Austin

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O dizer nas perspectivas de Austin, Grice e Ducrot
Rivânia Maria Trotta Sant’Ana1 Luiz Francisco Dias2

1 Introdução

Dentro dos estudos da linguagem, uma das grandes questões que se manteve ao longo dos anos foi a da relação entre a linguagem e o mundo. No campo dos estudos da significação, a questão foi abordada de várias formas, sendo possível perceber uma mudança de foco, que vai desde uma visão da relação existente entre as palavras e as coisas, essas últimas entendidas como entidades concretas do mundo extralinguístico, até uma visão que contempla a relação da linguagem com uma realidade discursiva. Os conceitos de sentido e referência, que sempre estiveram no centro das discussões acerca da grande questão, foram, portanto, ganhando contornos diferentes, conforme as perspectivas. A referência, por exemplo, que era vista como a relação entre a língua e uma entidade exterior a ela, o referente, pré-existente ao discurso, passa a ser considerada, em uma perspectiva enunciativa, uma relação que se constrói no discurso. Nesse percurso, nem sempre muito claro, em que as perspectivas ora se assemelham em alguns aspectos, ora se distinguem radicalmente, surge, com as chamadas teorias da enunciação, a possibilidade de colocar em foco o dizer, em oposição ao dito. Neste trabalho, apresentaremos os principais postulados das perspectivas de Austin, Grice e Ducrot, três autores importantes dentro das chamadas teorias da enunciação, com o objetivo de estabelecer o que poderiam ser suas concepções do dizer.

Professora da Universidade Federal de Ouro Preto, doutoranda em Estudos da Linguagem e bolsista da FAPEMIG.
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Professor Dr. da Universidade Federal de Minas Gerais.

2 A proposta de Austin

John Langshaw Austin propõe a teoria dos atos de fala, tendo como base os enunciados performativos. No texto “Performativo-Constativo”, apresentado pela primeira vez em 1958, o autor propõe o termo “performativo” para designar determinados enunciados que apresentam diferença em relação aos enunciados declarativos, chamados por ele de constativos. Inicialmente, ele apresenta o que seriam as diferenças entre esses dois tipos de enunciado: os enunciados constativos (ou declarativos) teriam a função de declarar e a propriedade de ser verdadeiros ou falsos, enquanto os enunciados performativos seriam atos de fala, isto é, ação, e não poderiam ter a propriedade da verdade ou da falsidade. Possibilitariam apenas críticas no que diz respeito a suas condições de produção, isto é, “condições exigidas para agir”3 Sem as condições apropriadas ao ato, os enunciados performativos são considerados “infelizes”. Exemplos de enunciados performativos seriam aqueles em que se faz uma promessa, uma advertência, um pedido, ou enunciados próprios de rituais de casamento, batizado, etc. Quando o padre diz “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”, ele está proferindo um enunciado performativo. É a partir desse enunciado que o batismo se dá. Estar batizado é algo que ocorre a partir do enunciado, portanto, na perspectiva inicial de Austin, esse enunciado é um ato, não é uma constatação, difere, portanto, dos enunciados constativos. Segundo o autor, esse tipo de enunciado não pode ser avaliado como verdadeiro ou falso, mas pode ser avaliado no que diz respeito a suas condições de produção, que devem ser apropriadas para que ele tenha efeito. No exemplo em questão, o enunciado só terá efeito, isto é, só será um ato que resultará no batismo de alguém, se for pronunciado por uma pessoa socialmente legitimada para tal, um padre ou pastor. Segundo o autor, há três espécies de infelicidade dos enunciados performativos: nulidade, abuso e quebra de compromisso. A nulidade se dá quando aquele que enuncia
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AUSTIN, 1958. In. OTTONI, 1998, p. 112.

