Bipolar

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Content

BIPOLAR
(ou)
SETE PEIXES NO LAGO DOS
SAPOS

Eu_Nao_Sou [ENS]

Título:
Bipolar
[ou Sete Peixes no Lago dos Sapos]
2º Edição [2005]
Ano:
2003

(c) Copyleft 2005 – É autorizada e incentivada a reprodução
deste livro para fins não comerciais nem partidários, desde
que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

Eu_Nao_Sou [ENS]:
Capa, Texto, Diagramação, Cópias e Distribuição

Agradecimentos:
Ao Zé, Tati, Teca, Beta, Valeska e todo pessoal da
Desassossego, pelo apoio e amizade.

2

SETE PEIXES NO LAGO DOS SAPOS
(aos peixes e vacas que voam)

sou.
não sou.

nem sei
se sei quem és.

não sou
quem fui.

nem sei se
um dia serei.

estou,
estive,
fugi daqui.

se fui ou serei
não sei.

só sei que estou
sem ter onde ir.

só sei que ser
é estar junto a ti.

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[email protected]
Sou o que sou... seja lá o que isso significa.
O que significa?
Eu não sei. Sério mesmo. Às vezes páro pra pensar sobre quem
sou eu e o que me faz ser assim como sou. Talvez tenha sido
uma família bagunçada, talvez o mundo em que eu vivo, talvez
os escritórios e tanta tecnologia, talvez um chamado espiritual...
não sei.
Eu não sei quem sou eu, mas acho que isso nem importa mais.
Ainda busco encontrar uma resposta, mas pelo que vejo, procurar
saber quem eu sou é muito mais interessante do que ter certeza
de alguma coisa e assumir um rótulo qualquer. É que no final das
contas, a confusão do ser tem um certo encantamento doentio. O
enigma e a incerteza são fascinantes!
Talvez eu devesse tentar me descrever segundo o que eu acho
que as pessoas vêem em mim. Pois bem: para uns eu sou um
desenho animado. Para outros sou invocado e ranzinza. Tem
gente que me acha orgulhoso e arrogante. Tem gente que me
acha tímido. Outros ainda acham que eu sou bipolar, ciclotímico,
esquizofrênico, maníaco depressivo ou portador de algum outro
tipo de psicose. Já me chamaram de poeta, escritor e até filósofo
(putz! Que merda!) Tem gente que acha que sou apenas um
sonhador, ou até mesmo algum tipo de profeta maluco como
aquele Inri Cristo. Algumas pessoas me vêem como um cara que
pensa numas coisas esquisitas e que gosta de viajar por aí. Tem
gente que até acha que um dia eu serei um pai de família e
tudo...
Talvez seja pretensão da minha parte procurar saber o que as
pessoas acham de mim, mas foda-se! Talvez eu seja mesmo
pretensioso. E daí?

Eu acho mesmo é que no fundo as pessoas só não me entendem
direito e confundem tudo ao meu respeito. Sei lá... ficam me
rotulando, dizendo que eu sou isso ou sou aquilo. Que merda! Eu
não gosto de rótulos! Não gosto de ter que ser isso ou aquilo!
Essas coisas me tiram a liberdade de ser o que sou. Acho mesmo
é que na verdade eu e todas as pessoas mais somos
simplesmente o que somos: infinitos por natureza.
Rótulos travam, imobilizam, nos impedem de mudar, evoluir,
retroceder e mudar de novo. É como um caminhão cheio de
concreto que descarrega todo aquele cimento fresco em cima da
gente. Dizem que estamos vencendo na vida, quando na verdade
estamos só estagnando num canto qualquer. Queremos ser e
acabamos por se iludir, porque quem quer ser alguma coisa é
quem ainda não é, e isso se resume em uma palavra: vaidade. E
é assim que são os rótulos: eles nos transformam em estátuas
imponentes e mortas.
.
.
.
Há pouco tomei um café e agora tô pensando nisso que escrevi
acima. Sabe, arrisco dizer que é a limitação a origem de toda
essa minha confusão de ser ou não ser. É que esse mundo que a
gente vive é muito cheio de limites. Nossa consciência é limitada,
nossos sentidos limitados, a matéria é limitada, nossa vida é
limitada. Tudo aquilo que termina é limitado. Eu procuro por algo
que não tenha limites, algo que não tenha fim. Acho que esse
algo é aquela floresta de imagens, idéias e vozes que cada
pessoa carrega dentro da própria cabeça. É aquele grande espaço
vazio que é ao mesmo tempo silencioso e barulhento e que
aparece quando a gente fecha os olhos. É o mesmo vazio caótico
e cheio de energia no qual nosso universo se sustenta.
Fritando, fritando.

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...é o nada que movimenta o tempo, expande os espaços, está
sempre presente e nunca é notado. O algo que permeia nossa
cabeça, nossa imaginação. É Deus. São as cores que pintam os
sonhos, que nos fazem lembrar de uma canção ou um sorriso. É a
memória do mundo e do sol. É o baú dos artistas, paraíso dos
malucos, inconsciente coletivo dos psicanalistas. É a imaginação
da criança, o suspiro da princesa que toca e inspira o poeta. É o
nada que é indefinido, infinito e a tudo se sobrepõe.
E aí eu abro os olhos e vejo esse mundinho cinza e cheio de
maldade, com gente matando gente, outros imersos em sua
própria arrogância, envaidecidos pela roupa nova ou pelo carro
novo que comprou. Vejo dor, sofrimento, burrice, falta de
respeito. Não vejo nada de bom quando abro os olhos. E aí então
eu os fecho novamente e volto para meu mundinho cheio de
coisas esquisitas, desordenadas e sem sentido. E fico lá um pouco
e mais um pouco. Quando me canso eu abro novamente os olhos
pra ver se o sol nasceu. E se nasceu eu fico de olhos abertos e
sigo caminhando pelas ruas e ruínas desse nosso mundinho de
horrores. Aí procuro alguma coisa legal para fazer até o sol se pôr
de novo. Depois volto a dormir.
Às vezes enche o saco essa coisa de não ser e acabar se tornando
uma metamorfose ambulante, porque a liberdade total pode
significar solidão, e não se apegar a nada às vezes faz a gente se
sentir um tanto quanto vazio. Acho que não atingi a compreensão
correta da filosofia zen da não-mente, porque tem hora que fica
faltando alguma verdade do ego para se apegar, sabe? O espaço
é frio. Falta um time de futebol para torcer, uma igreja para se
tornar membro, um conceito para se iludir. Algo que dê a
segurança e aquele sentimento de estar sendo protegido por algo
maior. Algo que dê uma base para ancorar os pés no chão.
Mas é que depois
mundo são cheias
apegar, porque no
pena de verdade.

que a gente percebe como as coisas desse
de ilusão, a gente perde a vontade de se
final das contas não tem nada que valha a
Tudo é tão passageiro. A felicidade é tão

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facilmente confundida com alegria... a diferença é que felicidade
não dá ressaca.
Mas às vezes tudo fica bem e eu posso sorrir disso tudo, sabe?
Vaidade ou não, sabe mesmo o que eu queria ser? Eu queria ser
um viajante do espaço, das terras, dos mares, dos estados
alterados de consciência. Queria sempre estar em movimento,
conhecendo algo novo e tudo mais. Gostaria de voar, nadar,
andar e pensar sem me afogar nem nada. Gostaria de ser livre
até mesmo de todo esse bla bla blá conceitual que eu fico
pensando para tentar explicar pra mim mesmo algumas coisas.
Gostaria apenas de ser livre de mim mesmo, sabe?
Mas esse mundo é meio complicado.
Na metafísica a gente sabe que esse mundo é limitado, que
devemos ser simplesmente o que somos e tudo mais, mas no fim
das contas acabamos sendo obrigados a fingir em muitas
situações para conseguir sobreviver em meio a sociedade e todos
seus fantasmas. O mundo é cão. A gente precisa comer, dormir.
Somos induzidos a consumir e criamos necessidades demais
devido ao jogo sujo do marketing e da economia, que tem que
girar o tempo todo. E se não estamos participando disso tudo
estamos excluídos, sozinhos, jogados em hospitais psiquiátricos.
Acabamos sendo taxados de vagabundos, passamos a ser os
"monstros" de quem todo mundo tem medo. Se não consumimos
e não participamos da ganância capitalista estamos fora de todo
o esquema. Acham que somos comunistas ou sei lá o quê. E eu
que nem sei o que é de fato comunismo...
Só sei que para estarmos dentro da parada precisamos ser todos
iguais e consumir tralhas o tempo todo. A grande quantidade de
tralha da nossa civilização. Uma civilização de plástico, cretina e
globalizada. Geração de idiotas em frente aos seus computadores
idiotas. Geração que aprendeu a ver o sol se pôr em monitores de
15 polegadas. Uma geração de cretinos na qual eu também faço

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parte, pois afinal de contas se eu não fosse um cretino como todo
mundo eu já teria ido morar no meio do mato.
Mas no final das contas a vida é bela e com sinceridade é possível
achar um meio termo entre o mundinho interno desordenado e
ilimitado, e o mundo externo e cheio de leis e mentiras. Eu vivo
dizendo que o mundo é cão, mas que a vida é bela. E eu acho
isso mesmo. Sabe, o mundo, os limites, as cretinices são foda! É
difícil. É cão. Mas no final da história, a vida em si é bela. É
bonito como as coisas acontecem. A beleza não está nos
elementos do espaço e tempo, mas sim na união entre espaço +
tempo, quando surge a beleza do movimento. O mundo é cão. E
o cão fica correndo infinitamente atrás do rabo.
.
.
.
Talvez a vida seja uma viagem, talvez seja um exílio. Talvez a
vida seja apenas uma opção entre as duas coisas. Seja lá como
for, eu acho mesmo é que vim de algum outro planeta com a
missão de arrumar uma mulher, plantar uma árvore e escrever
um livro. Então, agora que arrumei uma mulher e já plantei um
monte de árvores, quero acabar logo com essa palhaçada de
existência e vou terminar o último item para ver se volto logo de
onde vim. Vou escrever um livro.
Sete Peixes no Lago dos Sapos é um título que me veio em
mente há um tempo atrás. Esse título não tem nenhum
significado oculto que seja claro para mim mesmo, e o meu
objetivo com este trabalho, além do cumprimento de minha
tarefa - arrumar uma mulher, plantar uma árvore e escrever um
livro -, é também organizar minhas idéias para poder manter
minha psique organizada. É que esse negócio de globalização,
Internet, realidade virtual e tecnologia está me fritando o
cérebro. Um excesso de informações que gera um excesso de
idéias que amplia a vontade de pensar e inventar dores de
cabeça. E aí fico procurando meios de expressar os estados do

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ser, e já que não tenho nenhum divã para onde falar e dizer o
que sinto ou acredito, escrevo linhas tortas pra ver se endireitam
minha cabeça.
E é só isso que é o Sete Peixes no Lago dos Sapos: um livro onde
guardo meus registros existenciais. E eu sou apenas eu mesmo.
Seja lá o que isso possa significar...

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SOBRE OS TEXTOS QUE SEGUEM ABAIXO
Acho até que gostaria de ser alguém para contar minha história.
Falar das pessoas, das lembranças, dos abraços e tudo aquilo que
os grandes escritores escrevem em seus livros auto-biográficos.
Mas eu_não_sou um grande escritor e nem estou escrevendo
uma biografia.
Mas acho que gostaria mesmo de ter uma biografia, uma história
e tal, porque tudo o que tenho são apenas fragmentos de mim
mesmo espalhados por papéis, como um espelho quebrado
refletindo diversos pedaços de uma imagem.
Se eu_não_sou nada, de onde vem o reflexo desse espelho?
Sei lá...
(“sei lá” é diferente de “não sei”).
Gostaria de contar histórias e estórias, e gostaria de lembrar dos
tijolos e de todas pessoas que me ajudaram na construção de
mim mesmo.
Para isso eu precisaria estar construído...
No mais essencial, sei que apenas gostaria de alguém para
compartilhar dos meus sonhos, idéias e visões doentias que me
assustam ou me maravilham em noites de insônia e dias de
escritório e cafeína e um mundo virtual de zeros e uns e gente e
stress e medo e tensão e calor e frio e primavera e inverno e
verão e almoços com executivos engravatados e computadores.
Milhares de computadores. E mais café e surto maníaco,
depressivo, esquizóide, normalzinho. Chá de valeriana, melissa e
canela.
Queria falar das cores e formas dos meus sonhos, mas o poeta
morreu em um dia de junho. E as pessoas estão mortas. Todo

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mundo está morto. E ouço na calçada os últimos acordes do
violão mal tocado de um garoto que se tornou adulto.
Ele sabe que é o próximo a se prostituir.
E eu queria ouvir poesia e queria recitar mantras e ouvir alguém
dizer do começo da primavera e dos pés de pitanga nascendo
sobre as ruínas dos prédios e escritórios e tantas gravatas em
dias de calor e noites de céu vermelho, pesado e pessoas com
renite.
E aí me chamam de idiota, tapado, sonhador. Ou de louco,
psicótico, perigoso.
Sou perigoso apenas por não estar sob controle? Lembro do
professor de física falando da terceira lei de Newton que diz que
“a toda ação corresponde uma reação, com a mesma intensidade,
mesma direção e sentidos contrários”. O que dizer do número de
psicóticos que vem crescendo mais e mais nesse mundo cão que
a gente vive? Talvez essa seja a reação de que Newton falava.
Ah! Ele falava disso sim, ele sabia de tudo!
A força F (N) exercida pelo sistema e pela norma, subtraída da
força de atrito Fat (N) gerado pela individualidade das pessoas é
igual a insatisfação da alma coletiva do mundo M (Kg) pelo
instinto humano de sobrevivência A (m/s²).
F-Fat = M x A.
Aí depois alguém falou que a Terra era uma máquina e não tinha
vida. E falou que o corpo é uma máquina. E falou que tudo é uma
máquina. E o homem quis se tornar robô. E o índio ainda não
tinha esquecido e em um dia de frio e fome falou que perfurar a
terra para procurar ouro era como foder com a própria mãe. Ele
sabia de tudo. E eles todos, tão cheios de ambições e sonhos
errados foram todos correndo e cavando e fodendo e fodendo e
fodendo.

