol do fim da
tarde.
— Oh, meu Deus!
O olhar confuso de Gabe desviou do jato para o rosto assustado de
Julie.
— O que é isso?
Sem mesmo olhar para ele, Julie voltou-se para os homens sentados
no banco da frente:
— Como vocês me encontraram?
— Encontrar você? — Gabe perguntou, mas foi totalmente ignorado.
O homem mais baixo, o mais sinistro dos dois, mostrou-lhe um mini
gravador.
— Você nos fez o favor de deixar isso ligado quando discutia que
estradas deviam pegar para evitar pessoas. — Ele pôs o gravador
para funcionar. Todos ouviram a conversa inteira de Julie e Gabe no
restaurante, e então o homem riu à socapa quando desligou o
pequeno aparelho. — Quando dissemos à dona do restaurante que
conhecíamos você e iríamos nos encontrar mais tarde, ela ficou muito
agradecia em nos entregar isso.
— O restaurante! Foi onde vi vocês dois. — Julie voltou-se para Gabe:
— Eu...
— Você os conhece? — Totalmente confuso, Gabe olhou primeiro para
Julie e depois para seus capturadores. — O que está acontecendo,
afinal de contas? E que avião é aquele?
Engolindo em seco, como se algo estivesse preso na garganta, Julie
assentiu em direção ao campo.
— E o avião de meu pai.
Ainda incapaz de entender o que se passava, Gabe desviou o olhar
para os dois homens e perguntou:
— Alguém vai me responder? O mais alto deu de ombros.
— Tudo que sei é que Paul Evans nos contratou para encontrar a filha

e levá-la de volta para Montana.
Os homens abriram a porta da limusine e esperaram que ambos
saíssem.
— O que isto tem a ver com Gabe? — A voz de Julie soava frenética.
O homem mais baixo pareceu ter grande prazer no alarme de Julie.
Contudo, o rosto do mais alto suavizou um pouco.
— Paul ordenou que não voltássemos sem você, senhorita, e sem...
— ele apontou um dedo para Gabe —, o homem que a seqüestrou.
Capítulo V
Seqüestro? — A voz de Gabe soou intrépida através do quieto campo
de aviação. — Julie, exijo uma explicação. Agora.
— Obtenha sua explicação a bordo, companheiro — disse o homem
mais baixo, pegando os braços de Gabe e de Julie e conduzindo-os
para a escadinha do avião.
Quando Gabe pensou novamente no seu plano de fuga, eles já
estavam na metade da rampa de acesso. Por que se incomodar, afinal
de contas? Era o pai de Julie, não um monstro.
Assim que entraram no jato, Gabe notou que Julie evitava seu olhar.
Ao se acomodaram no interior do avião, os dois homens trancaram a
porta e isolaram-se na cabine do piloto, Gabe voltou a atenção para
ela novamente.
— Bem? Você vai me contar o que está acontecendo? Por que seu pai
pensa que eu a seqüestrei?
— Julie o fitou, então reverteu o olhar para o colo, onde brincava com
a fivela do cinto de segurança. Pegando-lhe as mãos, Gabe
acrescentou: — Você já deve saber que não sou muito paciente.
— Bem, a verdade é que também não sei por que papai pensa que
você me seqüestrou. — Ela continuava a não encará-lo. Ele nem
mesmo deveria chegar em casa antes da próxima semana.
— Julie?
Olhando-o finalmente, ela disse:
— Talvez ele apenas presumiu que eu tivesse sido seqüestrada, e
quando estes sujeitos me viram com você, acharam que você fosse o
suposto seqüestrador. Não é incomum para Paul chegar às piores
conclusões. É o que ele faz melhor. — Ela fez uma pausa. Quando
falou outra vez, a voz era quase um sussurro:
— Talvez seja porque eu parti sem dizer nada a ele.
— Você fugiu de casa?
— Não. Deixei um bilhete dizendo que eu me hospedaria com uma
amiga.
—Ouvindo Gabe praguejar, ela acrescentou:—Gabe, eu sabia que se
contasse a meu pai para onde eu estava indo, ele tentaria me impedir
com outra de suas pequenas chantagens. — Ela suspirou. — Você não
tem idéia do que ele é capaz de fazer para manter suas posses em
segurança. Ele fingiu um ataque cardíaco na última vez que pensou
que eu estava partindo.
— Então esta não é a primeira vez que você fugiu?
— Não. Sim. Oh, não sei. Nunca pensei em deixar a fazenda até

então.
A história toda estava além da compreensão de Gabe.
— Tudo bem. Deixe-me ver se entendo. Você nunca fugiu antes, mas
seu pai teve que fingir um ataque cardíaco para evitar que você
fugisse.
Ela assentiu.
— Certo.
— Bem, está tudo muito claro agora — zombou ele. Julie suspirou e
acomodou-se melhor no assento.
— Ótimo.
— Como, ótimo? — Ele segurou-lhe os ombros. — Não tenho a mínima
idéia do que você está falando.
— Mas você acabou de dizer...
— Sei o que acabei de dizer. E é melhor você começar a falar tudo em
termos que eu possa entender. Então talvez eu compreenda por que
estou sendo arrastado para a prisão sem ter cometido nenhum crime.
— Ele não o mandará para a prisão. Não permitirei. Mas, tudo bem,
explicarei melhor. E tudo muito simples.
Simples? Nada em Julie Evans era muito simples. Os motores do avião
foram ligados e ele alçou vôo. Julie apertou a mão de Gabe e fechou
os olhos.
Sentindo a reação que as unhas dela provocava na sua pele, Gabe
iniciou a conversa para acalmá-la:
— Se a explicação é tão simples, estou esperando.
— Quando eu ainda era bebê, minha mãe decidiu nos abandonar e ir
para a Califórnia tentar uma carreira artística. Ela sempre amou o
palco e teve algumas pequenas participações em peças antes de
casar-se com meu pai.
— A coloração do rosto de Julie voltava aos poucos depois do efeito
da decolagem. Ela olhou para as mãos de ambos entrelaçadas e,
como que percebendo de repente o que estava fazendo, liberou a
mão, dando-lhe um sorriso de desculpas. — Detesto decolagens.
Continuando, meus pais conheceram-se em Nova York. Minha mãe
era uma substituta da estrela num show da Broadway.
Gabe franziu o cenho.
— E?
— E ela prometeu voltar em seis meses. Meu pai não gostou da idéia,
mas deixou-a ir.
-— Você já não disse antes que ela jamais voltou? Julie concordou.
— Paul criou-me. Isso é tudo que sei. Meu pai nunca falou sobre ela.
O que eu lhe contei, soube pelos trabalhadores da fazenda que
estavam lá quando ela partiu. — Ela fez uma pausa e o olhou. — Não
quero que você pense que não amo meu pai ou que ele não me ama.
Eu o adoro e ele me ama demais.
— Demais? Como é amar demais uma pessoa?
— Quando Paul perdeu minha mãe, transferiu para mim todo o amor
que tinha por ela. Foi quando eu me tornei o centro de sua vida.
Como resultado, ele me sufocou. Manteve-me com rédeas curtas,
para não me perder, também.
— Ela olhou para fora da janela, vendo o céu azul entremeado de