não tem legitimidade social para tal ou quando o objeto para o qual se pretende realizar o ato não pode sustentar esse ato. Por exemplo, eu não posso batizar uma criança porque não tenho uma função social para isso; posso prometer algo para alguém, mas não posso prometer algo para a minha bicicleta, pois bicicletas não são entidades para as quais se costuma fazer promessas. O abuso se dá em decorrência da falta de sinceridade. Por exemplo, se eu prometo sem ter a intenção de cumprir a promessa, há abuso de fórmula, portanto, infelicidade do enunciado. A quebra de compromisso, por outro lado, diz respeito ao efeito do enunciado. Se, por exemplo, prometemos algo, com a intenção de cumprir a promessa, mas não cumprimos, então não estamos na regra, porque a regra é: se prometemos com a intenção de cumprir, cumprimos a promessa. O autor chama atenção para o fato de haver formas não explícitas de enunciados performativos. Um exemplo seria a palavra “cão” numa placa em frente a uma casa. Provavelmente, é uma advertência. Seria, portanto, necessário conhecer o contexto, as condições de produção do enunciado, para saber se ele é performativo ou constativo. Ao longo do artigo citado, o autor vai mostrando que a diferença percebida inicialmente entre os enunciados constativo e performativo, na verdade, com uma análise mais detalhada, vai perdendo força e, ao final, ele chega a se perguntar se não há uma dose de constatividade nos enunciados performativos e se não há uma dose de performatividade nos enunciados constativos. O que o leva a pensar na necessidade de uma teoria mais geral dos atos de fala, na qual a antítese constativo-performativo não se sustentaria. E se a antítese constativo-performativo não se sustentaria, pois todo enunciado é constativo e performativo ao mesmo tempo, então as condições de verdade não se aplicariam a nenhum enunciado, diferentemente do que havia sido proposto no início do artigo Ao final do texto, portanto, ele considera que todo enunciado é um ato, um ato de fala. Essa é a grande contribuição de Austin. Os enunciados são atos que, inclusive, podem mudar a situação social das pessoas envolvidas, no caso dos rituais, por exemplo, batismo e casamento. Esse é um postulado que muda todo um paradigma que considerava a anterioridade da existência do mundo em relação à linguagem. Dentro dessa configuração teórica, o sujeito não é, portanto, sujeito individual, é social e traz na sua voz as vozes representativas do seu papel. O dizer para ele não é um dizer que necessariamente carrega uma intencionalidade do indivíduo, é um dizer

marcado por toda uma configuração social, portanto, a intencionalidade de que ele se reveste é também uma intencionalidade social, logo, é um dizer que carrega contradições, que imprime direções, que cria realidades não apenas discursivas, mas também sociais. Para esse dizer ser captado de uma forma mais completa, é necessário que se olhe para o enunciado no contexto da enunciação.

3 A proposta de Grice

O Filósofo inglês Herbert Paul Grice ocupou-se prioritariamente da reflexão sobre o significado e a intencionalidade.4 Basicamente sobre os significados que são comunicados, mas não são ditos, isto é, não estão presentes materialmente no enunciado, são apenas sugeridos, estão implícitos. Os termos técnicos propostos por ele para lidar com esse fenômeno lingüístico são implicar (ou implicitar), implicado (ou implicitado) e implicatura. Em seu texto mais conhecido no Brasil, “Lógica e conversação”, originalmente publicado em 1975, Grice reflete acerca desses significados comunicados, mas não ditos, estabelecendo uma diferença entre os que não são ditos, mas estão “indicados” pelo material lingüístico e aqueles que não são ditos nem indicados pelo material lingüístico, mas ainda assim são comunicados numa situação de conversação. Ao primeiro tipo ele dá o nome de implicatura convencional e ao segundo, de implicatura conversacional. Exemplo de implicatura convencional seria Ele é um inglês; ele é, portanto, um bravo.i Nesse exemplo, embora não se diga literalmente que ser um bravo decorre de ser inglês, é o material lingüístico – no exemplo, a conjunção portanto – que ‘indica’ a relação estabelecida. No segundo tipo, porém, não há nada na materialidade lingüística que “indique” o que está implícito ou implicitado. A esses casos Grice dá o nome de implicatura conversacional, e o exemplo apresentado por ele é:
Suponha que A e B estejam conversando sobre um amigo comum C que está, atualmente, trabalhando num banco. A pergunta a B como C está se dando em seu emprego, e B retruca: Oh, muito bem,
Alguns dos títulos de seus escritos são: Meaning (1957), Utterer’s meaning (1968), Utterer’s meaning and intention (1969), Intention and uncertainty (1971), Logic and conversation (1975), Pressuposition and conversational implicature (1981)
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eu acho; ele gosta de seus colegas e ainda não foi preso. Neste ponto, A deve procurar o que B estava implicando, o que ele estava sugerindo, ou até mesmo o que ele quis dizer ao dizer que C ainda não tinha sido preso. A resposta poderia ser algo do tipo ‘C é o tipo de pessoa que tende a sucumbir às tentações provocadas por sua ocupação’, ou ‘os colegas de C são, na verdade, pessoas muito desagradáveis e desleais’, e assim por diante. Naturalmente, será desnecessário A fazer qualquer pergunta a B, pois a resposta, no contexto, é antecipadamente clara. Penso que é claro que tudo o que B implicou, sugeriu, significou, etc, neste exemplo é distinto do que B disse, que foi simplesmente que C não tinha sido preso ainda. (GRICE, 1975 In. DASCAL, 1982, p.84)