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Eles estupraram uma velha virgem.
E eles (força – F – exercida pela norma) querem sedar quem
ainda sente alguma coisa (força de atrito – Fat – gerada pela
individualidade das pessoas).
Fico aqui pensando: é melhor sentir dor ou não sentir mais nada?
A vida é uma viagem ou a vida é um exílio?
É melhor ter ordem ou é melhor ter liberdade?
Não sei, não sei, não sei.
Se eu conseguisse responder com certeza essas perguntas eu
acho que seria alguém e teria uma história para contar. Mas não
sei nada disso. E tudo o que tenho são fragmentos e pedaços de
papéis, os quais tento restituir aqui nessas páginas que seguem.
Note que os textos foram escritos durante várias semanas em
frente ao meu computador de trabalho, sob Crises de Felicidade
(mania) e Crises de Desespero (depressão), enquanto eu me
conectava à Desassossego (grupo virtual) e pra lá escrevia o que
se passava pelos meus neurônios.
Aqui fica meu agradecimento ao Otavio – fundador do grupo –, à
todos da “Desa” e todas outras comunidades virtuais que me
acolheram com todas minhas maluquices, e me cederam um
espaço para SER sem me expulsar apesar de eu falar tanta
abóbrinha.
É isso aí.

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BIPOLAR?
Sáb, 28 de Jun de 2003 10:36am
Uma vez eu já tava cansado de oscilar pra lá e pra cá, já havia
lido um bocado de literatura psiquiátrica e me auto-diagnostiquei
ciclotímico. Ou bipolar. Sei lá... não importa o rótulo, só sei que
tava fritando.
Saí do serviço. Teria que ir para o cursinho. Bateu um desespero.
Não sei. Fui parar lá no ponto de ônibus e de lá fui num hospital
pra marcar consulta com um psiquiatra. Na recepção eu falei:
- er... hmmm... eu queria marcar uma... ahn... consulta com um
psiquiatra.
Eu só queria qualquer remédio pra ver se parava de oscilar e
estabilizava meu humor. A muié da recepção olhou pro cara da
recepção. Olharam pra mim. Disseram:
- você tem que trazer comprovante de residência, cpf, rg, digital,
cartão de crédito, carteirinha de estudante...
Sei lá... ela pediu um monte de coisa e eu tava mal demais para
ficar aguentando aquele bla bla blá de burocracia e papéis. Mas
que droga! Porque eu preciso provar que eu sou eu com uma
droga de papel? Eu não sou eu? Ela não tava lá me olhando? Eu
era eu e precisava de ajuda. Só isso. Eu só queria bater um papo,
falar das cores dos meus sonhos e queria a droga do remédio pra
ver se melhorava. Mas ela não deu consulta, não deu remédio,
não deu nada. Ficou lá me olhando com cara de pena. Que droga!
Não gosto quando sentem pena de mim.
Sei que fiquei angustiado, desesperado. Cheguei em casa, deitei
na cama e fiquei olhando o teto. Queria não ter teto e olhar
estrelas. No outro dia eu tava normal. E no outro oscilei. Normal.
Normal. Mal. Pior ainda. Vontade de morrer, falta de coragem pra
se suicidar. Ah não! Eu sou quase budista! Sou quase artista! Não

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posso morrer assim de um jeito tão besta. Puxa vida, e tudo
aquilo que eu fiz?
Ah não! Essa coisa de sentir-se especial é coisa de psicótico. Que
droga! Eu não valho coisa nenhuma. Ou valho? Ai, não sei. Dois
sistemas de crenças diferentes saem aos tapas dentro da minha
cabeça dissociada.
Não sei. Eu sou eu. Sou daqui e de lá e estou meio confuso. Não
sei se vou ou se fico. Na verdade já disse que fico, mas e se eu
nem sabia pra onde ir, será que estou perdendo muita coisa?
Ah não... não se preocupa comigo não. Escrevo assim mas estou
em plena posse de minhas faculdades mentais. Claro que estou.
Eu estou bem. Só estou um pouco confuso e com sono, mas
apesar disso estou eufórico, agitado. É um quadro maníaco? Ah...
deve ser...
Nessa noite que passou eu não dormi nada e agora tô sozinho
aqui no escritório escutando Ramones bem alto e quase
dormindo, mas agora veio essa Crise de Felicidade e me salvou.
Crise de Felicidade é um nome mais bonito que Quadro Maníaco.
Mas eu tenho trabalho demais para fazer. Mas o trabalho é chato
demais. Então resolvi ficar aqui escrevendo. Posso?
Deixa vai!
Por favor!
Juro que sou inofensivo.
Quando falo isso penso em algumas pessoas que estão presentes
na minha vida. Esses dias atrás a menina que tenta conviver
comigo e com meus surtos tava lá com medo de mim. Primeiro
falou que eu era um robô insensível. Aí falei que em todo diálogo
eu preciso me tornar um robô para conseguir me concentrar e
dialogar. A linguagem é uma função lógica e eu sou abstrato. Ela

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falou que eu penso demais. Aí falei que quando eu posso abraçála eu não preciso pensar.
Depois ela falou que eu era doido demais pra ela e que ela não
acompanhava meu raciocínio. Mas se ela que é normal não
acompanha, será que eu sou mesmo o "louco" da história? Ah
sim... pode ser. Teve um cara lá que disse que a diferença entre
o "louco" e o "gênio" é que o louco se afoga em seus delírios,
enquanto o gênio consegue nadar.
Mas eu não sou gênio e nem sei nadar coisa nenhuma. Vivo lá
engolindo um monte de água. Mas, por outro lado, nunca morro
afogado e sempre consigo continuar respirando. Na maioria das
vezes me pego lá boiando pelo oceano, olhando o céu, as
estrelas, ouvindo música e sereias e vozes e tantas cores que
nem carecem de formas para me fazer ver sentido em viver e
estar aqui onde estou. O problema é quando as coisas escondidas
do mar vem me puxar. Fantasmas e dragões me puxam para as
profundezas geladas de desespero e horror. É quando tudo fica
escuro, sombrio e me sinto vazio e irreal.
Eu não sei o que tenho. Só sei que ninguém consegue me
convencer que meus delírios são delírios, porque, afinal de
contas, qual certeza que não é um delírio?

INTERNET
Seg, 30 de Jun de 2003 6:11pm
Sabe, eu convivo muito com a Internet e com o negócio que eu
tenho que eu sei lá se é transtorno afetivo ou sei lá... num
cheguei a falar com um psiquiatra. Só fiz um ano de psicoterapia
que não adiantou muita coisa porque eu num tinha muito o que
falar com a psicóloga. Como explicar para uma psicóloga - que
acha que todo mundo tem que ser feliz o tempo todo -, que
existem dias de sol e dias de chuva? Sei que aí eu resolvi fazer as
coisas do meu jeito. Até agora, aos trancos e barrancos, estou

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sobrevivendo. Às vezes consigo até viver, sabe? Existe muita
diferença entre viver e sobreviver...
Vejo um monte de gente andando de peito empinado enquanto
na verdade está se rastejando. Pessoas sobrevivendo, querendo
"vencer na vida" o tempo todo, quando na verdade, na vida não
há o que vencer, mas há muito o que viver e aprender e amar e
tudo mais.
Há um tempo atrás, com todas essas ferramentas da Internet, eu
criei uma comunidade virtual que me fritou e fritou um monte de
gente mais. Eu sei que é muito fácil de a gente largar o mundo
real para ficar fritando no mundo virtual. Ainda mais para mim
que fico nove horas do dia em frente ao computador aqui na
minha baia do escritório.
A Internet é uma máquina de vender ilusões.
Acontece que quando a gente convive muito com a web a gente
cria uma identidade virtual. De repente, com a comunidade que
eu havia criado eu era respeitado, conseguia expor minhas idéias
com clareza e tal... aí o "eu" real se confundia com o "eu" virtual.
No mundo virtual eu tinha respeito, admiração e tudo. No mundo
real eu era mais um cara andando com as mãos no bolso pela
calçada. E aí que enquanto o mundo virtual infla nosso ego, nos
fazendo pensar ser o que não somos, o mundo real é cheio de
agulhas que nos estouram e nos fazem voar alucinadamente, até
cair num pântano e ficar lá sem esperança de salvação ou
salvadores em vista. Mas isso só até a gente voltar a ficar
reafirmando o “eu” virtual, inflar nosso ego e começar tudo de
novo. E aí a gente oscila. Oscila. Oscila. Oscila. E depois, mesmo
sem web, a gente não consegue mais parar de oscilar porque já
estamos perdidos sem saber quem somos.
A realidade se torna dois pontos : definição. O reflexo do espelho
se modifica e não nos reconhecemos nunca. E aí eu deixo de te
ver, para ver o que você significa para mim. Fico rodeado de
contatos imaginários alimentando um mundo de fantasias da

17

minha cabeça. E as coisas não são como são, mas se tornam o
que quero que sejam. Modelo a percepção, para ver a realidade
como gostaria que ela fosse. O mundo real e todas suas agulhas
se tornam pesados demais. Morfina. Heroína. Sonho. Ilusão. Você
me lê agora, mas talvez não veja o que sou de fato, mas veja um
cara doido, eufórico. Ou talvez veja um verme rastejante. Tem
gente que acha até que eu sou um bom velhinho e me chamam
de senhor (!).
Com o advento da Internet e com a possibilidade de ser ouvido
por meio dos cabos e zeros e uns, as vozes de nossa cabeça
podem ganhar forma. As barreiras de tempo e espaço são
quebradas. O “penso, logo existo” de Descartes se torna algo
real.
Tô falando besteira.
Só sei que criamos um mundo de fantasias, de amigos
imaginários e muitas ilusões. Aí depois nos deparamos com a
dura e fria realidade tridimensional dos apertos de mãos e
sorrisos amarelos e hipocrisia e julgamentos que não são
expressos pelo verbo, mas pelos olhares. Percepção... falo de
perceber além do que deve ser percebido. Falo de perceber um
outro plano de realidade tão real quanto o plano ordinário, só que
mais sutil.
E se falamos algo sobre os tais olhares nos chamam de
paranóicos. E se falamos sobre qualquer percepção além do
ordinário falam que estamos delirando e tratam de nos sedar.
Mas qual é a percepção de realidade que não é um delírio? A
realidade é um grande delírio coletivo. Os físicos teóricos sabem
do que estou falando, assim como os místicos e loucos.
Sei que uma vez dentro do mundo dos sonhos, certos contatos
humanos e relações sociais tornam-se instáveis conforme nosso
humor. No mundo "civilizado" das pessoas "normais"
conseguimos conversar sem querer conversar, porque é muito
fingimento, não há nenhuma verdade. Mas quando a gente sente

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a pesada percepção nos fuzilando de informação, aí não tem
como fingir.
Já teve um pesadelo?
Não, não ache que sou doente. Tenho apenas um desvio social.
Sou assim como sou e ainda não me deformei o suficiente para
me encaixar nos moldes da sociedade. É difícil.
Como eu sou lunático, ninguém precisa ouvir o que eu estou
falando e nem me levar a sério. Ser meio xarope tem suas
vantagens sabe? Posso falar qualquer bobagem e cê não precisa
me dar atenção e nem acreditar no que eu digo. Só acho que a
solução para o desvio social (ou doença, como costumam falar) –
pelo menos no meu caso – não está nas drogas e sedativos e
todo arsenal químico que existe por aí. A solução está na
perseverança, consciência e organização mental do excesso de
informações e percepções que chegam até mesmo na pacífica
lagoa de sapos a coachar.