nuvens.
— Nunca entendi realmente até que ouvi Ezra falando com Martha.
Acho que ele precisava de alguém para amar e eu era a candidata
mais provável.
Ela se calou por instantes e pôs-se a admirar a paisagem pela janela.
Gabe esperou.
— Os ataques cardíacos e outras coisas que ele fingia para manterme na fazenda não passavam de uma maneira de me pedir para não
deixá-lo... embora eu nunca tivesse falado nada sobre partir.
— Então, o que a fez mudar de idéia?
— Meu aniversário. Amanhã. Farei vinte e sete anos.
— Seu aniversário? Não lhe ocorreu que seu pai pudesse apressar
seus negócios de viagem, para estar em casa com você neste dia tão
especial?
— Ninguém pode saber o que se passa na cabeça dele, Gabe, você
não entende. Eu tinha de fugir. A vida simplesmente passava por
mim. Se eu ficasse, passaria a vida inteira na fazenda, com exceção
de algumas viagens para leilão de gado através do país. Eu precisava
conhecer o mundo, ver alguma coisa diferente.
Gabe recostou-se no espaldar do assento e fechou os olhos. Estava
começando a entender por que ela fugira. Isto porém, ainda não
explicava a história do suposto seqüestro.
Pretendia perguntar, mas ela recomeçou a falar:
— Na semana passada, Paul foi para a Europa comprar alguns touros
ingleses para cruzar com nossas matrizes. Calculei que èra a hora
perfeita para eu partir. Quando ele voltasse, eu já teria ido embora.
Planejei ligar de Los Angeles e avisá-lo que estava bem. — Ela deu de
ombros. — Quem poderia imaginar que ele aparecesse mais cedo e
pensasse que eu tinha sido seqüestrada e mandasse seguranças
atrás de mim?
Gabe não respondeu.
— Não se preocupe — disse ela, batendo-lhe de leve na mão.
—Assim que chegarmos na fazenda, vamos esclarecer tudo. Então
poderemos voltar para a casa de Ezra, pegar a motocicleta e retornar
à estrada outra vez.
Gabe sabia que aquela era sua chance de romper com Julie. Deixá-la
para trás e fazer uma fuga limpa, livre e sem responsabilidades.
Então por que não conseguia dizer as palavras? Abriu a boca para
falar, mas fechou-a em seguida. Mais tarde lhe diria que os dois não
iriam a lugar algum juntos.
Gabe fechou os olhos por um longo momento, esperando que Julie
pensasse que estava dormindo. Precisava resolver a situação.
Finalmente, falou:
— Há alguma verdade nisso tudo, Julie? Há algo em você que seja
genuíno?
— Você acreditaria se eu dissesse que sim?
— Não.
Ele voltou a olhar pela janela.
Julie quis gritar com ele, bater-lhe no peito, convencê-lo de que a
noite anterior tinha sido verdadeira. Mais verdadeira do que qualquer

coisa que já lhe acontecera na vida. Queria dizer-lhe que o amava que
sempre o amaria, independente do que acontecesse. Todavia,
conservou-se em silêncio. De que adiantaria?
Ela observou o perfil de Gabe, perguntando-se por que motivo
envolvera-se emocionalmente com um homem que lembrava tanto
seu próprio pai, um homem que a sufocava com excesso de cuidados.
Gabe a protegera, disso ela não tinha dúvida, mas sufocar? Não. Ele a
deixara livre para tomar decisões por si própria. Paul nunca fizera
isso.
Em vez de permitir que Julie experimentasse a vida, ele chamara seus
"cães de guarda" e a levara de volta.
Não fazia diferença para ele que Julie pudesse não querer viver a vida
cuidando de gado, cortando e embalando feno, e cozinhando para
uma dúzia de homens na fazenda. Paul sentia que isso era o melhor
para ela, ou melhor, para seu modo de pensar. Não se importava com
os desejos da filha.
Tudo bem, talvez ser uma atriz não fosse a profissão ideal para Julie.
Talvez tivesse escolhido a carreira exclusivamente por causa da mãe.
Talvez tivesse sido muito impetuosa. Mas precisava descobrir tais
coisas por conta. E isso nunca aconteceria vivendo sob o amor
sufocante do pai. Quando chegassem à fazenda, ela faria Paul
entender isso... Logo depois que tivesse certeza que ele não iria
mandar Gabe para a prisão acusado de seqüestro.
Os raios de sol entrando através da janela fez o anel brilhar.
Nervosamente, ela o torceu no dedo. Deveria contar a Gabe que
podia removê-lo do dedo com facilidade agora. Porém, mais uma vez,
a idéia de que ele pudesse abandoná-la fez com que se mantivesse
calada.
Uma última mentira para prolongar o tempo que ainda tinham, juntos.
Esta não é a maneira correta de conservar um homem, Julie. Ou ele a
ama e quer estar com você ou não a ama. Se ele não ama, então o
anel não vai mudar isso.
Ela tentou ignorar a voz da consciência, mas não foi capaz. Nunca
conseguira ignorar a lógica, e agora não era hora de começar. Se
Gabe não a amava, então manter o anel somente retardaria o
inevitável... a separação dos dois. Não importava o quanto isso a
ferisse, esperaria até que toda aquela confusão fosse esclarecida com
seu pai, e então devolveria o anel.
Suspirando profundamente, inclinou a cabeça para trás.
Quando o carro que usaram para viajar até a casa principal estacionou em frente da mansão, os nervos de Julie estavam em
frangalhos. Decidir enfrentar o pai era uma coisa. Realmente fazer
isso, era outra bem diferente. Ela respirou fundo e desceu do veículo.
— Julie, minha criança linda! — exclamou o pai, correndo em sua
direção.
Ele lhe deu um abraço apertado, os olhos azuis brilhando de
felicidade. O rosto corado por anos de sol abriu-se num sorriso largo.
As roupas, inteiramente de brim, eram imaculadas, e as botas
mostravam pouquíssimo uso... O típico fazendeiro bem-sucedido.
A recepção tão calorosa dava a impressão de que ele não a via havia

quatro anos e não apenas quatro dias.
— Você está bem? — Paul correu as mãos ao longo dos braços da
filha.
— Ele a feriu? — Com expressão irada, olhou para Gabe parado ao
lado do carro.
Desvencilhando-se do abraço do pai, Julie o encarou.
— Estou bem, papai. E Gabe não me feriu. Por que feriria? Paul riu
ironicamente.
— É claro que ele não feriria você. Não pode exigir resgate por
mercadoria danificada, não é?
Gabe deu um passo à frente.
— Um momento...
Os dois homens que os acompanhavam seguraram Gabe.
— Tranquem-no no depósito de carvão. Lidarei com ele depois de
conversar com minha filha.
Julie afastou-se do pai e aproximou-se de Gabe. Olhando para os dois
homens, ordenou:
— Paul, mande-os soltar Gabe agora. — Os homens esperaram pela
permissão, porém o pai dela não se mexeu. Julie segurou o braço de
Gabe.
— Se ele for para o depósito de carvão, então irei com ele.
Paul tentou discutir, mas desistiu. Consentindo com um gesto de
cabeça, os homens liberaram Gabe.
— Vocês, rapazes, podem ir embora. Obrigado, e digam a Sam que
lhe mandarei um cheque para cobrir seus serviços.
Julie finalmente percebeu quem eram aqueles homens. Seu pai usara
a agência de Sam Briscoe para rastrear criadores de gado que lhe
interessavam. Por que não usá-los também para ir atrás de uma filha
fugitiva?
Ser posta na mesma categoria do gado do pai tornou a
possessividade de Paul ainda mais intolerável.
— Ele roubou suas roupas?
Ela lançou um olhar incrédulo para o pai.
— Não. Ele não roubou minhas roupas.
— Então, onde conseguiu esse trapo que está usando?
— Um amigo emprestou-me — respondeu, alisando o tecido
estampado de girassóis, com carinho. Afinal, aquele vestido tornarase um símbolo de amor.
— Um amigo. Ele tinha um cúmplice?
— Não. Por favor, deixe-me explicar antes que você chegue a mais
conclusões erradas. — Gabe afastou-se dela e deu um passo à frente.
— Por que não entramos? — sugeriu Paul. — Acho que podemos
esclarecer esse nefasto mal-entendido.
Ele olhou para Gabe, depois para Julie. Ela aproximou-se do homem
que amava e colocou a mão no braço dele. O anel brilhava ao sol de
Montana.
As sobrancelhas de Paul arquearam-se.
— Parece-me que há muita explicação a ser dada.
— Papai, não é o que você pensa.
— Não? — Ele girou e dirigiu-se à escada da larga varanda da frente,