Devemos observar que o exemplo acima citado não é constituído apenas de uma frase, mas de toda uma explicação sobre uma situação conversacional em que o que é comunicado não está no que foi dito, nem está “indicado” por ele, sendo necessário conhecer elementos ligados à situação para entender o significado. Grice afirma estar interessado em estudar esse segundo tipo de implicatura. É importante salientar que o autor, embora reconheça que os significados desses enunciados dependem do contexto, pois é importante saber quem os enuncia, com que intenção, para que interlocutor, não se contenta em apenas dizer que é preciso conhecer o contexto para conhecer o significado. Para ele, as implicaturas conversacionais são “essencialmente conectadas com traços gerais do discurso”5. Isso porque, segundo ele, existem leis que regulam o uso da língua numa conversação, e a quebra de uma dessas leis ou máximas é que vai levar o interlocutor a fazer um cálculo para chegar ao significado que se constrói para além do dito, mas que faz parte do dizer o dito em determinadas condições, com uma determinada intencionalidade. Embora possa parecer que “aquele que diz” é o elemento mais importante da conversação, por causa da sua intencionalidade, na proposta de Grice o interlocutor também tem papel fundamental, uma vez que cabe a ele o cálculo que desvendará o que está subentendido no dizer do sujeito do discurso. Existe, portanto, numa conversação “perfeita”, uma relação de interlocução entre os sujeitos participantes. Mesmo que as leis que regem a conversação e que possibilitam a realização das implicaturas conversacionais sejam extralingüísticas, elas são leis que regem o uso da língua e dos discursos em situações de conversação. Então, de alguma maneira, o dito é elemento fundamental dentro da perspectiva de Grice, não pelo seu material lingüístico, ou não apenas por seu material lingüístico, mas por sua relação com as leis da conversação.
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GRICE, 1975. In. DASCAL, 1982, p. 86.

Talvez por isso ele afirme que, no sentido em que está usando a palavra dizer, “o que alguém disse está intimamente relacionado ao significado convencional das palavras (da sentença) que está usando”6. É esse significado convencional usado em um contexto ou de uma forma não convencional que leva ao cálculo para se chegar ao dizer que está para além do dito. Para o autor, o princípio básico que rege as conversações é o Princípio da Cooperação, segundo o qual devemos fazer nossa “contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que estamos engajados”. Esse princípio opera com quatro categorias sob as quais determinadas máximas agem, regulando as conversações. As quatro categorias e suas máximas são: • Quantidade: faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerido para o propósito da conversação;

• Qualidade: não diga o que você acredita ser falso; não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada; • Relação: seja relevante; • Modo: seja claro – evite obscuridade; evite ambigüidades, seja breve; seja ordenado.

Quebrar uma dessas máximas conversacionais e ainda estar operando com o Princípio da Cooperação é que possibilita a implicatura conversacional. O dizer para Grice, portanto, também está para além do dito, mas é resultado de uma intenção do falante e é recuperado pelo interlocutor por um cálculo que leva em conta o significado do que foi dito, o contexto do dizer e o cumprimento ou não das leis da conversação. As contradições não estão previstas por Grice, uma vez que na fala do sujeito está apenas a sua intenção. Sua fala pode ser imprecisa, mas não contraditória. Toda imprecisão da fala seria resolvida na conversação, com a participação do interlocutor, operando, ambos, com as leis da conversação.