PSICOTERAPIA
Qui, 3 de Jul de 2003 1:11pm
Lembro que fiz tratamento psicoterapêutico, mas não adiantou
muita coisa. Eu ficava lá olhando a cara da psicóloga. Ela ficava
olhando pra mim. Talvez eu devesse fazer tratamento
psiquiátrico, mas sei lá... dava muito trabalho marcar uma
consulta e minha família não sabe de muita coisa que passa na
minha cabeça. Minha mãe pensa que eu sou um sábio ou sei lá o
quê. Ela dá corda à minha maluquice.
Uma vez um conhecido virtual me chamou de psicótico e falou
pra eu tomar cuidado para não me tornar esquizofrênico. Pode
ser. Quem sabe né?
Mas por outro lado, esquizofrenia, psicose, isso e aquilo são
apenas rótulos. Você é o que é. Se você se sente muito diferente

19

das pessoas, pode ser que seja um bom sinal, porque nem sua
digital, nem seu jeito de espirrar, nem sua íris são iguais a de
ninguém. Porque sua personalidade deveria ser?
Sabe, eu sou meio maluco, tagarela, com idéias absurdas e
deliróides, mas por outro lado me sinto em plena posse das
minhas faculdades mentais. Posso não conseguir me concentrar
nas aulas na faculdade, estar insatisfeito com o mundo e os
rumos que está tomando, não me expressar direito verbalmente,
ser meio anti-social e tudo, mas seja como for, eu sei o que estou
sentindo. Meu saber pode ser um delírio, mas qual saber que não
é um delírio?
A realidade que a gente vive foi fundamentada no que a gente
pensou. Imaginar é construir a realidade. Segundo Galileu, a
loucura não é uma patologia, mas apenas um desvio comum no
desenvolvimento de certas personalidades.
Se a coisa tá dose pra aguentar, acho bom fazer um
acompanhamento psiquiatrico, tomar os remédios e tudo. Só
acho que o cara que toma remédios não deve achar que é um
doente, porque não é!
Vejo os surtos, as "variações da lua" e oscilações do humor como
uma aparição repentina do inconsciente no consciente. É como
uma chuva. São ciclos. Ciclotimia. Talvez seja tua natureza
oscilar. E o que faz com isso? Não sei. A vida é tua. Sei que a
gente nasce com potencialidades. Tem gente que chama de dons.
Santo. Orixá. Sei lá do que chamam. Mas sei que a gente nasce
com essas potencialidades e aí temos que aprender o que fazer
com elas. Posso parecer algum religioso ou sei lá, mas o que eu
acredito, fora de qualquer religião, é que a gente tem que
aprender a direcionar nossos surtos para algo positivo.
Eu fico eufórico e vou escrever, ver alguém, conversar. Eu fico
deprimido. Vou ver o que aprontei, resolver.
Mas claro. Estou falando tudo isso com base em mim mesmo e

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apenas em mim. Não sei como você se sente. Não sei como
ninguém se sente. Às vezes identifico sensações, mas ninguém é
igual ninguém.
Tsc ah! Cansei de falar.

ADJETIVOS ENVELHECEM
Qui, 3 de Jul de 2003 3:24pm
Acho mesmo que o mundo virtual tem uma certa parcela em meu
ânimo geral. Tava até comentando num outro texto anterior,
dizendo que a identidade virtual que a gente cria com todas essas
evoluções tecnológicas, acaba entrando em conflito com a
identidade real que a gente tem.
Lembro de como eu via o mundo virtual até há uns dias atrás,
quando eu vivia me definindo, me reafirmando como indivíduo.
Dizia: "sou assim, assim e assado", quando na verdade eu não
era nada daquilo, mas era apenas eu mesmo.
Falo de rótulos. Lembra de Forrest Gump? Ele dizia "idiota é
quem faz idiotice". E se o cara deixa de fazer idiotice, ele
continua sendo idiota? É isso que eu quero dizer. Sei lá...
digamos que eu fiz um desenho bonito. Isso significa que eu sou
desenhista? Digamos que eu fiz uma bondade. Isso significa que
sou bondoso? Digamos que tive um surto. Isso significa que eu
sou surtado?
Eu sou o que sou, tenho fases, altos e baixos, histórias, fantasias.
Nada é fixo. Tudo está em movimento. Nada está parado. Eu não
sou nada, porque sou apenas o que sou. Podem me definir, me
rotular de maluco, de robô, de sei lá o quê mais e tudo, mas isso
tudo é ilusão, porque uma definição é como uma fotografia: nos
captura num momento, e no outro estamos em movimento e
perdemos a pose.
Eu não sou um manequim estático. Estou percorrendo uma

21

estrada infinita. A mesma que o Forrest Gump correu assim sem
mais nem menos, sem buscar ou fugir de nada. Apenas seguindo
em frente até tropeçar, bater a cabeça, morrer e ver o que
acontece do lado de lá. Se depois que eu morrer eu vou para o
céu ou vou reencarnar ou vou para o inferno ou vou só ficar
apodrecendo eu não sei. Sei que seguindo meu coração enquanto
vivo, se tiver céu eu vou para o céu, se tiver reencarnação eu
largo esse mundinho de horrores, se não tiver nada... aí sei lá...
pelo menos minha consciência ficou tranquila e eu não traí meu
coração.
Nossa... nem sei porque tô falando isso. Tô aqui divagando sobre
ser ou não ser eis a questão.
Ando pensando em auto-desconstrução. É diferente de autodestruição.
Penso em desconstruir tudo o que penso sobre mim mesmo.
Deixar de pensar ser para ser o que sou, seja lá o que isso possa
significar. A vida é tão curta. Os caminhos numerosos. Ser
normal é ser comum? Ser comum é estar sadio? Não sei.

FIM DO MUNDO
Sex, 4 de Jul de 2003 8:32am
Parto do princípio que o mundo está entrando em colapso.
Há uns quarenta anos atrás não havia computadores. Agora você
vê a tecnologia como está e como evoluiu rapidamente. Como
estará daqui quarenta anos com toda essa velocidade?
Posso parecer tecnofóbico, mas sabe a Matrix? Existe um fundo
de verdade naquilo. Fui convidado para ajudar construir a nova
versão esses dias atrás. A Matrix já está rodando na plataforma
web.

22

(isso é uma brincadeira com fundo de verdade).
Eu tô fora de ilusões. Quero a verdade nua e crua. Sem rituais ou
cerimônia. Quero estar bem vivo.
Estamos entupidos de informações que nos chegam de todo canto
a todo momento.
Segundo os evangélicos, Jesus Cristo está voltando. Segundo
nova erenses, estamos no meio de uma transição espiritual.
Segundo os maias, os vinte últimos anos antes de 2013 serão
conturbados e em 2013 acontecerá um novo ciclo.
Cê vê a espiritualidade barata vendida nas bancas de jornais. Não
era assim antes. As pessoas estão procurando uma resposta. Ou
talvez uma pergunta. As pessoas querem uma direção. Mas essa
espiritualidade barata está para Deus assim como revista pornô
está para o Amor.
Filmes diferentes com temas complexos. Show de Truman. Clube
da Luta. 1984. Admirável Mundo Novo. Filmes e livros que
ajudam a compreender a natureza dos fenômenos. I-Ching.
Estamos sendo preparados para algo. Você sente isso. Alguma
coisa estranha está acontecendo, mas não se sabe o quê. Todos
fingem que não sentem, porque ninguém quer se passar por
lunático deliróide. Mas eu sou livre e não tenho uma reputação ou
imagem a zelar. Então eu acho que o mundo está mesmo
acabando.
A Mãe Terra é como uma velha virgem que foi estuprada e agora
está para ter um lindo bebezinho. De plástico. É que foram os
homens que a estupraram e eles estavam embrigados de
egoísmo, ambição, inveja e maldade.
Mas especulações metafísicas não levam a nada.
De qualquer forma o mundo está em colapso, como quando
estava na década pós guerra dos anos 50. Sabe, aquele negócio

23

de "american way of life" e pessoas como dentes de engrenagens
para produzir e consumir e produzir e consumir. O sangue que
está correndo nas veias do mundo é o dinheiro. A economia é o
sistema sanguíneo. E a gente está morrendo.
Sentimos falta de ser humano. Sentimos falta da nossa
imperfeição. Tudo agora é automático, funcional. Flores de
plástico, comida embalada. As coisas modernas são sintéticas
demais. E cê vê... antes o homem imitava a natureza. As asas
dos aviões imitam as asas de um urubu, porque a curvatura é a
mais perfeita. O homem imitava a natureza, mas agora ele
manipula átomos, moléculas, aprendeu física quântica e agora o
homem quer CRIAR a natureza.
Estou muito confuso para me expressar. Hoje não estou
concentrado.
Sei de uma coisa. Nosso problema tem a ver com
neurotransmissores. Mas os neurotransmissores tem a ver com
nosso espírito. Segundo um médico, a doença em si não existe. O
que existe são pessoas doentes. E só adoecemos se nosso corpo
está receptivo a uma doença.
Quando ela falou que eu era robô eu fiquei triste. Aí peguei gripe
e fiquei me liquefazendo. Só para ela lembrar que eu sou
humano. Se ela não dissesse que eu era um robô e não me
abalasse espiritualmente, será que eu teria pego gripe? Depois
ela percebeu que eu era mesmo daquele jeito. Aí ela falou que eu
era doido. Aí abracei ela e ela falou que gosta de mim mesmo
assim.
Porque eu estou falando isso agora? Sei lá...
Eu não sei onde está o problema do mundo, mas sei onde está o
problema da vida da gente. Acontece que ELES nos venderam
seu paraíso com famílias perfeitas, corpos perfeitos,
relacionamentos perfeitos. Disseram: isso é certo, isso é errado.
ELES nos ensinaram a mentir para sobreviver. ELES nos

24

ensinaram a esconder o que sentimos para prevalecer os modelos
perfeitos de gente que ELES criaram. ELES querem que a gente
não sinta mais nada, que deixemos de ser humanos para produzir
o mundo de plástico que ELES querem construir.
E algumas pessoas sentem todo o peso do mundo nas costas.
Ou não.
São especulações, especulações. Eu imagino, mas não filtro
minha imaginação. São delírios inofensivos. E eu que gostaria de
escrever poemas...
Gosta de poemas?
Eu gostaria de conseguir ler um poema. Mas falta concentração.

LIBERDADE
Sex, 4 de Jul de 2003 8:46am
Eu não sei se tenho orgulho da minha personalidade, mas sei que
ser meio doido assim pode proporcionar uma liberdade imensa.
Eu sou lunático e vivo delirando, mas ninguém precisa acatar o
que eu digo. Eu posso dizer qualquer coisa, porque sou doido
mesmo, sabe? Não tenho reputação a zelar, não tenho uma autoimagem definida, senão um espelho com vapor e uma imagem
distorcida.
Eu enfrento o problema de não conseguir fazer as coisas que não
gosto.
É um círculo vicioso: estudo algo que não gosto, numa faculdade
que não é exatamente o que eu queria, para manter um emprego
que não me faz bem.
Queria fazer alguma outra coisa. Queria me sentir útil e não
apenas um dente na engrenagem de uma máquina que funciona

25

errado. Queria escrever, pintar, criar uma canção, falar de amor,
construir uma casa, um jardim, ter uma vaca de estimação,
casar, ter uns três mil filhos. Ou quatro. Sei lá. Queria fazer as
coisas do meu jeito, mas o mundo não é assim.
Sei que é a insatisfação a grande mola propulsora da
humanidade. O que seria da gente sem a insatisfação? Puxa,
pode parecer bobeira, mas a gente tá por aí e se não podemos
mudar o mundo, podemos mudar nossa vida. Ou melhor dizendo:
podemos guiar nossa vida, ser livre, decidir o que fazer. A
liberdade de ser, contornada pela razão, guia a evolução da
natureza
Quero correr atrás de algo para mudar de vida. Algo em que eu
acredite de verdade. Dizem que com sinceirdade as forças
aparecem. Sei que às vezes somem. Mas depois reaparecem,
como o sol que a gente vê se pôr e nascer e se pôr e nascer todo
dia para sempre.
Sex, 4 de Jul de 2003 8:51am
Às vezes sinto que estou precisando de algo para se apoiar, algo
para me lembrar de quem sou. Mas é que sempre que tento
dizer: sou assim ou sou assado, vem um vento e me joga lá pra
longe. Lá para o oceano. E eu que não sei nadar fico lá boiando.
A gente pode ser livre do mundo, mas se a gente não é livre de si
mesmo, a gente está com duas bolas de ferro amarradas nos pés.
Quero não ser para ser livre.
O que você faria se fosse dono das tuas decisões?