e depois caminhou para dentro da casa, dirigindo-se ao escritório.
Por dentro, a casa continuava da mesma forma que Julie deixara. O
jornal dobrado perfeitamente sobre a mesa de café de pinho. O
chapéu de caubói de Paul estava pendurado num gancho na parede,
acima da larga escrivaninha.
Mas uma única coisa estava diferente. Debaixo de um dos livros
contábeis aparecia metade de uma foto de mulher. Seria sua mãe?
— Bem, quem vai explicar o que aconteceu? — Paul caminhou até a
lareira e tomou sua postura usual de apoiar um cotovelo sobre o
mantel de madeira que continha um vaso com cravos vermelhos.
Gabe se dirigiu a uma das grandes janelas que dava para a frente da
casa. Com as costas voltadas para Julie, mostrou claramente que
deixaria a explicação para ela.
De pé no meio do grande tapete que cobria o centro do assoalho de
tábuas de mogno, Julie sentiu-se mais sozinha do que quando estivera
na estrada deserta depois que perdera o ônibus.
— Antes de explicar qualquer coisa, quero saber por que você
mandou seus seguranças atrás de mim? E ainda por cima armados.
Paul empertigou-se.
— Armados?
— Armados, papai. Por quê? Você achou que eu deveria levar um tiro
antes que pudesse fugir novamente?
— Julie, não seja tola. Claro que não. Eu nunca pedi que levassem
armas. Se os homens portavam armas, a idéia foi deles. Não pense
que não ligarei para Sam. Vou saber como isso aconteceu. — Os olhos
de Paul arregalaram-se.
— Espere, era Harry quem estava armado?
— Harry?
— O mais baixo deles — Julie confirmou e Paul riu. — Harry tem usado
este truque de mão no bolso há anos. Sam não permite o uso de
armas de fogo.
Em vez de sentir-se aliviada, Julie ficou zangada por eles terem feito
Gabe e ela passarem por tolos. Olhou para Gabe, para sentir qual fora
sua reação, mas a atenção dele estava voltada fora da janela,
abstendo-se totalmente da discussão.
Ela sentiu uma sensação de vazio. Eleja teria partido?
Gabe não via nada mais além do reflexo de Julie no vidro da janela.
Seguia todos os movimentos dela e absorvia o som da voz. Enquanto
relatava ao pai como perdera o ônibus e tivera de aventurar-se na
estrada sozinha para encontrar ajuda, Gabe esperou e ouviu. Esta era
a história dela. Ele não interferiria. Julie entrara naquela confusão e
tinha de sair dela por conta própria.
O fato de Julie não se desculpar de seu comportamento, não usar
evasivas, não dizer mentiras, o fez sorrir. Teria sido muito fácil para
ela culpá-lo de tudo, mas não o culpou.
Felizmente Paul deixou a filha falar, permanecendo calado o tempo
todo.
— Então você entende? Gabe não me seqüestrou. Na verdade, ele me
salvou. Se não fosse por ele, só Deus sabe o que teria me acontecido.
Você lhe deve um pedido de desculpas. E gratidão.

O silêncio preencheu a sala.
Paul tirou o braço do mantel da lareira e enfiou as mãos nos bolsos
traseiros. Cabisbaixo, aproximou-se da janela.
— Acho que realmente devo-lhe um pedido de desculpas. Sinto muito.
Tirei conclusões precipitadas, mas quando algo diz respeito à minha
criança querida, tenho uma tendência a protegê-la em excesso. — Ele
estendeu a mão a Gabe. — Também quero agradecer-lhe por salvar
minha garotinha teimosa.
Gabe apertou a grande mão estendida.
— Acho que você fez tudo o que qualquer pai que ama a filha faria.
— Teria ele direito de intervir a favor de Julie? Por que não? Estaria
fora da vida deles muito em breve, e talvez Paul achasse melhor
saber por meio de um estranho do que pela própria filha.
— Mas penso que há algumas coisas que você deveria saber.
— Sim? — Paul olhou para a filha.
—Julie sempre será sua criancinha querida, mas ela tem direito de
fazer suas próprias escolhas na vida. — Gabe olhou para Julie.
— E, caso você não tenha notado, sua garotinha se transformou em
uma mulher.
Paul empertigou-se, o rosto tornou-se rubro.
— Como você ousa dizer-me como devo criar minha filha?
— Alguém tem que ousar, papai. — Julie deu um passo para o lado de
Gabe, como se precisasse de sua proteção. — Você certamente não
enxergou isso sozinho.
— Agora, esperem. — Gabe não fizera sua declaração para começar
uma nova disputa entre pai e filha. — Você fez um belo trabalho
criando sua filha, senhor. Ela é uma pessoa maravilhosa. Porém,
cresceu. Já está criada. Liberte-a.
Julie precisava experimentar e saborear sua liberdade pensou Gabe.
Não precisava de um pai que a superprotegesse ou a sufocasse. E
nem de um homem que fizesse a mesma coisa. Se Gabe a amava de
verdade, não podia deixar as emoções interferirem. Deveria libertá-la,
também.
Propositadamente, afastou-se dela. Evitando olhá-la, deu um passo à
frente e, mais uma vez, cumprimentou Paul.
— Agora que está tudo esclarecido, vou partir. Paul voltou-se para
Julie.
— E o que significa este anel? — O pai apontou para onde Julie
nervosamente torcia a jóia no dedo.
Ela olhou para Gabe, que se adiantou para acrescentar os detalhes da
história que Julie não mencionara:
— O anel é meu, senhor. Estou transportando-o para o museu em Los
Angeles. Julie estava apenas... Guardando-o para mim.
— Então vocês não estão casados? — A expressão de Paul refletia
alívio intenso.
— Não. — Gabe não podia suportar, encará-la. Uma dor lancinante
dominava seu coração. Dor por todas as coisas que jamais poderiam
existir entre eles.
— Não, não estamos casados.
Julie sentiu-se como se alguém tivesse despedaçado sua alma. Mas

por quê? Sabia, desde o princípio, que a única razão de Gabe tê-la
mantido por perto era por causa anel. Por que se surpreendia em vêlo pronto para a partida... sem ela? Bem, o mínimo qüe podia fazer
por ele e por si, era facilitar as coisas, tirando de uma vez por todas o
anel do dedo.
— Creio que isto pertence a você — murmurou fracamente,
estendendo-lhe o anel. Os olhos de Gabe arregalaram-se. — Desculpe-me. Eu deveria tê-lo devolvido antes.
— E por que não o fez?
Ela chegou muito perto da verdade, mas engoliu as palavras que a
fariam parecer mais tola do que já se sentia. Por que se incomodar?
Ele provavelmente acreditava que ela conservara o anel apenas para
obter uma carona na moto.
— Eu precisava de uma carona. Se eu lhe devolvesse o anel, você
teria me abandonado na primeira parada de ônibus. Eu teria perdido
a aventura de viajar para Los Angeles na garupa de uma moto. — Ela
forçou um largo sorriso. — Obrigada por tudo, Gabe. Obrigada por
ajudar-me a ver que existe vida além da cidadezinha de Bunyon Falls.
Virando-se em direção à porta, ela lançou um último olhar a Gabe.
— Se você me der licença, preciso tomar um banho. — Ela voltou-se,
então parou. — Diga a Ezra que mandarei entregar o vestido de
girassóis.
Afinal de contas, ele simbolizava amor entre um homem e uma
mulher, e ela tinha apenas metade dessa equação.
Gabe imaginou o que Julie estava fazendo naquele momento.
Estaria tendo uma outra discussão com o pai, ou regozijando-se com
a recém encontrada liberdade? Talvez estivesse planejando uma nova
aventura com uma outra pessoa.
A dor do último pensamento era mais do que ele podia suportar.
Tentou afastar a idéia da mente.
Qualquer que tivesse sido a escolha dela, não mais lhe dizia respeito.
Julie Evans não era mais motivo para sua preocupação. A
responsabilidade de Gabe por ela terminara quando a devolvera ao
pai e ela lhe entregara o anel. E deveria considerar-se com sorte que
a nova aventura dela não o incluísse.
Então, por que o pensamento não lhe trazia a mais leve onda de
felicidade? Sabia a resposta. Podia estar livre de Julie, mas ainda
carregava o amor que tinha por ela no coração.
Ele fizera algumas tolices na vida, porém, apaixonar-se por Julie Evans
fora a maior de todas.
Naquele momento, recordava-se de todas as razões pelas quais
deveria estar comemorando. Julie mentira para ele, não apenas uma
vez, mas sim três vezes. Contudo, considerando as circunstâncias,
desejaria que Laurie fizesse menos, se estivesse no lugar dela? Julie
encontrara-se pega numa armadilha em um quarto de motel com um
homem estranho, que lhe contara histórias assustadoras sobre uma
gangue de assassinos que cortaria seu dedo para pegar o anel. O que
ele esperava? Ela se protegera da única maneira que conhecia,
criando um noivo fictício que a esperava em Los Angeles.
Ele sorriu. Realmente, a mentira funcionara, mantendo-o à distância.