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GRICE, 1975. In. DASCAL, 1982, P. 84-85

4 A perspectiva de Ducrot

Oswald Ducrot propôs a Teoria da Argumentação na Língua (ADL), que ele vem reelaborando ao longo dos anos e cujo principal postulado é que a argumentação está inscrita na própria língua. Todo o interesse de Ducrot está em explicar o funcionamento da língua. Não interessa a ele o extralinguístico, a não ser como pressuposto para sua teoria. Assim, ele também considera, desde a década de 70 do séc. XX, que há algo no dizer que não está no dito, mas, desde então, ele afirma que o seu objeto de estudo é a língua, é aquilo que da materialidade da língua aponta para o dizer. Para dar conta de manter o seu propósito, ele vai alterando a sua proposta teórica, que já passou por três versões. A primeira, em que ele estuda os implícitos e a pressuposição lingüística: tipo de subentendido inscrito na materialidade lingüística. Um exemplo clássico de pressuposição é o enunciado “João parou de fumar”, em que haveria dois enunciados: o posto, que é o enunciado “João parou de fumar”, e o pressuposto “João fumava”. O verbo parar, no pretérito perfeito, no primeiro enunciado, indica o fim de um processo. Ora, se João parou de fumar, é porque ele fumava no passado. No livro Princípios de semântica lingüística, em que aborda o tema, ele trata de certas expressões argumentativas, tais como “pouco” e “um pouco”, que conteriam instruções sobre a orientação argumentativa dos enunciados; trata também das descrições definidas e seus pressupostos existenciais, mostrando que a existência que está em jogo não tem a ver exatamente com o que se costuma chamar de “realidade”7. A questão da referência, para ele, já nessa fase é vista como uma relação que se estabelece no discurso. O fato de haver expressões argumentativas é bastante satisfatório para a sua proposta de estudar a argumentação na língua, mas a dificuldade de descrever essas expressões, denominadas por ele de operadores argumentativos, o fato de haver frases com o mesmo operador, mas que levam a conclusões diferentes, e frases com operadores diferentes, que levam à mesma conclusão8, além da existência de enunciados

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DUCROT, s/d, p.239. CAMPOS, Revista Da ABRALIN, v. 6, n.2, p.142, jul./dez. 2007.

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mais complexos, nos quais são percebidos pontos de vista diferentes, provocam a necessidade de repensar a teoria. A segunda versão da sua Teoria da Argumentação na Língua, a chamada Teoria dos Topoi Argumentativos, considera a polifonia na linguagem: entendida como o conjunto de vozes presentes no enunciado. Como decorrência da noção de polifonia, o conceito de sujeito para Ducrot é dividido em três entidades: o locutor, o eu do discurso, aquele que é responsável pelo enunciado; o sujeito no discurso9. Se na versão standard a argumentação era descrita a partir dos enunciados, cujo valor argumentativo era definido a partir de um conjunto de conclusões possíveis para os mesmos, na segunda versão, a argumentação passa a ser descrita a partir dos enunciadores10, e o “valor argumentativo passa a ser entendido como parte constitutiva do enunciado”11. É postulado um princípio argumentativo, o topos, que é constituidor do enunciado e o orienta argumentativamente em direção à conclusão. O topos é entendido como um saber partilhado por uma comunidade, ou é apresentado no enunciado como tal. Nessa fase, Ducrot define o sentido de uma palavra como um feixe de topoi12 e entende os topoi como fontes de discurso. Em entrevista concedida a Heronides Maurílio de Melo Moura, em 1998, já num estágio mais avançado da Teoria dos Topoi, ao responder à pergunta sobre se ele concorda que “o sentido de uma palavra é constituído por um conjunto vago de crenças e inferências”, considerando que os topoi sejam esse conjunto vago, ele responde que concorda com a noção de vagueza dos topoi, mas não concorda com a tradução que se faz de topoi como conjunto de crenças e inferências. Para ele, os topoi, diferentemente das crenças, não constituem uma relação empírico, ser real, material, pertencente ao mundo

extralinguístico; e os enunciadores, seres responsáveis pelos pontos de vista presentes

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DELANOY, Cadernos FAPA,2008. CAMPOS, Revista da ABRALIN, v.6,n.2, p.144, jul./dez. 2007. IDEM DUCROT, 1995. Apud. MOURA, 1998.