PROFISSÃO
Seg, 7 de Jul de 2003 8:24am

26

Sabe, eu acho que no meu trabalho eu perdi muita coisa. Eu
tinha tudo para ser um ótimo funcionário aqui. Aprendia rápido,
interagia bem, era honesto, dedicado e tudo. As pessoas
valorizavam mesmo meu trabalho. Mas aí eu não sei o que
aconteceu. Acho que foi a solidão do escritório, porque todo
mundo só tá aqui para trabalhar cada um fechado numa celinha.
Ou baia. Ou como queira chamar. Fica cada um de frente ao seu
computador, numa linha de produção moderna.
Parece aqueles negócios de cavalos, sabe?
Sei que aí mudaram as estruturas da empresa e toda minha
capacidade de criar coisas foi podada e administrada em doses
homeopáticas. Mas aí eu não consigo. As pessoas gostavam do
meu trabalho porque eu tava sempre inventando umas coisas
para facilitar a rotina. Mas com as mudanças estruturais eu devia
me focar. Me focar. Me focar no meu trabalho. Me alienar e deixar
de construir engrenagens para ser mais um dente lá girando e
girando e girando.
Aí, já que num dava para criar coisas novas para facilitar meu
trabalho, comecei a criar coisas novas para mim mesmo e tomei
gosto por escrever, desenhar e criar coisas assim da mente. E
também passei a frequentar o mundo virtual proporcionado pela
web. Eram as listas, as pessoas, icqs, msns e esse tipo de coisa.
Eu sei lá... só sei que desacreditei no mundo corporativo dos
escritórios e gravatas. E já que não dava mais para girar esse
mundo ao meu modo, acabei me tornando inimigo desse sistema.
Mas é claro que eu me controlo para não cometer nenhuma
bobagem. Às vezes dá uma baita vontade de sair correndo pelos
corredores, esbarrando executivos engravatados com sorrisos
amarelos e continuar correndo e correndo até chegar lá na janela
do café. Aqui onde eu fico não tem janela. Não sei se o céu está
ensolarado ou cinza, porque a temperatura é sempre a mesma.
Não sei se é dia ou é noite, porque a iluminação é sempre igual.
Eles criaram uma realidade virtual para eu produzir e girar e

27

girar. Aí fico pensando em correr e correr e quando chegar na
janela, o sol no horizonte me chamando para um longo vôo e eu
me jogando e caindo lá no gramado do jardim. Todo espatifado.
Um sorriso besta. Os caras no café me olhando lá morto e
dizendo:
- o que aconteceu com ele?
- sei não... de um tempo pra cá ele andava meio estranho
mesmo.
- podicrê. mas vamos lá em nossa reunião porque a gente está
atrasado.
- só...
Aí uma borboleta vai voando, voando. E some no céu azul. Ou
cinza. E eu fico lá caído.
Nossa. Que coisa...
Sabe, hoje eu sou um estranho aqui. Não fosse meu passado
como bom funcionário eu acho que já estaria demitido. Agora
ando buscando uma forma de sair dessa rotina. Estou imaginando
mil e uma maneiras. Para ter a liberdade de ser maluco é
necessário ter a sub-realidade normalzinha compartimentada
dentro da minha cabeça. E a menina queria que eu fosse bem
normalzinho. E meus amigos não entendem nada desse outro
mundo e me chamam de doido. E aí eu fico com todo mundo lá e
fico sozinho e irreal por dentro. Como uma canção do Syd
Barrett.

RELACIONAMENTO
Seg, 7 de Jul de 2003 2:26pm
É ruim quando o espírito bate, mas as direções, decisões e
formas de olhar o mundo são diferentes.
Eu tento, mas não consigo. Ela gosta mesmo de mim. Se não
fosse por isso ela já tinha desistido de tentar me entender. Na

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verdade eu acho que ela já cansou. Mas fica lá comigo mesmo
assim.

MATRIX
Ter, 8 de Jul de 2003 9:51am
0_o
A Matrix tá em todo canto. Sempre que existe alguém querendo
manipular uma massa de pessoas e normatizá-las, uma nova
Matrix está sendo criada. Não é uma Matrix, mas várias, como
diferentes sistemas interagindo dentro de um servidor. Essa noite
sonhei com isso. Não com isso, mas sonhei que eu ia num CPD
(Centro de Processamento de Dados) e lá eu reiniciava um
computador. O cara do CPD ficou puto da vida...
Teve uma época que eu mexia com umas coisas pesadas de
programação de computadores. Eu queria até ser hacker, fazer
vírus e tudo mais. Aí depois aconteceram umas coisas e eu perdi
isso. Mas acho que não perdi o espírito da coisa. Mas agora não
penso apenas em computadores e sistemas de zeros e uns. Agora
eu penso em sistemas de crenças e formas de pensamento. São
esses os sistemas que se interagem dentro do grande servidor.
Cada sistema de crença é um tipo de Matrix, com todas suas
regras e estruturas. Enquanto a gente está sob um desses
sistemas de crença a gente tá preso. São sistemas católicos,
capitalistas, hindus e budistas. São modelos científicos,
folclóricos, hollywoodianos. Existencialismo, estruturalismo,
psicanálise, comunismo e punk rock. É o que chamam de cultura.
Hoje em dia, com esse papo de globalização, a gente consegue se
desprender de toda Matrix, porque temos tudo quanto é cultura
ali na tela. E podemos comparar, analisar e nos separar dos
sistemas. Olhamos os sistemas de crença de cima e não de baixo.
Posso estudar budismo e catolicismo enquanto escuto punk rock.

29

Só não sei até que ponto isso é bom, porque conseguir tal visão
de tantos sistemas diferentes sem estar necessariamente dentro
deles é estar livre. E isso é coisa séria, porque precisamos de
limites. Ou será que não?
Acho que sim, já que a Terra é Terra porque o firmamento a
limita, assim como a piscina é piscina por estar limitada por
azuleijos.
Sem limites a gente é poeira cósmica vagando no espaço escuro
e frio. É um rio sem margens que se seca por não ter direção.
Liberdade pode ser sinônimo de solidão e é por isso que é coisa
muito séria.
Se no supermercado tivesse um pacote de ORDEM e um de
LIBERDADE e você pudesse comprar apenas um desses dois, qual
você compraria?
Bah! Supermercados!
Às vezes me pego como no filme Clube da Luta. Fico aqui no
escritório fazendo meu trabalho enquanto que minha cabeça está
no "submundo" das idéias. Fico lembrando de quando Tyler
Durden imagina os seres humanos sobrevivendo após um suposto
caos (desordem). Ele fica lá falando de como o homem usaria as
ruínas da civilização para começar tudo outra vez, de outro jeito.
Penso nisso. Penso nisso. Penso nisso. E então consigo vizualizar
um pé de pitanga no jardim. Um monte de gente doida ao redor.
Sombra, água que num tem cheiro de cloro e uma piscina cheia
de pedras. E cada pedra conta uma história diferente. E as
pessoas se reunem em volta da fogueira em noites de lua cheia.
Apenas um sonho.

METAFÍSICA DA BATATA FRITA
Ter, 8 de Jul de 2003 10:01am

30

Especulações metafísicas não levam a nada, mas é legal deixar o
cérebro pensando na morte da bezerra. O pensamento abstrato é
fascinante, porque não tem limites. A gente tem tantos limites...
tem o limite do espaço, do tempo, da gravidade, do nosso corpo.
Pelo menos a imaginação não tem limites. É nosso ponto de
ligação com o infinito. Ou com o grande inconsciente coletivo.
Inconsciente Pessoal x Computador Pessoal
Inconsciente Coletivo x Internet
Ego Real x Ego digital
Ou então substitui o EGO real e virtual apenas por ATO: a
ambivalência e integridade do ser.
(isso é budismo e o não-ego + Don Juan e a loucura-controlada).
Acredito que deve existir um monte de coisa em comum entre os
movimentos do universo e os movimentos da mente. A mente é
um universo. Tem lá um núcleo e elementos vagando ao redor.
Arquétipos. Um psicanalista lá, o C. G. Jung, escreveu o seu
principal livro "O Homem e Seus Símbolos", falando sobre o
Inconsciente Coletivo, a consciência, os sonhos e tudo. No final
do livro, Jung diz que ainda existia muito campo para pesquisa
nessa área de mente/alma humana. O que despertava sua
atenção era a relação entre a micro-física e a mente. Eu não sei o
que ele quis dizer com isso, mas eu acredito que a mente possua
uma coesão interna, uma lógica. Por mais que a mente seja
abstrata suficiente para não haver lógica, acho que é possível
mapeá-la, como mapeamos um átomo abstrato com seu núcleo
auto-regulador e um monte de coisa girando em torno desse
núcleo. No caso da mente são os arquétipos que giram, e não os
elétrons e prótons e aquilo tudo que eu nunca aprendi direito na
escola. Física me queimou no vestibular...
Nossa. Devo estar falando muita abobrinha. Deixa eu ficar quieto.
Tava dizendo:

31

- ...estava em frente ao espelho olhando seu reflexo. Depois de
um tempo, hipnotizou-se com seus olhos e quebrou o espelho em
pedacinhos. Nos cacos viu sua imagem fragmentada. Pegou um
dos cacos, cortou seus cabelos e fez marcas em seu rosto.
Quando caiu no chão estava livre de si mesmo.
Aí ela perguntou se eu estava falando sério. Falei que não e
continuei:
- Estraçalhou seu ego com uma marreta. Depois pegou os
fragmentos de si mesmo e jogou tudo pela pia. Ligou a torneira e
raspou a cabeça, como em um ritual de iniciação.
É que havia ouvido um índio yaqui falar sobre apagar a história
pessoal.
Aí ela falou que eu complico demais na hora de explicar as coisas.
É que eu queria explicar o que eu pensava da mesma forma que
os sonhos explicam. Mas nem sonhos nem palavras... ninguém
entende as convulsões da alma.

CRISE DE FELICIDADE
Ter, 8 de Jul de 2003 1:25pm
Eu sei lá... acho que a lua tá subindo lá no céu. Ontem já tava
meia lua. Agora eu tô ficando eufórico, eufórico, feliz como um
siri em Superagui. Poderia correr por horas com um sorriso tonto
nos lábios. Poderia dizer que tá tudo bem e até inventar uma
canção. Mas tô aqui confinando meu corpo magrelo sob o ar
condicionado frio ao som das teclas e conversas de telefone.
- alô?
Negócios. Negócios. Poderia receber uma ligação de alguém legal,
me dizendo sobre o céu, estrelas, sobre o infinito. Mas aí recebo
ligações de gente falando sobre produtos e negócios e

32

confirmação de datas de demissões com ou sem justa causa.
Falam bom dia e boa tarde com um sorriso amarelo. Tudo morto.
Sem alma. Sem vida. Sem nada.
Aí coloco um cd e ouço:
Está você ali sentado, cercado de gente ao redor.
Nas ruas tantos do seu lado, e você se sente tão só.
É um elevador lotado, ninguém tem nada para falar.
São tantos mas tão separados, fechados como guarda-sóis.
Diga, por que você se sente tao só ?
Diga, por que você se sente tao só ?
Veja só, veja só.
Deixa abrir o teu sol pra brilhar.
Seja só, Seja só.
Aberto e livre que alguém virá te tocar.
Virá te tocar.
Tantas pessoas no escritório, só que estão lá só pra trabalhar.
Você procura na memória amigos pra telefonar.
Tantas as rodas de conversa, nenhuma pra você girar.
Pra dar amor e vice-versa precisamos nos desarmar
Diga, por que você se sente tao só ?
Diga, por que você se sente tao só ?
Veja só, veja só.
Deixa abrir o teu sol pra brilhar.
Seja só, Seja só.
Aberto e livre que alguém virá te tocar.
Virá te tocar.
E fico pensando se alguém virá me tocar, me convidar para tomar
um café e ficar comigo ali. Sem falar nada, porque não vou ter
muito o que dizer. Apenas ali. Gosto de ficar sem falar nada ao

33

lado de alguém que não me deixe paranóico. As palavras
distorcem os significados, criam oposições, me jogam pra longe,
me confundem e me fazem pensar ser o que não sou.
Agora não me sinto tão só. Pra dizer a verdade me sinto
completo. Iluminado. Pleno. Talvez o universo gire ao meu redor,
com todos planetas, arquétipos e sons. Tudo para mim. Eu sei
que não é nada disso. Mas agora, pra mim, é. Não, não é nada de
vaidade. Só estou dizendo que me sinto assim tão bem.
Mas depois da felicidade vem o desespero e aí fico com medo. Se
é a Crise de Desespero que é o lodo que sustenta a lótus, o que
será de mim quando a lua apagar e o céu todo escurecer? E
quando as estrelas começarem a cair em chamas, me acertando,
jogando meu corpo gelado em sacrifício ao céu. O que vão me
dizer?
- ele até que era uma pessoa legal.
Não, eu não era nada não senhor. Eu só estava lá, sob o tempo,
o espaço, sob os olhares atentos, hostis, das gravatas e ternos e
roupas sociais.
- ele até que tentava viver.
Não, não vivia. Me rastejava. Mas às vezes voava, tocava o céu e
ricocheteava pelo firmamento até cair no oceano, no fosso, no
limbo. E me afogava. E ressucitava todo dia. Até ser noite. E de
noite eu não dormia, mas sonhava. Delírios, mentiras, ilusões.
Me ofereceram. Aceitei. Doses maciças de apatia nas veias. Em
um, dois, três tempos acordei.
Brrr...