Julie esquecera-se de lhe dizer que o pai não sabia que ela partira e
que, se preciso fosse, o velho homem chamaria a polícia estadual
para trazê-la de volta. Porém, considerando a rédea emocional na
qual Paul a mantinha presa, de que outra forma Julie poderia libertarse? Gabe apenas desejava que ela tivesse confiado nele. Mas por que
deveria? Ele era apenas um outro homem, e a experiência dela com
homens que a levavam a sério não era muito boa.
Uma coisa que o intrigava, era que Julie o protegera, enfrentando
Paul. Podia apostar que ela nunca erguera a voz para o pai antes,
muito menos para desafiá-lo. Gabe sorriu. Julie era uma mulher de
personalidade forte e dominante.
Mas uma coisa ele não entendia. Se ela se sentia tão desconfortável
na garupa da moto, por que quisera prolongar a viagem, fingindo que
não conseguia tirar o anel do dedo?
Erguendo a mão, fitou a jóia que colocara no seu dedo mínimo. O sol
brilhava sobre as pedras, formando um arco-íris no estofado bege do
sofá, onde estava sentado.
Teria Julie gostado tanto assim do anel? Não. Ela deixara bem claro a
Hannah, no restaurante, o quanto achava a peça extravagante. Gabe
torceu a mão. As cores dançantes mudaram e vibraram,
esparramando-se pelo seu colo.
Um repentino pensamento o atingiu, fazendo-o franzir o cenho.
Poderia Julie ter conservado o anel preso no dedo em segredo,
simplesmente porque não queria deixá-lo? Afinal, dissera-lhe que
quando o anel saísse do dedo, a deixaria na primeira parada de
ônibus.
Seria possível que ela o amasse?
Após alguns momentos de reflexão, Gabe descartou o tolo pensamento.
De alguma maneira, ele estava mudado. Antes, não queria ter
responsabilidades. Agora queria tudo: um lar, esposa e uma família.
Isso o amedrontava, mas não podia negar que era exatamente o que
queria. Quando mudara? Não precisava procurar a resposta. Tudo
mudara no momento em que Julie entrara na sua vida.
A lembrança da excitação da irmã em libertar-se de seus cuidados
passou-lhe pela cabeça. Laurie exultara ao livrar-se da vigilância do
irmão mais velho. Julie deveria sentir-se da mesma forma em relação
ao pai. E Gabe não podia deixá-la trocar uma figura masculina por
outra na sua vida.
Sabia como ela se sentia ao "ser sufocada". Amando-a como ele a
amava, Gabe sabia que nunca seria capaz de deixar de protegê-la.
Como Ezra dissera tão sabiamente, "proteger" fazia parte do amor. E
ele realmente a amava, sempre a amaria.
Poderia estar morrendo por dentro, mas Julie seria deixada livre para
usar as próprias asas e experimentar a aventura que tanto ansiava. E
se, por uma intervenção do destino, os caminhos de ambos tinham se
cruzado, em breve ela esqueceria tudo sobre aquela história. O
pensamento de que Julie pudesse esquecê-lo para sempre, causou
uma dor profunda na alma de Gabe.
Julie entrou na cozinha da fazenda e pegou uma xícara do armário.

Servindo-se de café, sentou-se junto à mesa de pinho. Trajando seu
jeans usual e camiseta, olhou para fora da janela a extensão dos
acres da propriedade do pai. Uma brisa suave soprou no seu rosto,
carregando o ar com uma promessa de chuva e fragrância de pinho.
O cheiro do pinho trouxe-lhe a lembrança do mesmo aroma que
sentira quando estivera agarrada à cintura de Gabe na garupa da
moto. Ela tentou afastar as memórias, mas não conseguiu. Lágrimas
brotaram nos olhos.
— Quer companhia?
A voz de Paul tirou-a dos pensamentos.
Limpando as lágrimas com o dorso da mão, forçou um sorriso e
acenou para a cadeira mais próxima.
— Claro.
Por um longo tempo, nenhum deles falou. Paul quebrou o silêncio
primeiro:
— Tenho visto você vagando triste por aqui a semana toda e cheguei
a uma conclusão. É hora de conversarmos, minha querida.
— Sobre o quê? — Ela realmente não tinha vontade de conversar. Só
queria ficar sozinha.
— Sobre sua mãe.
A declaração inesperada do pai imediatamente captou o interesse
dela.
Paul sempre evitara falar sobre a mãe, e ela, sabendo que isso
causava muita dor, nunca o pressionara.
O pouco que Julie soubera sobre sua mãe foi por intermédio dos
empregados da fazenda que trabalhavam na casa desde o tempo que
a mãe vivia ali. As lembranças deles eram poucas e bastante
nebulosas.
Ela acariciou a mão do pai.
— Não precisamos conversar sobre isso, papai.
— Sim. Precisamos. — Ele suspirou e pegou as mãos da filha. —
Deveríamos ter tido essa conversa há muito tempo. Foi preciso que
você fugisse de mim para eu perceber a necessidade disso. Talvez, se
tivéssemos falado no assunto antes, teríamos nos entendido muito
melhor.
— Somente se você quiser e se estiver certo de que não se
machucará.
— Vai doer, minha querida. Eu nunca quis falar sobre isso, mas, por
você, posso suportar um pouco de dor. — Ele sorriu e Julie detectou
um brilho nos olhos azuis que nunca vira antes. — Quando tinha sua
idade, eu era obstinado e teimoso. — Paul lhe deu um breve sorriso.
— Muito parecido com você. Eu queria ir para a cidade. Meu pai disse
que não havia nada na cidade, exceto problemas, e que eu deveria
ficar aqui na fazenda. Eu quase en-louqueci o velho com meus rogos
antes que papai finalmente cedesse. — Paul levantou-se, serviu-se de
uma caneca de café e retornou à mesa. — Ele estava certo. Encontrei
problemas, sim. Na verdade, um único problema. Sua mãe. — Ele
suspirou, assumindo uma expressão nostálgica no rosto.—Com os
cabelos avermelhados e mais brilhantes que eu já tinha visto, e olhos
da cor das colinas verdes, sua mãe foi a mulher mais bela que j á

caminhou sobre a terra, na minha opinião. Mesmo o nome, Louisa,
soava como música para meus ouvidos de rapaz caipira.
— Eu me pareço com mamãe? — Julie sempre suspeitara que sim,
uma vez que suas feições lembravam o lado da família do pai. Agora,
tendo isso confirmado, deu-lhe uma conexão com a mãe que nunca
conhecera.
— Claro que sim, minha querida. E eu fiquei atraído por ela
imediatamente. Eu queria casar-me e trazê-la para cá.—Ele olhou
para fora da janela. — Mas sua mãe acabara de conquistar uma boa
participação num musical da Broadway e não queria abandonar a
peça.
Os olhos de Paul focalizaram um passado que ela não podia enxergar.
Julie de repente se sentiu esquecida. As feições do pai suavizaram-se,
perdendo os sulcos que o tempo e a aridez do clima de Montana
haviam gravado no rosto dele. Pela primeira vez na vida, Julie viu o
pai em paz..
— Louisa tentou dizer-me que as coisas estavam indo muito rápido.
Ela precisava pensar, mas eu não tinha tempo. Meu pai dera-me uma
semana, e então eu tinha que voltar à fazenda para um rodeio. Uma
vez que não planejava vir sem ela, usei de toda energia para
convencê-la que pertencíamos um ao outro, mas esqueci-me de dizerlhe que nós moraríamos no fim do mundo.
Ele ficou calado. Julie deu um gole no seu café, esperando que ele
continuasse. Como seu pai não prosseguiu, ela tocou-lhe amão.
— Desculpe-me. Fiquei um pouco perdido nas minhas lembranças por
um segundo. Onde eu estava?
— Você esqueceu-se de contar à mamãe sobre a fazenda e a isolação.
— Oh, sim. Bem, quando ela viu a casa, e guarde na memória, a
propriedade não era tão grande como agora, Louisa chorou. Levou
alguns meses para eu descobrir que aquelas lágrimas não eram de
felicidade. Na verdade, ela tentou gostar daqui, mas sua personalidade de mulher da cidade nunca se acostumou a manejar bombas
de água e eletricidade, ou levantar-se antes do sol nascer e cozinhar
para duas dúzias de homens. Ela tentou por cerca de seis meses.
Então ficou grávida de você, e simplesmente desistiu de tentar.
Queria dar à luz num daqueles grandes hospitais da cidade, e eu exigi
que meu filho ou filha nascesse na mesma cama que eu nascera.
— Ele fez uma pausa, pensativo e meneou a cabeça. — Deus, como
eu era arrogante naquela época. Julie arqueou as sobrancelhas.
— Naquela época? Ele riu.
— Está certo. Ainda sou. De qualquer forma, você nasceu aqui como
eu queria. Poucos meses depois, Louisa começou a falar em ir para a
Califórnia, para tentar papéis no cinema. É claro, eu não estava
disposto a deixar minha esposa flanar em Hollywood, enquanto eu
ficava aqui com nosso bebê. E muito menos a deixá-la levar você,
mesmo se ela me implorasse. Eu não podia abandonar a fazenda.
Papai estava doente e tudo o mais. Portanto, neguei o pedido de sua
mãe e obriguei-a a ficar. — O olhar de Paul vagou perdidamente pelas
colinas do lado de fora da janela. — Costumávamos caminhar por
estas colinas algumas vezes, quando as coisas estavam bem entre