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entre dois conceitos, mas constituem, por si mesmos, relações complexas. Ele exemplifica:
Por exemplo, um topos segundo o qual a riqueza traz felicidade não põe em relação uma idéia de riqueza e uma idéia de felicidade, mas constitui a noção de uma felicidade obtida a partir da riqueza e de uma riqueza suscetível de trazer felicidade.13

Da mesma forma, nessa perspectiva, topois não deveriam ser entendidos como inferências, mas como possibilidades de encadeamentos discursivos. Por isso ele entende os topoi como fontes de discurso. Quando, por exemplo, o locutor diz “O trabalho descansa”, ele: ...convoca um enunciador que afirma o cansaço provocado pelo trabalho, de acordo com a opinião comum e com o que é designado pelos topoi que descrevem a palavra em questão; porém, um outro enunciador é acionado quando o locutor afirma que o trabalho descansa. Este enunciador, ao qual o locutor se identifica, predica o trabalho com a propriedade do descanso. Assim, a atribuição da propriedade descanso à palavra trabalho se faz por meio do jogo polifônico da enunciação; não é à significação da palavra que se atribui tal propriedade.14

Essa visão dos topoi acaba por criar um paradoxo para a proposta de estudo da semântica lingüística de Ducrot, pois é considerada referencialista, uma vez “a propriedade do descanso” é atribuída “às atividades relacionadas ao trabalho”, próprias do mundo extralinguístico. Como reelaboração do modelo teórico, para focar os mecanismos de funcionamento internos da língua, Ducrot e Carel propõem a Teoria dos Blocos Semânticos, terceira e atual versão da Teoria da Argumentação na Língua. Nessa versão, a idéia de que há um topos, que é o princípio argumentativo, é abandonada, para dar lugar à proposta de que a argumentação lingüística se dá por um encadeamento argumentativo constituído de dois segmentos de discurso unidos por um conectivo – que pode ser do tipo normativo ou do tipo transgressivo, respectivamente, portanto e no entanto –, formando um bloco de sentido. A fórmula do encadeamento argumentativo é

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MOURA, 1998. CAMPOS, Revista da ABRALIN, v. 6, n. 2, p. 155, jul./dez. 2007.

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X CON Y, cuja tradução é a conexão estabelecida entre dois segmentos X e Y, que são interdependentes, isto é, o sentido de um constitui o sentido do outro. Exemplo de encadeamento argumentativo normativo é o enunciado “Paulo é prudente, portanto Maria confia nele.”, e de encadeamento transgressivo, “Paulo é prudente, no entanto Maria não confia nele”.15 Formulando mais detalhadamente a teoria, Ducrot e Carel distinguem argumentação externa e interna e argumentação estrutural e contextual. Não pretendemos abordar esses conceitos, uma vez que não cabe a nossos propósitos aqui, mas gostaríamos de chamar atenção para o fato de Ducrot e Carel estarem propondo, ao lado da argumentação estrutural, a contextual. O primeiro tipo é a argumentação realizada pela língua, nesse caso, os aspectos argumentativos de uma palavra pertencem à significação lingüística da mesma e aparecem em todos os empregos possíveis para ela. Constituem casos de argumentação estrutural as argumentações interna e externa. Já a argumentação contextual é realizada pelo discurso. Como exemplo, temos “João é virtuoso, no entanto tem alguns amigos”. Nesse enunciado temos uma argumentação contextual porque não há nada na língua que permite associar a palavra virtuoso ao aspecto virtuoso NE amado. Só o contexto poderia permitir essa associação. Nessa terceira versão da Teoria da Argumentação na Língua, Ducrot não fala de argumentação apenas em enunciados, traz a argumentação para o léxico. Generaliza, todas as palavras, plenas e gramaticais seriam argumentativas, apresentariam direções argumentativas. A argumentação, portanto, está na língua. Nessa versão, Ducrot se propõe estabelecer uma classificação semântica das palavras da língua. Há, portanto, um movimento no sentido de tornar a teoria cada vez mais lexicalista e não referencialista, porque, para Ducrot, não é ao mundo que a língua se reporta, mas ao discurso. No texto “Os iternalizadores”16, Ducrot afirma que, na medida em que ele tem tratado de palavras, o seu trabalho se relaciona com a microssemântica, mas que também é uma macrossemântica na medida em que ele “faz intervir o discurso, a título constitutivo, na descrição semântica de qualquer expressão”. Para ele, só o discurso é doador de sentido. É, portanto, pré-condição para a significação.