O AMOR
Qui, 10 de Jul de 2003 11:11am

34

Tava aqui pensando aqui sobre amar e tudo mais.
Amar é um negócio tão complexo...
Eu não sei o que é amar, mas acho que amo. Mas como eu acho
que faço algo que não sei o que é?
Então não sei se amo mesmo ou se apenas penso que amo. Mas
sei que só fico confuso porque estou pensando com números
demais...
Pela minha maneira de ver, não sinto dificuldade em amar. Quero
dizer, querer tudo de bom para alguém, incondicionalmente. Sem
hipocrisia e afetação. Coisa de verdade mesmo. Sem aquele
negócio de novela da TV, mas algo real e tudo.
Por outro lado eu sinto dificuldade em gostar, porque enquanto
amar é incondicional, gostar está condicionado às atitudes de
quem se gosta. É que às vezes sou apático demais para gostar. O
que fazem para mim, sendo bom ou ruim, não muda muita coisa.
Não me divirto com o que todo mundo lá se diverte. Então amo
todo mundo, mas não gosto ou me interesso pelo que fazem.
Amo todo mundo porque num ligo muito pra ninguém.
Que droga. Acho que eu me odeio.
Tsc! Bah! Tudo bobagem! Meus modelos matemáticos para definir
essas coisas só funcionam na abstração da minha mente.
Só acho que o maior problema está no significado das palavras,
porque elas encobrem o sentimento. Talvez o que eu sinto é
gostar. Talvez amar. Talvez não tenha uma palavra no dicionário
para definir o que sinto. Ou talvez as palavras distorçam o
verdadeiro significado.
Eu gosto de zen budismo:

35

O monge aponta para a lua. Três discípulo olham o dedo do
monge. Um outro olha para a lua que ele apontou. Aí o que olhou
a lua foi iluminado e saiu voando.
Não, o conto zen não é assim. Mas é quase isso.
As palavras e rótulos aos sentimentos são como os dedos
buscando apontar os significados. A gente tem que olhar a lua e
não o dedo. E eu continuo sem saber o que é o amor e achando
que amo. Mas pode ser que não.
Tudo que é dito pode ser contestado.

COMPANHIA DE VIAGEM
Dizem que a vida é uma viagem.
Deve ser mesmo.
E as pessoas vêm, vão, aparecem e somem.
De saber que não temos controle de nada nesse mundo, tudo o
que podemos fazer é deixar a vida nos guiar, sem se prender a
idéias, desejos ou pessoas.
Um universo em cada mente, e todas as cabeças abaixo de um
mesmo sol.
Será que a gente consegue viver assim?
Acho que sim. Espero que sim.
Uma vez uma menina me falou que não me considerava seu
amigo e sim seu companheiro de viagem.
Gostei disso.

36

Ela estava falando da viagem que é a vida dela.
Depois descobri que eu é que estava viajando...
Mas não sei... alguma coisa... talvez a mídia, talvez a ignorância
coletiva, talvez os alienígenas, talvez a matrix ou alguma
sociedade secreta pouco conhecida que controla o fluxo de
informação do mundo...
Num sei...
Mas existe mesmo alguma coisa por aí que produz uma série de
conceitos distorcidos.
Algumas máximas do mundo estão tão enraizadas na crença
popular que às vezes fico questionando se sou eu ou é o mundo
que está perdido.
Fico pensando no conceito chave "amigo". O mundo vive falando
nesse "ser miraculoso" que é um amigo. Eles dizem que "amigos
são para sempre" e que "amigo é para essas coisas". Falam de
um amigo como alguém que sempre vem em tua ajuda. Falam de
amigo como se este fosse um Jesus Cristo particular sempre
disposto a sacrificar-se por você.
Que legal que eles tem esses amigos e podem até escrever emails de auto-ajuda enobrecendo a imagem deste ser miraculoso
que é o "AMIGO".
Eu devo mesmo ser muito ruim, porque não tenho amigos.
Tenho apenas Companhia de Viagem.
Companhia de Viagem é diferente de Amigo. Um Companheiro de
Viagem é livre e não tenta te prender com sua amizade
sufocante.

37

Ele é e te deixa livre, e a companhia só existe quando é uma
coisa agradável.
Uma Companhia de Viagem respeita tuas opiniões e decisões,
porque ambos são estrangeiros nessa Terra, enquanto o Amigo
(pelo que eles falam), parece estar sempre lá te enchendo o saco
com moralismo barato e conselhos que, na maioria das vezes,
não valem de nada.
Enquanto estou viajando com alguma companhia, procuro tornar
nossa viagem o mais agradável possível. Mas somos todos
estrangeiros numa terra estranha. E somos livres para ir e vir.
Abraços e sentimentos podem escravizar. E desapego não
significa desprezo ou desamor.
Mas quem pode entender esse tipo de coisa nesse mundo em que
vivemos? Um mundo de televisão, com sentimentos e emoções
dramatizados e todo mundo querendo ser ator de novela ou
cinema?
Porque é tão difícil ser sincero consigo mesmo? Saiba que é a
sinceridade a si próprio que é o passaporte para a liberdade.
Maldito é o homem que confia no homem. Maldito o homem que
desconfia do homem.
Somos apenas humanos...

EDUCAÇÃO
Sex, 11 de Jul de 2003 10:12am
Sabe o que é? O mundo (pelo menos esse aqui que está ao meu
redor) está se tornando virtuoso demais. Não cheio de virtudes
de verdade, mas cheio de mentiras, sabe?

38

Tem muita coisa certinha por fora e podre por dentro. A boa
educação hoje é um grande teatro. A etiqueta é fingimento.
Temos que fingir sentir o que não sentimos e ser o que não
somos para demonstrar "boa educação".
E o nosso mundo está com um virtuosismo forçado.
Enquanto isso uma reação newtoniana está caminhando devagar
em algumas áreas da sociedade. São músicas falando do
desespero do homem moderno engolido pela natureza artificial
que está criando (basta prestar atenção nas coisas mais atuais do
rock, da música eletrônica, do reggae, etc); filmes questionando
a realidade, comportamento, apresentando mundos mais cheios
de magia (Matrix, Clube da Luta, Senhor dos Anéis); a busca por
formas mais intensas e espirituais de viver (o TAZ – Zona
Autônoma Temporária –, espiritualidade de banca de jornais,
raves – rituais tribais contemporâneos –, etc); nas estatísticas
nós vemos o número de pessoas com depressão, stress e outros
problemas da alma aumentando e aumentando. Agora tem até
crianças bipolares!!
Parece um surto em massa. Esquizofrenia coletiva. Fim dos
tempos. Dia do Senhor. Transição para era de aquário. Sei lá que
raio de nome cê quer dar. Sei que algo está acontecendo.
E eu não sei onde termina minha percepção e começa meu
delírio. O mundo está mesmo passando por uma transformação
ou sou eu que sou um idiota delirando? Seria eu um profeta
digital ou um bitolado em informação?
Não sei, não sei. Nem gosto que pessoas pensem que saibam o
que sou, porque eu_não_sou. Ninguém tem o direito de me
rotular, apesar de todo mundo ter o direito de derrubar minhas
idéias doentias com argumentos convincentes.
Então vai lá. Me explica porque tudo tá acontecendo assim tão
rápido. Me explica isso ao invés de falar que isso é um delírio
psicótico e que eu devia enfiar lítio nas drogas das minhas veias!

39

Só quero ser ouvido, senhor psiquiatra. Só quero um pouco de
atenção. Só quero ter meus “delírios” respeitados e ser
respeitado como um indivíduo ao invés de ser tratado como um
DEBILITADO MENTAL.
Deixa isso pra lá.
Só sei que aos poucos, num plano mais sutil, as coisas estão se
formando. A gente quer voltar a viver ao invés de interpretar. E
isso é só questão de tempo. O sub-mundo de hoje é a norma de
amanhã.
Não foi o som do sub-mundo do blues e do jazz que formou
quase tudo que a gente escuta hoje na rádio? Não foi o submundo dos hippies que mudou diversos paradigmas e influenciou
a maneira que vivemos hoje? Agora é um outro sub-mundo. É
como eu vi não sei onde, quando um cara falava que não
tínhamos mais uma guerra para pacificar, não tinhamos mais a
grande depressão para sobreviver e que a nossa guerra agora era
espiritual e a depressão eram as nossas vidas.
E eu acho que é isso mesmo. Hoje a revolução não é sair com
bandeiras e tentar gritar contra o poder ou o governo. Já existe
uma estrutura social para isso. Rotulam de "fanáticos",
"terroristas" ou sei lá o quê... o barulho não adianta de mais
nada, porque as vozes nos celulares e os carros apressados falam
mais alto que tudo, e por mais alto que se grite, tá tudo abafado.
Ninguém ouve você pedir socorro. Ninguém tem um copo de
água e um pouco de oxigênio pra você. A revolução agora não é
barulhenta, mas silenciosa. É simplesmente tomar posse da
própria vida e viver. Isso é revolução, porque o mundo tá morto,
plastificado.
Se você vive, tua vida é uma revolução.
Hoje não temos novidade. A gente sabe como é a Indonésia, o
Japão e a Índia. A gente lê o calendário Maia, estuda sobre os

40

Astecas e pode comprar CDs pela Internet. Temos todo tipo de
conhecimento. E o que a gente faz com isso? Viramos
enciclopédia? A gente não foi feito só para conhecer. A gente foi
feito para decidir. E isso inclui decidir o que fazemos da nossa
vida.
A verdade é como um remédio ruim ao paladar, mas que bem
administrado cura as dores da alma.

LÍTIO
Sex, 11 de Jul de 2003
Os sonhos não somem. Mas às vezes são devorados pelos
pesadelos. Não sei porque. Talvez por alguém. Talvez por alguma
coisa. Talvez porque uma hora a gente precisa acordar. Não sei.
(mas e o monge e a borboleta?).
Ah... eles não sabem de nada. É só um koan imbecil.
(talvez eles saibam sim! não é um koan imbecil, é a sabedoria
oriental).
Bah... foda-se. Você tem razão. Eu é que não sei de nada. Não
sei o que é um delírio, um sonho, uma ilusão. Não sei. Eu
realmente não sei. Mas acho que já sei quem sou eu. Mas não sei
quem é você. Mas se você fosse eu e eu fosse eu e você ao
mesmo tempo, então talvez fossemos alguém e estaria tudo
resolvido. Mas não sei. Ou talvez eu esteja apenas enganado.
Mas afinal, quem se importa?
Ah não sei. Não sei mesmo. Não quero saber. I like it I'm not
gonna crack. Mas por favor, não enfie lítio nas minhas veias,
porque eu ainda sei contar até dez e sei que gosto muito de você.
Porque você quer enfiar litio nas minhas veias?
(quem está querendo enfiar lítio nas tuas veias seu doido?).

41

Ah não sei. Mas queria me lembrar do sonho que tive na noite em
que vi você sorrir pra mim. Eu sei que foi sincero. Mas às vezes
me afasto das certezas e me pego imerso num mar de dúvidas,
sem barcos, ilhas ou praias. Apenas o mar. E eu nem sei nadar. E
ouço radiohead. Mas um dia atrás decidi mergulhar até o fundo e
lá achei tantas coisas que não sei nem dizer. E trouxe tudo pra
você. Mas sei lá... agora esse lítio que você quer me enfiar nas
veias. Eu não sei. Eu não quero lítio. Eu quero um beijo e um
sorriso. Leve tudo, mas não enfie lítio em mim. Nem me prenda
em minha cama. E nem na mesa do escritório. Você não sabe que
eu gosto de voar? Porque você quer me prender e enfiar lítio nas
minhas veias? Deixa disso! Você sabe o quanto eu gosto de você,
então pára com essa história de lítio!
Mas e se ninguém nunca me disse a diferença entre um sonho e
uma brincadeira, o que direi quando falarem sério comigo? Ora,
não venha com esse papo de lítio de novo. Me deixe em paz, mas
me deixe ao teu lado. Existem tantas coisas que podemos fazer.
Tudo e ainda mais será pra você. Tudo que eu sabia eu tentei
com você, mas parece que tudo pra você nunca foi fácil e então
eu decidi dar um passo a frente do meu mundinho. E eu vi as
coisas que faz, enquanto dorme e sonha. E vi você me ver
também, mas eu sei disso, eu sei que eu nunca menti pra você.
(xiii... esse finalzinho você copiou de uma música).
Mas é que se encaixa tão bem com minha vida. Você não deveria
reclamar.
(não estou reclamando).
Ok.