nós. Está vendo aquele ponto na colina além do horizonte?
Julie aquiesceu.
— É a abertura de uma caverna. Imagino que você tenha sido
concebida lá.
Ela corou.
— Este é um detalhe que eu poderia viver sem saber. Rindo, Paul
encheu novamente a caneca de café.
— De qualquer modo, poucos dias depois de nossa briga em razão da
vontade dela de partir, acordei num leito vazio. Ela partira no meio da
noite. Deixou um bilhete, dizendo que sentia muito e pedindo para
que eu cuidasse bem de você. — Ele calou-se e pôs a mão no ombro
da filha. — Independente do que sua mãe fez Julie, ela realmente a
amava. Eu nunca quis que você duvidasse disso.
— Nunca duvidei. — Até aquele momento, nunca considerara a
possibilidade da mãe não tê-la amado, mas era maravilhoso ter
aquele amor reafirmado pelo pai.
— Você foi atrás dela?
— Não. Não eu... Sou orgulhoso demais. Afinal, ela tinha me
abandonado. Louisa me escreveu diversas cartas depois que partiu.
— Cartas? — A idéia de poder ler as cartas da mãe excitaram-na.
— Por que você nunca me contou que havia cartas dela?
— Não as tenho mais. Eu estava furioso na época e queimava as
cartas na lareira no mesmo dia que chegavam, sem ao menos lê-las.
Então, veio uma quando você tinha cerca de seis anos. Finalmente,
rendi-me e a li. Ela dizia que estava vindo para casa, para nós.
Esperei e esperei, mas ela não veio.
— Paul pausou e engoliu em seco. — Uma semana depois, fiquei
sabendo que ela morrera num acidente de trem no caminho de volta.
O silêncio caiu sobre pai e filha.
Julie sempre pensara na mãe como se ela vivesse em algum lugar da
Califórnia. Levou algum tempo para conseguir aceitar sua morte.
— Papai, por que está me contando tudo isso agora?
—Porque não quero que você cometa o mesmo erro que cometi.
— Não entendi.
— Vá atrás dele.
— Atrás de quem?
— De seu jovem rapaz. Não o deixe sair da sua vida da maneira que
deixei sua mãe sair. Não passe uma vida inteira se lamentando do
que não viveu.
—Ele não quer assumir as responsabilidades de ter uma esposa exige.
Mais especificamente, ele não me quer.
— Eu cometi o erro de deduzir o que sua mãe sentia, também. Você
tem certeza absoluta de que ele não a ama? — Paul aproximou-se da
filha e envolveu-a num abraço carinhoso. — Eu vi o modo que ele
olhava para você, e não eram olhos de um homem apenas solidário.
Ele a ama, Julie. Ele a ama do jeito que um homem deve amar uma
mulher.
— Mas pensei que você não queria que eu deixasse a fazenda. Paul
abraçou-a mais forte e beijou-lhe o topo da cabeça.
— Um velho egoísta precisa sentir que não perderá alguém que ama.

A morte de sua mãe quase me matou. Se não fosse por você, não sei
o que seria de mim. Gastei todo meu amor e energia tentando fazer
você feliz, Julie, e, ao mesmo tempo, tentando provar a mim que você
podia ser feliz aqui, que nenhum de nós precisava de Louisa. — Ele riu
com desdém. — Isso mostra bem o quanto sou esperto. — Paul a
libertou e caminhou para a porta. — Gabe estava certo. É hora de eu
deixar você tomar suas próprias decisões.
— Papai?
Ele parou e virou-se.
— Sim?
— Eu o amo. Mesmo que eu partir, você sabe que sempre virei para
casa. Enquanto você estiver aqui, grande parte de mim estará aqui,
também.
Ele sorriu, uma lágrima escorreu pelo rosto marcado pelo sol.
— Obrigado. Sei disso agora, mas antes deixei que minha solidão
interferisse no nosso relacionamento. Nunca mais farei isso —
acrescentou, emocionado.
Julie viu o pai partir, as palavras dele aconselhando-a a procurar Gabe
ecoando em sua mente. Paul estaria certo?
Meneando a cabeça, ela pegou a jaqueta pendurada no cabide ao
lado da porta. Gabe queria o anel e independência. Nada mais. Não
queria uma mulher para complicar-lhe a vida.
Ela desceu a escada da varanda. Seu olhar focalizou o ponto na colina
onde o pai dissera fora concebida. Resoluta, caminhou em direção à
caverna, certa de que sua resposta estaria lá.
Da janela de seu quarto, Paul observou sua filha ir em busca de
respostas. Um sorriso aflorou na sua boca. Uma coisa que a filha
herdara da família Evans era lealdade. Quando Julie dava seu amor,
fazia isso incondicionalmente e para sempre. Se ele tivesse se lembrado disso, teria evitado muito sofrimento para ambos. Agora,
alguém mais precisava ser lembrado desse fato, e ele era o homem
que podia ajudar.
Observando sua filha amada desaparecer de vista, pegou o telefone.
Capítulo VI
Gabe vagou através dos altos e baixos da campina verdejante, o olhar
fixado num pequeno ponto escuro na rocha em frente.
Ainda não estava certo do motivo exato pelo qual estava ali. Paul
dissera apenas que Mie precisava dele.
Aquilo fora o suficiente. As palavras do homem mais velho tinham
deixado os nervos de Gabe à flor da pele. Três horas mais tarde,
chegara ao aeroporto de Los Angeles para embarcar no jato particular
de Paul. Depois do que parecera o mais longo vôo conhecido por um
homem, Gabe descera do jato no solo pavimentado da Fazenda do
Vale Perdido.
Paul lhe contara sobre o comportamento de Julie nos últimos dias.
Gabe não se alarmara pelo fato de saber que Julie, desde que ele
partira, vagara pela fazenda, afastada de qualquer atividade social.
Mas quando Paul lhe disse que, pelos últimos três dias, ela passava