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IDEM, p. 158 DUCROT, Letras de Hoje, v. 37, n. 3, p. 7, 2002

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Se o sentido de uma palavra está nas suas direções argumentativas e se só o discurso é doador de sentido, então podemos entender que as direções argumentativas são dadas pelo discurso, mas estão inscritas nas palavras. Assim, a palavra evoca o discurso. E se o discurso pode ser entendido, na perspectiva de Ducrot, como o conjunto de falas anteriores, podemos entender que a noção de polifonia permanece nessa versão da teoria e que o conceito de sujeito tripartido também se mantém. Dessa forma, podemos considerar que o dizer para Ducrot, é maior que o dito; é contraditório, uma vez que evoca muitas falas anteriores, que podem estar de acordo ou não com esse dizer do presente; é argumentativo, portanto, diretivo; mas é um dizer que é captável pela língua e captado por ela, por isso é possível chegar ao dizer a partir do dito.

5 Conclusão
Para os três autores, o dizer é algo que se configura para além do dito, mas há algumas diferenças em suas perspectivas, e essas diferenças têm uma relação com os conceitos de sujeito de cada um deles. Grice fala de sujeitos individuais que interagem numa situação de conversação. O seu conceito de dizer está marcado pela intencionalidade desse sujeito. É, portanto, um dizer em que não há contradição, porque é um dizer de um único sujeito. Já Austin fala de sujeitos enquanto papéis sociais, o seu dizer é, portanto, dialógico, não é um dizer marcado necessariamente pela intencionalidade do sujeito enquanto indivíduo. O dizer na perspectiva de Ducrot se assemelha mais ao de Austin no que diz respeito ao aspecto dialógico, é um dizer que é constituído de outros dizeres. Por outro lado, o papel que o contexto tem para a captação do dizer é diferente em Austin e em Ducrot. Na perspectiva teórica de Austin, o papel do contexto extralingüístico é maior do que na perspectiva de Ducrot. Para Ducrot, pelo enunciado pode-se captar o dizer, embora o dizer seja maior que o dito, isso porque os enunciados, em sua materialidade lingüística guardam as direções argumentativas do dizer e, em alguma medida, o dizer é afetado pelas direções argumentativas guardadas na memória da língua.

4 Bibliografia

AUSTIN, J. J. Performativo-constativo. In: OTTONI, P. Visão performativa da linguagem. Campinas: Ed. Da UNICAMP, 1998, p.109-144. ________. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. CAMPOS, Cláudia Mendes. O percurso de Ducrot na Teoria da Argumentação na Língua. Revista da ABRALIN, v. 6, n. 2, p.139-169, jul./dez.2007. DELANOY, Cláudio Primo. As marcas do locutor e o sentido do discurso. Cadernos FAPA, n. especial, 2008 (www.fapa.com.br/cadernosfapa) DONNELLAN, K. Reference and definite descriptons. In: STEINBERG, D.D. & JAKOBOVITS, L.A. (Eds) Semantics. Cambridge: University Press, 1971, p. 100-114. DUCROT, O. Princípios de semântica lingüística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, s/d. ________. Os internalizadores. Letras de Hoje, Porto alegre, v. 37, n° 3, 2002, p. 7-26. FREGE, G. Sobre o sentido e a referência. In:________. Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo: Cultrix/ Ed. Da USP, 1978, p.59-86. GRICE, HP. Lógica e conversação. In: DASCAL, m. Fundamentos metodológicos da lingüística. Campinas: Edição particular, 1982, p. 81-103. MOURA, Heronides M. de M. Semântica e argumentação: diálogo com Oswald Ducrot. DELTA, v. 14, n.1, São Paulo, fev. 1998. Consultada in. http://www.scielo.br, em 6/02/2009. OLIVEIRA, R.P. Noções básicas para se operar um sistema formal. In: ________Semântica formal: uma breve introdução. Campinas: Mercado de Letras, 2001, p.129-171. POSSENTI, S. O que significa “o sentido depende da enunciação?” In: BRAIT, B (Org) Estudos enunciativos no Brasil: histórias e perspectivas. Campinas: Pontes/FAPESP, 2001, p. 187-199 TEIXEIRA, C. Estão os significados na cabeça? Crítica (revista on line), Lisboa, mar. 2003. In: HTTP://www.criticanarede.com/fil_putnamsearle.html

i

GRICE, 1975. In. DASCAL, 1982, p. 85.

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