FANTASIA
Seg, 21 de Jul de 2003 9:36am

42

Eu tô por aqui nas minhas correrias. Estou tentando me
organizar, arrumar minha bagunça, porque semana que vem
começam as aulas e pra falar a verdade eu estou cansado só de
pensar na quantidade de energia que vou ter que dispensar para
conseguir sobreviver.
Mas estou bem. Quando estou sozinho, quando estou na
companhia das pessoas que compartilham meu mundo, quando
estou olhando o céu vermelho dependurado da janela do meu
quarto... aí fico bem. Quando entro em um delírio, uma fantasia,
e quando sei que se trata apenas de um delírio, eu me sinto bem
e apenas me divirto com os rumos da imaginação. O delírio não é
inimigo, ele apenas coloca outras cores nesse mundo cinza de
"obrigados" e "de nadas" tão superficiais. O foda é quando a tinta
cai e estraga o desenho todo. Aí perdem-se os traços que
delimitam a realidade e nos afundamos numa fantasia abstrata.
Alguém me disse que a lagoa só é calma porque é contida pela
terra. Sem água não tem lagoa. Sem terra não tem limites. Sem
cores não tem vida. Sem traços não tem forma.
É preciso de cores e formas. É preciso de sonhos, delírios,
fantasias. É preciso de traços, conceitos. É preciso saber ver por
além dos vidros. É preciso saber olhar para rir. Pra viver não é só
estar lá, nem só estar cá. É estar lá e cá, porque a vida é uma
interação de coisas opostas. É do calor da batalha que surge o
movimento, sempre indo para cima, rumo ao todo, rumo ao
infinito. E só de saber que o que vivemos nunca foi
verdadeiramente vivido no passado, me dá um frio na cabeça.
Depois disso aqui, o que virá? Ninguém sabe, mas a TV insiste
em te dizer que sabe e insiste em nos fazer acreditar que o que
vivemos hoje é a mesma coisa que foi vivida no passado. Será
que eles não querem que a gente saiba que a nossa vida é
inédita?
É, é inédita sim. Nunca houve algum eu_não_sou antes. Nunca
houve algum você antes. E agora a gente tá aqui andando em

43

direção ao infinito, dando forma às abstrações do nada – origem
primordial de todas as coisas.
O meu nada é branco ou é preto?
Acho que o nada é branco, pois há muito o que rabiscar.
Mas aí o cara barbudo de óculos fala que o nada é preto, que é a
ausência de todas as cores...

COMO MORRER UM POUCO
Seg, 21 de Jul de 2003 10:01am
Às vezes sumo. Nem eu mesmo sei pra onde eu vou. Sei que
quando vou ver eu já sumi. Aí reapareço em outro espaço +
tempo e me pergunto: "quem sou eu?". Então penso que sou um
agente da Matrix. Ou de Zion. Ou talvez um xamã. Ou então um
vírus no sistema. Um hacker espiritual...
Depois me olho no espelho e vejo que no fundo no fundo eu sou
apenas um tonto rastejando no deserto em busca de um pouco
de sombra, companhia e água fresca. Aí eu volto a ser o nada
que eu sempre fui. E me sinto bem.
Isso é morrer um pouco.

TEMPO
Sex, 25 de Jul de 2003 9:51am
Meu último "Grande Projeto" foi uma mega agenda que, claro,
não saiu e nem vai sair por ser um projeto "grande demais".
Durante o delírio consegui imaginar vários bancos de dados
interagindo. Em um deles eu guardaria informações do tempo, os
calendários maias, energias envolvidas, etc; em outro guardaria

44

informações do espaço, dos lugares, endereços e tudo; em outro
guardaria conhecimento, textos, artigos científicos; e no próximo
guardaria trabalhos de arte, desenhos, textos, música e talz; aí
criaria ainda outro para organização profissional/escolar; e um
último para organização pessoal. Neste último eu inter-ligaria
todos os outros e criaria uma espécie de réplica da Matrix para
organizar minha vida.
Foi engraçado. Agora fico aqui pensando no quanto eu sou
tonto... se bem que essa idéia megalomaníaca me rendeu um
banco de dados de referência ao calendário maia e um sisteminha
que não é nem 10% de tudo que imaginei mas que organiza bem
minha bagunça.
Ontem não consegui dormir. Fiquei até sei lá que horas acordado
e aí fui ler a bíblia. Não sou religioso, mas sou meio ligado em
assuntos religiosos. O que li na bíblia só confirmou o que ando
lendo sobre os maias, sobre o fim do tempo e tudo mais...
O calendário maia é um calendário alinhado com os movimentos
e ciclos naturais. Na verdade não é "o calendário maia", mas "os
calendários maias", porque eles tinham uns 17 (ou mais)
calendários ao todo. O que ando estudando são apenas dois: um
que é físico e baseado no movimento das luas – o calendário de
13 luas (=13 meses) de 28 dias –, e o outro é o Tzolkin, que é
um calendário espiritual e que é baseado nos ciclos de umas
estrelas aí... tô curtindo esse negócio.
Mas o assunto é complicado. A gente só vai entendendo aos
poucos.
O que vejo é que o homem está conseguindo vencer as barreiras
do conhecimento da terceira e quarta dimensões, mas apesar de
tudo isso ser tão bom, não vejo ninguém vencer a indiferença e a
maldade do próprio coração. No final tanto conhecimento
metafísico se torna apenas vaidade e o problema só muda de
lugar...

45

TEMPO II
E aí que hoje é sexta feira. Talvez sábado para quem está lendo,
talvez domingo ou segunda para quem segue o calendário maia.
Não sei. O tempo pode ser uma ilusão.
Hoje é só mais um dia que a Terra deu uma volta em torno do
sol. E hoje tem lua cheia lá no céu.
Sei que tô com mania de matrix e ando questionando a realidade.
Sei que algo está mesmo errado nesse mundo que eu vivo. Você
também deve ter essa sensação, mas apesar de a tua vida ser
tão inédita quanto a minha, nunca sabemos até que ponto não
estamos fazendo o que já foi feito no passado e muitas vezes
pensamos que tudo está como sempre esteve. Mas e se não
estiver? Não te assusta ver que a tua vida é tão cheia de
possibilidades e que apesar de tanta lei da gravidade, relógios e
gravatas você pode até voar por aí?
(então tenta, tonto! toma um chá de cogumelo e pula de um
prédio!)
Bah! Cê num tá entendendo nada!
Só fico surpreso quando penso que eu sou o único dono da minha
vida e das minhas decisões e que faço delas o que quiser. E me
chame de louco se te agrada, mas o fato é que agora quero
entrar na quarta dimensão: o tempo.
E enquanto isso ela me lê Carlos Castaneda. Combinamos de
montar a bibliografia do cara para conhecer mais sobre suas
experiências e aprendizado com o tal do xamã doidão que o
ensinava. Falam de aliados, cogumelos, alucinações, sabedoria.
Me fazem questionar realidade, fantasia, astros e alienígenas.
Delírios, alucinações, sensações, matemática. Muita sabedoria
mesmo. Podicrê?

46

Que sabedoria que nada! É apenas um pouco de conhecimento.
Esse papo de se tornar sábio por ler trocentos livros não existe.
Sabedoria nasce no cara, conhecimento ele adquire com os livros.
Sabedoria é a síntese do conhecimento. E eu sou um tonto
fritando meu cérebro e conceituando essas coisas.
Quer um pedaço?
Sabe, eu me odeio quando fico parecendo Paulo Coelho falando
bla bla blá de espiritualidade. Quer dizer, até que ele é legal.
Gosto do Paulo Coelho, o que não gosto é dessa associação que
fazem de espiritualidade com frescura. Eu até gosto e sou atraído
para a espiritualidade, mas não dessa que é vendida aí nas
bancas de jornais junto de revista de muié pelada. Gosto de
espiritualidade verdadeira mesmo, daquelas de transcender a
vida comum e rotineira, e não dessa espiritualidade que te diz
para colocar um véu de virtudes e ilusões por cima de sua mente
doente e cega. Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira e a
hipocrisia lota os bancos da igreja.
Fico aqui questionando a realidade, o tempo, os costumes.
Nesses dias ando desconstruindo tudo que sempre tive como
real. Já desconstruí minhas crenças, meu ego, minhas coisas. Até
morri, sabe? Morrer é legal, porque nos possibilita nascer outra
vez. Sei que agora eu estou desconstruindo o tempo e estou
lendo sobre o calendário maia. É todo cheio de matemática e
astronomia, é legal. Me faz entender meus surtos ciclotímicos. E
me faz desconstruir o rótulo de "maníaco depressivo" que me
colocaram. Os psiquiatras acham que desvio social é patologia.
Só porque são cegos. Como Thom Yorke diz, posso me tornar
paranóico, mas não serei andróide. E como Kurt Cobain, digo que
não é só porque eu sou paranóico que eles não estão mesmo me
perseguindo. Você sabe disso. Eles te perseguem também.
CICLOTIMIA
[De cicl(o)- + -tim(o)- + -ia1.]

47

S. f. Psiq. 1. Predisposição a mostrar alternâncias de
comportamento, que ora é de depressão, ora de excitação. [V.
psicose maníaco-depressiva.]
Minha mente compartimentada volta a atenção ao calendário
maia. Penso sobre alinhamentos entre sóis, galáxias e estrelas.
Penso sobre ciclos, formas de transcender o tempo mecânico que
a gente vive e acessar a quarta dimensão simplesmente
respeitando os ciclos da natureza. Os calendaristas maias dizem
que a falha na matrix é o tempo. É através dele que conseguimos
nos libertar. Ser livre não significa estar fora da natureza.
Respeitá-la é essencial para se obter a liberdade que a gente
tanto quer.
Vai lá... me chuta outra vez. Na costela esquerda dessa vez. Já
disse que odeio parecer Paulo Coelho.
(mas quem tá te dizendo que você tá parecendo Paulo Coelho?)
Tá. Tá certo. Ninguém tá dizendo droga nenhuma. É só uma
manifestação paranóide.
(ah não... agora cê tá parecendo um desses psicanalistas com
cara de tonto rotulando tudo. porque cê não morre?)
Já morri.
(ok)
Tirando a excitação, estou bem, obrigado. Gosto de pesquisar
essas novidades e agora estou afins de unir espiritualidade com
tecnologia,
e
busco
desenvolver
minha
agenda
de
correspondência entre calendário maia e gregoriano. Pretendo
embarcar na quarta dimensão e lá navegar por ondas e ciclos. Os
maias sabiam disso tudo. Agora temos tecnologia para colocar
em prática todos os cálculos complicados daqueles malucos
tomadores de ayahuasca. Astrologia on-line, igreja virtual. E
estou fazendo isso. Estou mapeando as energias do universo,

48

minha cidade, minha mente, as pessoas ao meu redor. Estou
mapeando tudo o que sei e logo me tornarei um espectro. Talvez
um vírus indo e vindo de sistemas e para sistemas. Um hacker
espiritual. Cai bem esse rótulo não? Mas bah... é só um rótulo.
Então me chuta outra vez. E me joga lá no rio sujo.
Ou não.
Ando pensando nisso. Mas o tempo é relativo, as palavras
distorcidas, o entendimento individual. Então pode ser isso. Mas
pode não ser. Ou sei lá...