horas na caverna perto da propriedade, ele ficou mais do que
preocupado.
Aquela não era a Julie que conhecia e amava. A sociável Julie adorava
interagir com as pessoas. A mulher que agora se isolava não lhe
parecia a mesma que queria perseguir uma carreira no cinema.
O fato de ela estar agindo dessa forma o deixava com raiva. Afinal,
ele não abrira mão de seu amor, sofrendo com isso, para que ela se
escondesse numa caverna. Desejava apenas que ela desfrutasse da
nova liberdade.
A última semana e meia que estavam separados, ele sentira o
coração dilacerar-se aos poucos.
Na verdade, não sabia por mais quanto tempo suportaria a situação.
Mantivera-se ocupado, mergulhado no trabalho e tentando não
pensar na mulher que amava e não podia ter.
Com o dinheiro que o museu lhe pagara, mesmo a despeito da tardia
entrega, fora capaz de finalmente dar ao seu negócio o impulso que
sempre sonhara. Mas não encontrou prazer nisso. Sem Julie para
compartilhar suas realizações, a vida era vazia e monótona. Sem
sentido.
A campina verdejante apresentou-se à sua frente com um espinhaço
de pedras e árvores. No meio de um bosque de pinheiros, Gabe
localizou a boca da caverna e entrou, à procura de Julie.
Ele podia não saber por que eslava ali, mas de uma coisa tinha
certeza: desistir de Julie fora a coisa mais difícil que já fizera na vida,
contudo, isso não poderia ser comparado a vê-la evadir-se
novamente. Não teria forças para fazer isso pela segunda vez.
Julie estava deitada no cobertor que estendera sobre o solo da rasa
caverna. O calor do sol ardente infiltrara-se pela entrada, aquecendo
a caverna e mantendo-a seca e aconchegante, o lugar ideal para um
sério exame de consciência.
Fechando os olhos, como fizera nos últimos três dias, tentou imaginar
os pais fazendo amor numa tarde de verão, na escuridão segregada.
Mas, como nas vezes anteriores, a visão não se solidificaria, e nem
sua decisão de ir ou não procurar por Gabe.
Indo até a caverna todos os dias, ela teve a impressão de que
encontraria uma resposta. Talvez a essência da mãe permanecesse
na caverna e pudesse ajudá-la a chegar à conclusão final sobre Gabe
e ela. Mas não obtivera resposta alguma.
Ela o amava muito e desejava confessar-lhe isso. Mas, e se ele não a
amasse? Poderia suportar a humilhação da rejeição?
Por outro lado, poderia arriscar-se a não descobrir a verdade, e perdêlo para sempre, como Paul perdera sua mãe?
Ela suspirou e levantou-se do cobertor, para vagar pela caverna.
Um galho fino estalou do lado de fora, assustando-a. Ela deu um
passo atrás. Sentindo uma dor no tornozelo, descobriu que o pé ficara
preso entre duas pedras. Curvando-se, tentou liberar o pé, mas não
conseguiu.
— Presa outra vez?
A voz profunda fez o coração de Julie disparar. Evitou olhar para cima,
com medo que sua imaginação estivesse pregando-lhe uma peça. Ao

mesmo tempo, temeu que, se não olhasse, aquela imagem de Gabe
desvaneceria tão rápido quanto aparecera.
Com o coração batendo em disparada, ergueu a cabeça.
Ali, com um halo de luz em virtude do sol que vinha de fora, pôde ver
a silhueta de um homem muito grande. Não precisava ver-lhe o rosto
para saber que era Gabe. A reação do seu corpo inteiro já fizera isso
por ela.
Por que estava sempre numa situação lastimável quando ele
aparecia?
— O que você está fazendo aqui? — perguntou zangada.
— Seu pai pediu-me que eu viesse. Posso entender por que agora.
Você precisa de um guardião, querida.
Guardião? Por que não um amor? Um companheiro de vida, alguém
com quem possa envelhecer ao lado. Alguém para segurar as chaves
da minha vida.
Ela foi atingida pela força do impacto das palavras dele.
Paul chamara Gabe para ir protegê-la.
A excitação em vê-lo desapareceu por completo.
— Esta é a razão pela qual você está aqui, para proteger-me? Se eu
quisesse proteção, Gabriel Ransom, compraria um dober-mann.
Quando você e meu pai aprenderão que sou uma mulher adulta? Não
preciso de um homem pairando sobre mim, para ver se não tropeço e
não caio.
Ele não disse uma palavra. Apenas sorriu e olhou para os pés presos
de Julie.

Isso foi um acidente. Acidentes acontecem às pessoas —
murmurou, encarando-o.
O sorriso dele alargou-se.
— Perdoe-me se declaro que você parece sofrer mais esses acidentes
do que a maioria das pessoas.
Uma brisa soprou através da abertura da caverna, trazendo consigo o
cheiro que ela sempre associaria a Gabe: ar fresco e raio de sol.
Seus joelhos fraquejaram.
Ela tentou novamente libertar os pés presos, mas não teve sucesso.
Ficaria ali até que descobrissem seu corpo, mas não pediria ajuda a
Gabe.
— Proteger-me — sussurrou ela. — Como se eu não pudesse tomar
conta de mim. Como se fosse uma criança desmiolada do jardim da
infância.
— Você vai ficar aí resmungando até destruir o pé ou vai pedir ajuda?
— Não pediria a você nem que me dissesse as horas. — Ela afastou o
olhar e lhe deu as costas. Ele continuava ali, rindo de modo irônico. —
Você não tem algum lugar para ir, como, por exemplo, ver a rainha
carregando as jóias da coroa de volta para o Palácio de Buckingham
ou coisa parecida? — Ela detestou ser sarcástica, mas isso a ajudava
a conter a vontade de atirar-se nos braços dele e pedir-lhe para não
deixá-la nunca mais. — Vá embora.
Ele meneou a cabeça.
— Acho que não posso fazer isso.
— Por que não? Não há nada que prenda você aqui. Sorrindo e

olhando para os pés presos de Julie, ele disse:
— Diferente de algumas pessoas.
— Engraçadinho, Ransom.
— Bonita, Evans — respondeu ele.
Julie, você tem um problema, murmurou ela. Para um homem que
queria protegê-la, o olhar dele estava muito sexy, muito predatório e
ela não podia fugir... mesmo se quisesse.
— Por favor, deixe-me ajudá-la. Ajuda?
A mente dela criou imediatamente muitas imagens. Ele poderia
ajudá-la a banir a dor que partia seu coração em mil pedaços. Então
poderia descobrir um modo de fazê-la esquecer-se dele quando fosse
embora, outra vez. Mas, por ora, Gabe estava ali.
Silenciosamente, ela concordou. De modo gentil, porém com firmeza,
ele pegou-lhe o tornozelo. Com uma delicada pressão, liberou-a.
Sem notar, Gabe continuou segurando-lhe o tornozelo, o calor da pele
impregnando a palma de sua mão. Devagar, deslizou a mão ao longo
da perna esguia até a borda da calcinha. Julie emitiu um pequeno
gemido. Ele endireitou o corpo, e segurou-a pelos quadris, depois
subiu as mãos para a cintura de Julie e parou nessa posição.
Quando estavam olho a olho, inclinou-se em direção a ela. Podia
sentir o doce calor da respiração de Julie roçando sua boca.
De repente, ela se afastou seguindo para o outro lado da caverna.
— Por que você veio aqui, afinal? Por que não ficou em Los Angeles?
— Eu já lhe falei.
— Você poderia ter recusado o pedido de meu pai e retrucado que
resolvesse os próprios problemas.
— Sim, eu poderia ter feito isso.
— E por que não fez? — Ela deu um passo em direção a ele. Gabe
piscou.
— Seu pai disse que você precisava de mim. — Gabe notou que ela
ficou desapontada. — O que você quer que eu diga, Julie? Que voltei
porque tudo que eu estava esperando era um pretexto para vir? Que
voltei porque comecei a sentir que minha vida se transformou num
lamento amargo sem você? Que voltei por que... Porque estou tão
apaixonado por você que não podia dormir ou comer?
Julie o encarou.
— Somente confesse se isso for verdade. Que você não pensa em
mim como um estorvo, e que não está fazendo isso por dever ou por
senso de responsabilidade.
Era hora de dizer a verdade sobre seus sentimentos.
—Não posso negar que temo assumir responsabilidades, como deixei
claro desde o princípio. Tente entender que passei muitos anos
criando minha irmã, sendo responsável por ela. A última coisa que eu
estava procurando era alguém para tomar conta, para proteger.
— Que coisa insuportável! Aí está a palavra proteção novamente.
Alguma vez pedi-lhe que me protegesse? — Ela avançou contra ele,
furiosa.
— Pedi? Gabe meneou a cabeça.
— Não, você não pediu. Mas o que teria acontecido se eu não a
tivesse protegido? Diga-me. — Ele segurou-lhe os ombros e sacudiu-