LOUCO?
Seg, 28 de Jul de 2003 10:58am
Eu não me considero louco, sabe? mas falo que sou maluco
porque isso me dá a liberdade de ser inconstante como sou
perante o mundo lá fora.
Não que eu não seja louco. Dependendo do sentido que se
atribua a palavra "louco", pode até ser que eu seja meio maluco.
Vai saber...
Eu prefiro achar que não, porque associo a palavra "loucura" com
uma patologia, com uma doença, quando na verdade, acho que
minha loucura é mais um desvio social que uma doença mesmo.
Desvio social no sentido de estar fora da norma estatística.
Ser "normal" não é o mesmo que ser saudável.
Ser normal é apenas ser comum.
Ser "louco" não é o mesmo que ser doente.
Isso não quer dizer que os "loucos" são saudáveis e que os
"normais" são doentes. Só quer dizer que um louco não é
necessariamente um doente. Um "louco" é alguém que não se

49

adaptou a descrição de realidade que ELES apresentaram.
Alguém que sente coisas que ELES não sentem. Alguém que
sonha coisas que ELES não sonham. Alguém que teme coisas que
ELES não temem. Alguém que valoriza coisas que ELES não
valorizam.
Pessoas que compartilham determinada descrição de realidade
são "sócios". Os irmãos da igreja são sócios de uma descrição de
realidade onde tem Cristo e tudo mais. Os caras aqui do escritório
de gravatas e sorriso amarelo são sócios da descrição de
realidade onde os negócios e o dinheiro mandam em tudo. Os
darwinistas são sócios da descrição de realidade que fala aquelas
coisas sobre evolução das espécies e seleção natural e tudo...
Não existe realidade em si, existe apenas descrições de
realidades. E se a gente não compartilha da descrição DELES, se
não somos seus sócios, então estamos fora. Somos considerados
"doentes" pela descrição de realidade DELES.
A descrição de realidade DELES é que é doente! Tira todo
encantamento do mundo. Toda magia. Todo mistério. Torna o
mundo uma grande engrenagem de produzir coisas vivas que
eles vão matar para se satisfazer.
Não, não, isso não é nenhuma coisa ecológica! Estou apenas
dizendo que na descrição de realidade DELES, o mundo é apenas
uma máquina produtora de matéria-prima sem conexão
nenhuma. Não tem mistério. Não tem magia. Não tem beleza.
Não tem droga nenhuma! Tudo cinza! Prédios. Escadas.
Helicópteros! Ah! Os malditos helicópteros! Um monte de
tranqueira de plástico dependurada nas prateleiras do mercado,
açougue, relojoaria.
Sei lá se é assim que se escreve...
Na verdade todos são loucos. Uns apenas se esqueceram de sua
loucura original. Não a loucura patologia, mas a loucura de ser
livre, de imaginar, de voar, de sentir todos os mistérios

50

insondáveis que o mundo tem a oferecer. Alguém que ainda
sente a vida pulsar de seu jeito assustador, incontrolável.
Mais ou menos assim: o que é tido como "norma" é apenas a
percepção do mundo de uma determinada maneira. A realidade
que está aí na TV é na verdade apenas a descrição da realidade
feita pela maioria das pessoas e tida como norma.
Na verdade o mundo é inexplicável, cheio de mistérios, cheio de
magia, cheio de coisas maravilhosas, fantásticas, assustadoras e
até mesmo terríveis.
O mundo é tão grande. Os monitores de 15 polegadas são tão
pequenos. E eles nos fazem acreditar que o mundo é pequeno,
pois conseguiram colocar ele aqui dentro dessa maquininha.
Qua, 6 de Ago de 2003 5:22pm
A loucura antigamente não era vista como uma doença, mas
como um dom. Em tribos indígenas, o “louco” não era visto como
“louco”, mas sim como um ser abençoado pela natureza. Era o
futuro xamã da tribo, o cara que tinha visões, entrava em contato
com o mundo dos espíritos, etc. Só que em nosso mundo
contemporâneo que só visa produção, entrar em contato com
realidades não-físicas, realidades de sensações, idéias e delírios,
é perda de tempo, porque o dinheiro tá aí para a realidade
material, sem magia, sem nada.
Então eu sei lá... talvez sejamos as pessoas certas no mundo
errado. Ou as pessoas erradas no mundo certo.
Quem sabe dessas coisas?
Mas de uma coisa tenho certeza: somos pessoas com direito a
viver, a sonhar, a crescer.
No fundo no fundo, todo mundo que tá lá fora é meio doido
também...

51

MATRIX II
Seg, 28 de Jul de 2003 10:58am
(continuação de LOUCO?)
Existe uma Matrix linguística no mundo lá fora. É uma Matrix que
nos prende às formas que já existem e nos impedem de evoluir.
Eles nos fazem acreditar que o que vivemos hoje é uma réplica
do que foi vivido ontem. Nos fazem esquecer. Esquecer que
nossa vida é inédita e que nós somos senhores dos nossos
passos.
E principalmente do coração.
Nos fazem esquecer que as decisões são nossas. Nos induzem a
idealizar o mundo que eles transmitem pela televisão. Nos
apresentam modelos de virtudes com personagens perfeitos
interpretados por atores humanos como todo mundo mais.
Eles rotulam o amor. Eles ensinam como amar. Mas não é o
intelecto ou a razão que pode nos ensinar essas coisas. Não são
os livros, televisão, verbo, substântivo, adjetivo ou palavrão. E eu
sei lá o quê ensina esse tipo de treco! Acho que o coração. Deve
mesmo ser o coração.
É a Matrix linguística nos prendendo.
Nos rotulam disso e daquilo, quando na verdade somos infinitos.
Eles nos fazem se identificar com os rótulos doentes que eles
criam. O cara quer ser rebelde, aí já existe uma estrutura social
para os rebeldes. Sei lá. O cara vira anarko-punk ou qualquer
coisa assim. Ele se sente "O REVOLTADO" e o mundo continua
injusto como sempre. O cara veste a camiseta do Che Guevara e
fala: VIVA LA REVOLUCION! ou sei lá o quê, porque eu não sei
nada de espanhol. Só sei que ninguém vai ouví-lo, porque ele já
está sob um rótulo social. Ele é um "revolucionário", ou seja, foi

52

rotulado. Continua preso na Matrix linguística e não vai mudar
nada.
As palavras e definições estão infectadas com significados
doentios. Hoje a revolução é silenciosa. Não tem alguém fazendo
a revolução. Hoje a revolução é ter vontade própria e seguir o
próprio coração. Só ele que pode libertar a gente de todas prisões
em que nos enfiaram desde sempre.

MATRIX III
Talvez a psique coletiva esteja mudando.
Daqui uns anos Freud não vai dar conta.
O que o homem criou está modificando sua maneira de pensar.
Meu cérebro
documentos.

tem

Meu computador
pensamento.

várias
é

um

pastinhas,
reflexo

da

onde
minha

organizo

meus

estrutura

de

Se o Mundo é Cão, então a gente aprende a adestrá-lo... antes
que ele avance sobre nós.
A solução não é destruir a matrix, mas sim ajustá-la para que ela
trabalhe para nós, e não o contrário.

ME MATE. ESTOU INFLANDO
A palavra "amor" já teve seu sentido deturpado pelo tempo. Hoje
associam amor com sexo ou com sentimentalismo barato, quando
na verdade amor é infinito, irrotulável, indefinível. Amor é
experiência.
E aí no livro de auto-ajuda o cara fala "você tem que amar a si

53

mesmo para depois amar alguém". E isso associado às teorias de
egos e neuroses, nos torna uns cretinos egoístas e hipócritas de
primeira categoria.
Penso que a gente tem que se aceitar para aceitar alguém. Quem
julga sempre tem medo de ser o que está julgando.
Queria amar, amar, amar, mas só choro nesse mundo de ódio e
competição. Porque as pessoas se comparam umas com as outras
se todo mundo sabe que ninguém é igual ninguém?
Queria sombra, companhia e água fresca. Mas não a sombra dos
prédios, a companhia de gente falsa e água de esgoto. Não, não
queria nada. Queria liquidificar meu ego. Dane-se Freud! Dane-se
as teorias de egos e neuroses e psicoses! Eu quero ser feliz, criar
minha própria teoria, minha própria canção, conhecer as minhas
necessidades. Não quero rótulos. Não quero remédios.
Desculpa.
Alguém, por favor, me mate!!

MÚSICA
Ter, 29 de Jul de 2003 9:20am
NIRVANA me fez ver beleza na auto-destruição. Uma bosta. Mas
sei lá... me senti menos sozinho quando vi Kurt lá se jogando na
bateria. Era eu que tava lá. Toda euforia, toda agitação, toda
sede de algo forte, um hematoma. Dor. Sei lá... Kurt Cobain me
fazia sentir um pouco vivo.
Aí depois foi o PINK FLOYD. Na verdade o primeiro álbum do P.F.,
o "The Piper At The Gates Of Dawn". Até o nome desse álbum
tinha algo de mágico: "o flautista no portal do amanhecer". Isso
soava surreal aos ouvidos. Tinha alguma coisa especial, espacial.
Depois fiquei sabendo que Syd Barrett tinha pirado. Aí fiquei
pesquisando até achar os álbuns solo dele. Aí descobri que a

54

música, antes de ter técnica, harmonia e qualquer coisa, precisa
ter alma. Carece de sinceridade. E Barrett, cantando tudo errado,
desafinando às vezes e tudo mais, me transmitiu essa alma. Essa
sinceridade. E aí mudou.
Numa versão tupiniquim encontrei o ARNALDO BAPTISTA, o exvocalista do Mutantes: "dizem que sou louco / por eu ser assim /
se eu sou muito louco / por eu ser feliz / mais louco é quem me
diz / que não é feliz / não é feliz". O Arnaldo gravou uns álbuns
solo depois que saiu do Mutantes. Ele tinha alma. Sei que ele era
doido também. Até pulou da janela do segundo andar do hospício
e tal. Sei lá. Sei que ele tinha uma alma iluminada que a gente
conhece quando ouve as canções espontâneas e sinceras dele. Ó
uma letra:
Será Que Eu Vou Virar Bolor?
Hoje eu percebi
Que venho me apegando às coisas
Materiais que me dão prazer
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou virar bolor?
Venho me apegando ao passado
E em ter você ao meu lado
Não gosto do Alice Cooper
Onde é que está meu rock and roll?
Onde é que está meu rock and roll?
Onde é que está meu rock?
Onde é que está meu rock and roll?
Será que eu vou morrer?
Será que vou morrer de dor?
Eu acho, eu vou voltar pra Cantareira

55

Eu vou voltar pra Cantareira
Venho me apegando aos meus sonhos
E à minha velha motocicleta
Não gosto do pessoal da Nasa
Cadê meu disco voador?
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor?
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou virar bolor?
Venho me apegando ao passado
E em ter você ao meu lado
Não gosto do Alice Cooper
Onde é que está meu rock and roll?
Onde é que está meu rock and roll?
Onde é que está meu rock?
Onde é que está meu rock and roll?
Eu acho que eu vou virar bolor
Eu vou voltar pra Cantareira
Eu vou voltar pra Cantareira
Será que eu vou virar bolor?
Será que eu vou morrer de dor?
Onde é que está meu rock?
Onde é que está meu rock and roll?
Será que eu vou morrer de dor?
Outra banda que mexeu comigo foi o VELVET UNDERGROUND.
Eles transmitem algo poético apesar da sujeira urbana. É como
aquela flor pequena que nasce lá no asfalto quente. Tem uma
música que diz "é difícil viver na cidade / vou caminhado para o
sol". Sei lá... deu uma boa sensação.

56

Bebop jazz também soa bem. CHARLIE PARKER soa como um
quadro maníaco!
bebopbaptchubirabibopbapbum!
Às vezes tô caminhando sozinho e fico cantarolando esses bebop
jazz. Aquele ritmo alucinado, veloz, dinâmico! Jazz rima com café
e com mania.
E agora ando ouvindo muito RADIOHEAD. Mas ainda não
decodifiquei a mensagem.

DEPOIS DA TEMPESTADE, UMA MANHÃ
ENSOLARADA
Qua, 30 de Jul de 2003 9:00am
O mundo é cão, mas a vida é bela.
Hoje o dia amanheceu mais claro para mim. Ontem eu tava com
problemas... é o ego.
Algumas coisas que me dizem fazem bem para meu ego, mas
meu ego faz mal pra mim. De verdade mesmo.
Às vezes acho que, além da lua, as inflações no meu ego
influenciam minhas oscilações de humor. Tipo assim: tô lá
rastejando. Aí alguém fala que eu sou bom em alguma coisa que
faço. Aquilo faz bem para meu ego. Me sinto importante. Me
coloco um rótulo. Me sinto bem naquele momento. Bem mesmo.
Aí infla meu ego e eu saio flutuando feito uma bexiga cheia de ar
quente. E subo pensando ser o que não sou. Eu não sou nada
senão eu mesmo. E me esqueço. E minto para mim mesmo.
Tento e não consigo.

57

Aí quando chega lá em cima, um pombo caga na minha bexiga
inflada e sei lá... estoura porque o sol tá forte e eu caio
alucinado...
.
.
.
POFT.
.
.
.
É duro essas quedas de todo dia, porque às vezes quebra uma ou
duas costelas. Quanto mais alto a gente sobe, mais costelas a
gente quebra. Às vezes perdemos dentes, braços e tudo.
Meu ego sobe e desce, como meu humor.
Ontem bateu um desespero, desesperança, vontade de morrer.
De repente tudo pareceu tão distante, tão ilusório, me senti tão
sozinho e longe. Numa outra estação, como diz uma música aí...
Eu estava sem rumo. Não queria ver ninguém, não queria ir pra
casa, não queria fazer nada. Não tinha lá muitas forças para
andar por aí. Só queria jogar meu corpo magricelo em sacrifício
ao sol e ficar lá jogado na rua até amanhecer de novo.
Claro que não fiz isso. E me detestei.
Mas eu queria. E queria ficar sentado ao lado de alguém que me
comprendesse. Queria poder ficar sem dizer nada. Sem ter que
buscar assunto. Só do lado de alguém. Sei lá. Comendo batata
frita e não falando mais nada. É bom ter alguém com quem a
gente possa compartilhar o silêncio. Mas no fundo, ninguém

58

entende isso e eu tenho que me contentar em ficar sozinho
quando quero ficar em silêncio.
Às vezes acho que gosto tanto das pessoas que chego a odiá-las.
É que elas sempre estão lá traindo elas mesmas. Fazendo coisas
que não acreditam. Deixando de ser o que são para satisfazerem
expectativas.
Aí fico sozinho. Às vezes escrevo um poema e isso me faz sentir
bem. Escrever sobre o que estou sentindo serve para deixar de
sentir. É que enquanto a gente escreve a gente pensa melhor
sobre o que está sentindo, e como pensar é o oposto de sentir,
acabamos por rotular o sentimento e aí deixamos de sentir.
Deixa isso pra lá...
Hoje eu tô bem. Tô em paz. É como se tivesse chorado por uma
noite inteira e depois dormido. Aí acordado em paz pela manhã,
como se tudo tivesse sido um sonho. Mas sinto saudade de algo
que não sei o que é. Sinto que me esqueci de alguma coisa. Eu
não sei.