os.
— Você estaria lutando contra uma sala cheia de motoqueiros
luxuriosos.
A raiva que ele estava sentindo desvaneceu-se ao toque da pele
macia contra a sua.
—Julie, falta de responsabilidade significa indiferença e eu não posso
ser indiferente a você. Deus sabe que tentei, mas não posso.
Uma leve esperança começou a crescer no interior de Julie. Estaria
ele dizendo que se importava com ela e não apenas porque sentia
que tinha de protegê-la?
— Eu não estava lutando contra a responsabilidade de ter você por
perto
— sussurrou ele.
Ela rezou para que algum dia não lamentasse sua próxima pergunta:
—Contra o que você estava lutando? Certamente não agia como se
me quisesse por perto, exceto para não perder o anel de vista.
Gabe a soltou e passou os dedos pelos cabelos.
— Este é o problema. Eu queria muito você por perto.
— Não entendo você está me deixando confusa. Olhando-a com
carinho, Gabe puxou-a para si.
— Não sou bom com as palavras. Portanto, talvez você entenderá
isso.
No início, ele foi apenas gentil, cauteloso, como se, ao beijá-la
levemente, estivesse dando-lhe uma chance de afastar-se. Mas,
quando Julie foi receptiva, ele passou os braços ao seu redor e
abraçou-a contra si.
Pressionando a boca máscula, tornou-se exigente, como se fosse um
homem sedento diante de uma fonte de água na montanha.
Tudo que Julie podia pensar, tudo que podia sentir, era Gabe. Ela
rendeu-se à paixão, aquecendo-se na segurança do abraço dele.
Devagar, ele ergueu a cabeça e fitou dentro dos olhos dela.
— Você é parte da minha vida agora, Julie. E terá de me proteger
contra você. Ezra disse que é uma forma de amar alguém. O amor
muda tudo.
O coração de Julie batia descompassado no peito.
Estivera tão centrada em suas próprias necessidades que se esquecera que aqueles à sua volta também tinham necessidades. Primeiro seu pai e agora o homem que ela amava.
Lágrimas encheram seus olhos. Por mais que quisesse, por mais que
cada célula de seu corpo gritasse pedindo para que fizesse isso, não
podia deixar Gabe amá-la.
— Qual é o problema?
Julie olhou para Gabe e, vendo as perguntas nos olhos dele, desviou o
olhar. Vagarosamente, moveu-se para o cobertor e sentou-se com a
cabeça baixa.
— Não posso fazer isso com você.
— Fazer o quê? — perguntou ele com frustração na voz.
— Pedir a você que desista de sua independência por minha causa.
— Ela ergueu os olhos por um momento.
Passando as mãos pelos cabelos despenteados, Gabe começou a

andar pelo restrito espaço dentro da caverna.
— Oh, este é um grande momento para tornar-se nobre. Ela meneou
a cabeça.
— Não estou sendo nobre, e sim, lógica. Ele parou para encará-la.
—Você nunca teve um pensamento lógico desde que a conheci, Julie.
E se me permite dizer, não é hora apropriada para começar ater.
— Gabe, você acabou de livrar-se do fardo de tomar conta de sua
irmã. Está à beira de ver sua empresa transformar-se em tudo que
sempre sonhou. Por que iria querer-me por perto, atrasando sua vida?
Os olhos de Gabe tornaram-se opacos. Julie pensou que nunca o vira
tão zangado, nem mesmo quando pisara no pé dele. Nem mesmo
quando ele a encontrara com o anel enfiado no dedo.
Ela inclinou-se sobre o cobertor. Não porque estava com medo que
ele a espancasse. Não fazia o gênero de Gabe bater numa mulher.
Mas, precisava se afastar, criar uma espécie de armadura que a
impedisse de correr para ele e prometer que nunca o deixaria.
— Agora quem está tentando "proteger" e tomando decisões por
outras pessoas, sem consultá-las? — Ele parou diante dela, com as
mãos na cintura e os olhos flamejando. Debaixo do tecido branco da
camiseta, o peito se movimentava com a respiração descontrolada.
— Gabe, tente entender. Eu...
— Não. Não há nada a entender sobre isso. Você me ama, Julie?
Porque, se não ama, sairei desse buraco e você nunca mais me verá.
Agora, se você disser que me ama, vamos sair daqui juntos. E para
sempre. — Ela permaneceu silenciosa. — Estou certo de que haverá
ocasiões em que discutiremos, como todo casal. Mas eu a amo, Julie.
Prefiro enfrentar todo tipo de problema que possa surgir no futuro a
passar minha vida sem você. — Ele esperou.
— Não precisamos ser dependentes um do outro, a menos que você
queira isso. Há muito lugar em nossa vida para a sua profissão e para
meus negócios, para as coisas de que precisamos como indivíduos.
Mas há também muito espaço para nós dois, para amar e
compartilhar esta vida bonita.
— Outra vez, ele esperou. — Então, você me ama?
Como ela poderia lutar contra tal lógica? E se Gabe estava disposto a
sacrificar-se por ela, não podia fazer menos por ele. Lágrimas de
felicidade rolaram pelas faces de Julie. Ela as secou com as costas da
mão e fungou.
— É claro que o amo.
No instante seguinte, Gabe estava a seu lado no cobertor, envolvendo-a num abraço apaixonado.
— Então, isso é tudo que importa.
Ela abriu a boca para falar, mas ele a cobriu com a sua antes que ela
pudesse fazê-lo. Assim que Julie sentiu o beijo tomar conta de seus
sentidos, todos os pensamentos desapareceram. Ela abraçou-lhe o
pescoço e abriu a boca para recebê-lo.
Gabe sentia-se como se tivesse acabado de receber o maior presente
de sua vida. O corpo pulsava com nova energia, como se a vida
tivesse mais graça e significado.
Ele afastou os lábios e aninhou o rosto no pescoço de Julie, aspirando

a suave fragrância.
— Nunca achei que pudesse sentir falta de alguém como sinto de
você
— confessou ele num sussurro.
Julie apertou os braços em volta dos ombros másculos, puxando-o
para o refúgio de seu abraço.
— Oh, Gabe. Senti falta de você também. Segure-me mais perto.
Prometa-me que nunca se afastará mais do que o comprimento de
um braço, para o resto de nossa vida.
— Prometo.
Ele puxou-a mais para si. Os pequenos seios pressionados em seu
peito enlouquecia-o de desejo. Nunca fizera amor numa caverna até
aquele dia. E fazer amor com a mulher que tanto amava, era o que
mais desejava.
Apoiando-se sobre um cotovelo, gentilmente abriu os pequeninos
botões da blusa de Julie. Quando estavam todos abertos, deslizou a
mão por debaixo do tecido azul claro e acariciou os pequenos seios.
Ele ofegou com a visão e sorriu-lhe com ar travesso.
— Você estava esperando por mim, meu amor? Ela sorriu de volta e
passou a mão pelo peito largo.
— Não, mas uma garota tem de estar preparada para o inesperado.
— Conquanto seja eu o "inesperado".
O sorriso dela foi substituído por uma expressão séria.
— Você é o único homem que me fez sentir mulher. Quando você me
ama, eu sinto... sinto vontade de voar.
Ele lhe sorriu ternamente e a beijou.
— Isto é compreensível. Anjos são feitos para voar, mas vamos ver o
quão alto você pode voar. Você sabe que é um anjo em minha vida.
Antes que Julie pudesse dizer algo mais, Gabe a estava beijando
novamente. Tocando-a, explorando-a.
Os sentidos de Julie estavam em chamas.
Fizeram amor, lentamente, entregando-se de corpo e alma como se
estivessem tocando um pedacinho do céu.
— Você não respondeu minha pergunta — murmurou Gabe algum
tempo depois, entre beijos.
— Hum? — Julie aninhou-se ao corpo másculo. — Que pergunta?
— Perguntei se você se casaria comigo.
Julie arregalou os olhos e ergueu-se, apoiando-se sobre o cotovelo
para ver o rosto sorridente de Gabe.
— Você não me pediu em casamento.
— Como não? Claro que pedi.
— Quando?
— Bem antes de você ter aquele ataque de nobreza.
Julie sentou-se a seu lado, adorando o toque macio da coxa dele na
sua perna.
—Você disse que precisava me proteger. A palavra matrimônio nunca
apareceu na conversa.
Ele inclinou-se e beijou o ponto sensível entre os seios nus.
— Achei que o pedido de casamento estava implícito.
— Implícito? A única coisa que estava implícita era que você estava

me protegendo...
Com os lábios, Gabe impediu o resto da sentença. Muito próxima de
estar perdida nos beijos dele novamente, ela afastou-se.
— Não é educado interromper uma pessoa quando...
Desta vez o beijo durou mais tempo e cresceu em intensidade. Julie
precisou de toda a força de vontade para afastar-se.
— Há apenas uma coisa que quero ouvir você dizer — murmurou
Gabe.
— E o que é?
— A palavra sim.
Ela olhou-o por um momento e então sorriu.
Inclinando-se sobre Gabe, espalhou beijos por todo corpo dele. Entre
cada um dos beijos, murmurava a palavra que ele queria ouvir.
Quando o sol se pôs no horizonte, espalhando uma coloração dourada
sobre a pele de Julie, Gabe pegou seu jeans e se pôs a vasculhar o
bolso por alguns segundos, finalmente tirou uma pequena caixa.
Por alguma razão, conservara aquela caixa no bolso desde que lhe
haviam dado no museu.
Ele sorriu. Talvez sempre soubera que aquela era a única maneira que
as coisas poderiam terminar.
Pegando a mão direita de Julie, colocou uma cópia do anel no delicado
dedo anular.
Ela olhou para o anel e depois para Gabe.
— Gabriel Ransom, você não roubou isso, roubou?
— O que é isso, Julie? — Ele falou em tom de brincadeira.
— Esta é a segunda vez que você me acusa de roubo.
Ela deu-lhe um olhar exasperado.
— Bem, você deve admitir que tenho razão para minhas suspeitas.
Você fez tudo que foi possível para entregar este anel caro e antigo,
então, de repente, aparece com ele no bolso.
Ele deu uma gargalhada.
— Acho que você está certa. Mas não o roubei. Não é o anel
verdadeiro. Quando entreguei o verdadeiro, os diretores do museu
ficaram tão agradecidos, que me deram o falso, o qual estava exposto com toda pompa no museu. Não é nem de perto tão valioso,
mas é de ouro legítimo. Acho que as pedras são imitações mais
baratas.
Ele pegou-lhe a mão e levantou-a sob um raio de sol. Prismas das
cores do arco íris iluminaram o corpo de ambos.
— Eu lhe darei um verdadeiro anel de noivado quando voltarmos para
Los Angeles. Por enquanto, quero algo nesse dedo para lembrar a
todos os caubóis que a rodeiam por aqui que você está comprometida
e fora de alcance.
— Não quero outro anel.
— Mas você disse a Hannah que...
Desta vez, foi a vez de Julie interrompê-lo com um beijo.
— Eu sei o que disse a Hannah e também me recordo do que ela me
respondeu.
Gabe franziu o cenho.
— Ela disse que o anel não importava. O homem era importante. E

concordo plenamente.
— Uma coisa mais — ele puxou o anel — quero ter certeza de que,
desta vez, ele está preso para sempre.
Mal sabia ele que Julie arqueara o dedo um pouquinho. Não queria
arriscar-se.
Oito meses depois
— Então, como está sua namorada?
De sua cama de hospital, Julie olhou dentro dos olhos brilhantes do
pai. Na curva de seu braço, o filho recém-nascido descansava
tranqüilamente, sonolento depois de ter mamado.
— Marilyn é uma excelente pessoa. — Paul examinou o bebê. Julie
sorriu. Seu pai enrubescera. Ela quase não podia acreditar
no que via, mas o coração estava repleto de gratidão por ele finalmente ter começado a sair novamente e conhecer outras pessoas,
especialmente mulheres.
Marilyn Hasting acabara de comprar a fazenda vizinha do Vale
Perdido, e Julie percebia que o pai e a viúva tinham se tornado
inseparáveis desde a festa de casamento na igreja.
Tudo indicava que ela, Gabe e o pequeno Jacob participariam de uma
cerimônia de casamento muito em breve.
Paul estava afagando e balbuciando coisas amorosas para o neto.
Logo quem!. Seu pai, Paul Jacob Evans, barão do gado, estava
realmente murmurando ruídos ternos e ininteligíveis. Ele levantou os
olhos para encontrar os da filha.
— Ele é um rapazinho bonito. Você fez um bom serviço. Um sorriso
orgulhoso estampou-se no rosto de Julie.
— Acho que sim.
Paul deu uma gargalhada.
— Eu sempre soube que havia mágica naquela velha caverna.
— Papai!
Ele soubera. O tempo todo, o velho depravado soubera o que
acontecera entre ela e Gabe na caverna naquele dia.
— Venho tocando uma fazenda de criação de gado nos últimos
quarenta anos. Conheço muito bem quando há acasalamento no ar.
Ela quis parecer indignada, repreendê-lo pelas palavras rudes, mas
estava ciente de que era a maneira de o pai dizer que sabia que ela e
Gabe estavam apaixonados.
A porta abriu, e o pai orgulhoso entrou, carregando outro buquê de
flores. Julie já ganhara muitas flores de Gabe desde que o bebê
nascera. Contudo, as flores que Gabe trazia agora eram diferentes
das rosas vermelhas que lhe levara antes e diferentes dos cravos corde-rosa que Paul enviara. Agora eram girassóis. Uma neblina
embaçou-lhe a visão.
— Ezra me aconselhou a trazer girassóis. Disse que você entenderia
por quê.
— Gabe arrumou os girassóis num vaso, colocando-o sobre a mesa na
linha de visão de Julie.
Ela aprovou com um gesto de cabeça, muito emocionada para falar.
— Ele falou que espera que levemos o bebê para conhecê-lo antes do
batizado. — Gabe riu. — Ezra ficou muito feliz por ter sido convidado

para ser o padrinho de Jacob. — Inclinando-se, depositou um longo
beijo nos lábios da esposa.
— Acho que nada poderia tê-lo deixado mais radiante.
Paul pigarreou.
— Agora, vocês irão para a fazenda quando saírem do hospital. Já
contratei uma enfermeira, portanto, não terão de fazer nada, exceto
descansar e mimar este jovem rapazinho.
Gabe olhou para o sogro com impressão interrogativa.
— Fazenda? Julie vai para casa. Tenho uma enfermaria e uma
governanta que estarão à espera.
Paul empertigou-se.
Gabe tinha um olhar determinado.
Julie suspirou. Aquilo não era um bom sinal.
— Agora, espere um minuto. Estamos falando de minha filha e de
meu neto. Quero o melhor para eles, e descansar é o que Julie precisa
agora. É muito ruim que eles a queiram de volta naquele bendito set
de filmagem, em três semanas.
Gabe levantou-se.
— Estamos falando de minha esposa e de meu filho. Eu disse que ela
vai descansar na própria casa. Quanto ao cinema, Julie poderá julgar
por si mesma se estará bem em três semanas.
Julie sentiu-se aborrecida de estar entre os dois homens mais
teimosos que conhecia.
Havia tempo, resignara-se ao fato de que nenhum deles podia
realmente desistir da necessidade de protegê-la. E não gostava disso
mais do que um ano atrás.
— Este é o primeiro papel de Julie — argumentou Gabe. — Ela
batalhou muito por esta chance. E não quero que nada interfira nisso.
Ele cruzou os braços sobre o peito e encarou o sogro.
—Não estou tentando interferir. Só achei que seria melhor para ela e
o bebê.
— Paul também cruzou os braços sobre o peito e encarou o genro.
— Ademais...
Ignorando o debate ao pé de sua cama, Julie olhou para o rosto do
filho.
— Quando você crescer, meu amorzinho, vou ensinar-lhe a diferença
entre orientar e superproteger. Não quero um filho meu controlando e
dirigindo alguma pobre mulher.
Jacob piscou sonolento e ela podia jurar que ele estava sorrindo.
— Eu desisto...
— Faça do seu jeito...
Gabe e Paul falaram simultaneamente. Eles se entreolharam e um
repentino silêncio pairou no quarto. Quando Julie os olhou, ambos
estavam sorrindo, os olhos cheios de sentimento.
O amor a envolveu num casulo quente e protetor, configurado nos
três homens de sua vida. E, estranhamente, Julie não se importou em
absoluto.

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