CONHECIMENTO NÃO É SABEDORIA
Qua, 30 de Jul de 2003 10:34am
Eu acho que numa outra configuração de espaço + tempo eu
pensava que sabia muita coisa e que entendia a alma humana.
Ultimamente tô com a única certeza de que não entendo
completamente ninguém. Nem eu mesmo. Nem o mundo. Nem
nada.
Estou cansado desse mundo cheio de explicações de causa e
efeito. A coisa é assado porque foi feito assim. Isso é desse jeito
porque foi feito de tal maneira. Cansei disso. Esse mundo já não
tem muita novidade. Quero algo novo, algo que me surpreenda.
Algo tão forte quanto terrorismo, tão tranquilo quanto zen
budismo, tão bonito quanto poesia.

59

Rasguei meus livros de biologia clássica, psicologia, psiquiatria.
Modo de falar.
Quero dizer que abandonei meus conceitos tão bem formados
dessas coisas. Eu lia um bocado disso. Nada me ofereceu
qualquer tipo de resposta decente. Sempre um bla bla blá cheio
de explicações absurdas e absolutas. Sem coração nem nada.
Uma droga, se quer saber minha opinião. Sei que eu_não_sou
uma fórmula matemática. Eles falam: você tem isso e isso e isso,
então você é assim. Você tem aquilo e aquilo e aquilo, então você
é assado.
Não, não! Eu sou eu. Ou melhor, eu_não_sou. Posso ter lá
minhas tendências, posso ter a tendência de variar de humores,
posso ter uma série de características, mas isso não me torna um
objeto absolutamente classificável.
A psicologia e a psiquiatria se esquece que antes de sermos
objetos de estudo, somos pessoas dotadas de consciência,
sentimentos, emoções.
Eles separam observador de objeto observado e aí tiram toda
magia do mundo.
Um koan: se a folha de uma árvore cair na floresta e não tiver
ninguém lá para ouvir, existe o som da folha caindo?
Nossa ciência cartesiana se esquece que o observador faz parte
do fenômeno observado, que as coisas não acontecem nos
ambientes ideais que eles simulam nos laboratórios, que as
coisas interagem, que são vivas...
A física moderna sabe disso.
E é por isso que rasguei meus livros e decidi começar tudo de
novo do meu jeito.

60

Tá. Tô ficando louco? Devo estar... prefiro não ser exemplo para
ninguém, porque eu não sei nem para onde vou. Só sei que é
para algo novo, algo desconhecido, onde nunca estive antes.
Como no filme da Matrix que o cara tá lá no carro: ele se assusta
com o jeito violento do pessoal e fala que vai sair. A mulher lá
fala: "você não quer ir pra lá, porque já esteve lá antes". E é isso
aí. Então tô desconstruindo a minha realidade e meus conceitos,
para ver algo realmente novo.
Já pensei em morar no meio do mato. Penso nisso ainda pra falar
a verdade. Existe um projeto para isso, num esquema de
comunidade alternativa e talz... mas mudar para o meio do mato,
sem mudar o que entendo por viver, só muda o problema de
lugar. Então estou desconstruindo minha cabeça. E dói. E depois
tudo virá diferente, novo.
Insanidade? Pode ser... mas apesar das crises, das
desesperanças, dos desesperos, ainda sinto que estou em plena
posse das minhas faculdades mentais. Então eu não estou louco.
Quer dizer... sei lá né? Hehehe.
E sei que o mundo já acabou. A era do conhecimento tá aí. Cê
quer saber de taoísmo? Ah... vai lá no http://www.google.com.br
e digita taoísmo. Depois de meia hora você é o próprio Lao Tse.
Quero dizer que o conhecimento daqui já não tem muito segredo.
As bibliotecas já não satisfazem. Agora é tempo de aprender a
sintetizar esse conhecimento para algo maior. Sintetizar o
conhecimento e transmutá-lo em sabedoria.
Sabedoria é a sintese do conhecimento.
As pessoas são cheias de possibilidades, de novidades, de
movimento. São imprevisíveis, apesar de toda previsibilidade.
Já teve a sensação de ler pensamentos? Ou de ter seus
pensamentos lidos e estuprados?

61

Tem uma outra música que diz: "atingi meu equilíbrio cortejando
a insanidade / tudo está perdido mas existem possibilidades".

REVOLUÇÃO
Qui, 31 de Jul de 2003 9:53am
Já tentaram mudar o mundo. O movimento hippie foi o maior
nesse sentido. Não conseguiram nada, senão rótulos.
O mundo (=realidade) não é nada senão uma descrição. Se
mudamos a forma de ver o mundo, o mundo muda sozinho, sem
revolução, sem gritaria, sem socos e tapas.
Então não é o mundo que precisa mudar. É a percepção. São as
pessoas.
Um dia desses escrevi uma carta para um discípulo do Tyler
Durden (lá do Clube da Luta):
(escrito em 15/06/2003)
“Se você é como eu penso que é, você está insatisfeito com sua
vida e com um mundo cheio de hipocrisia, regras e obrigações,
mas apesar disso tenta ir levando as coisas, sem ser radical,
porque você não tem a liberdade necessária para agir
radicalmente.
Você queria. Tem potencial. Tem vontade. Mas o barulho dos
carros, dos executivos engravatados falando em seus telefones
celulares sobre dinheiro e negócios abafam os teus gritos de
socorro. E você sabe que um dia acabará cedendo e se tornando
um deles. E você tem medo disso. Tem medo de acabar traindo
tudo aquilo que acredita. Ou aceitando tudo aquilo que não
acredita valer a pena.

62

Você não quer ser um dente na engrenagem desse mundo cão.
Você não quer ser mais um tonto de gravata girando a economia.
Você quer viver e é por isso que gostou tanto do Clube da Luta. E
eu também gostei, sabe?
Mas tudo isso que eu falei é se você é como eu penso que você é.
E se não for, quem é você?
Você sabe?
Queria te ajudar a fazer uma espécie de revolução. Mas não acho
que precisamos sair nos tapas e nem explodir prédios com sabão.
Eu, você e outras pessoas mais sabemos onde nossos calos estão
apertando e não é explodindo nada que alguma coisa vai se
resolver. Ou talvez resolva. Será que o risco vale a pena? Só sei
que não podemos sair dando socos e pontapés. Nos chamariam
de fanáticos, lunáticos, fundamentalistas, revoltados sem motivo.
Não dariam crédito ao que nós iríamos dizer, porque eles nos
rotulam, nos taxam disso e daquilo e eles fazem nossa realidade.
Sabe porque? Porque a gente aceita isso. Toda essa nossa revolta
e vontade de mudar o mundo é comprada no shopping center,
junto com correntes e roupas pretas que ELES vendem. Se
estamos insatisfeitos com o sistema, eles nos colocam nos grupos
sociais que eles criaram. São anarquistas, radicais, revoltados,
rock’n’roll e toda a baboseira que ELES te vendem e VOCÊ
compra. São rótulos, rótulos, rótulos. Até quando eles vão te
prender num rótulo? Você é um produto? Foi comprado num
super-mercado? Ou você é o dono da tua vida? Até quando vai
aceitar essa lavagem cerebral que ELES te fazem, enquanto te
mostram na TV o que você quer ser quando crescer?
Não adianta gritar, espernear, pedir socorro. Eles têm todas as
armas. São programas de TV, notícias, revistas, jornais e todo
arsenal que usam para nos manipular e nos fazer seguir em
frente como vaquinhas caminhando rumo ao matadouro. Eles são
o mundo inteiro, e todas suas engrenagens de ilusões. Nós somos
apenas pessoas, de carne, osso, sangue, dor. Não somos nada.

63

Mas somos mente. E eles podem machucar nossa carne, quebrar
nossos ossos, beber nosso sangue e nos torturar, mas ainda
podemos resistir se não os deixar prender nossa mente, nossa
alma, nosso coração”.

IDEOLOGIA
Qui, 31 de Jul de 2003 10:51am
Não estou falando de uma nova ideologia, seita, comunidade
alternativa ou coisa parecida. Isso aí já eras. Estou falando de
cada pessoa tomar posse de suas próprias decisões. Tomar as
rédeas de suas vidas, descartar os rótulos, seguir seu coração,
sem precisar fingir ou se sentir um doente por não estar dentro
da norma estatística. Sem seguir modas ou ídolos de plástico.
Na bíblia fala um bocado desse negócio de ídolos. Eu posso ter
uma interpretação distorcida, mas os ídolos são os rótulos. São
eles que nos afastam da magia do desconhecido, do mundo
maravilhoso e assustador que está em volta da gente.
Instituições são prisões.
Não é uma nova instituição que deve ser criada, mas cada
indivíduo deve tornar-se pleno. Deve tornar-se a própria
instituição.
Mas e pra não confundir a voz do coração com a voz sedutora do
ego ou do rádio?
Já destruiram o significado de palavras como “coração”, “amor”.
Hoje em dia essas palavras só cabem em canções sem conteúdo.
Amor se tornou sinônimo de sexo. Coração se tornou sinônimo de
paixão...
É a Matrix linguística e todas suas artimanhas e rótulos.

64

SÍNTESE
Qui, 31 de Jul de 2003 11:57am
Se eu digo sim, reforço o teu não. Aí falo sim sim sim. E você fala
não não não. Mas sempre existe um talvez. Para toda tese tem
uma anti-tese. As duas são uma bosta. A única coisa boa é a
síntese, que capta o essencial das coisas opostas.
Sintese é equilibrio.
Eu não sou lá muito equilibrado.
Vivo me contradizendo, mas ah... pra quê defender pontos de
vista, se no fundo as palavras sempre distorcem o verdadeiro
sentido das coisas?

EGO x ATO
Sex, 15 de Ago de 2003 1:33pm
Eu acredito em tudo e é por isso que não acredito em nada.
Caos é a soma de todas as ordens.
Acredito em todas as ordens. Acredito no caos. Acredito em coisa
nenhuma!
Num quero defender opiniões, num quero pregar ideologias, num
quero discutir a metafísica da batata frita. Só quero ficar num
canto sossegado, onde até os hematomas tenham um pouco de
poesia. Quero poesia, arte, beleza. Quero uma vida mais intensa,
menos amarela.
Num quero nada.
Quero estar. Quero ficar. Quero ir embora. Quero voar. Quero
num querer. Virar monge, rapar a cabeça e explodir os

65

monastérios, mosteiros, instituições. Quero me dependurar no
parapeito e ver tudo pequenininho lá embaixo. Quero tomar um
litro de café e dar umas dez voltas ao redor do mundo. Viagem
astral. Espiritual. Musical. Quero ouvir uma música que fale sobre
o que sinto, o que sou, o que penso que penso que penso que
penso estar pensando. Quero não pensar, sentir, falar. Quero ser
compreendido, quero compreender, quero estar ao lado de
alguém sem precisar falar coisa nenhuma.
Se a razão é um escudo eu prefiro ficar sem, e assim, zen, e
assim, bem.
Não quero projetar, não quero ter, não quero maquinar. Quero
ser. EGO por ATO. Me mate outra vez. Me chuta as costelas de
novo. É só morrendo que a gente pode ver o quanto a vida é bela
e misteriosa.
Não, não! Sem essa de morrer de verdade! Não é assim que se
resolve.
Lembro de Amanda em frente ao espelho apreciando a beleza de
seu rosto. Lembro de quando ela chutou e fragmentou o espelho
em mil pedaços. Viu tantas formas diferentes refletidas dela
mesma e ela não estava em lugar nenhum. Não há ninguém. Não
há nada. Não há EU algum aqui neste lugar. Não há nada para
ser refletido.

DIÁLOGOS DO CONSULTÓRIO – PARTE I de III
Sex, 08 de Ago de 2003
O velho de barba olhou nos olhos do garoto sem barba e falou:
- VOCÊ É LOUCO, INCAPACITADO, DOENTE, UM COMPLETO
IMBECIL QUE NUM VALE NADA E DEVIA BATER A CABEÇA NUMA
GUIA E FICAR LÁ ATÉ OS VERMES ABRIREM UM BURACO EM SEU
CRÂNIO E COMEREM SEU CÉREBRO COM BATATA FRITA E
CATCHUP. Cê acha que ser louco é legal? Num é não. O paraíso é

66

pertinho do inferno. São Pedro deu a mão para o Diabo e os dois
foram caminhando para o País das Maravilhas. Vai pra lá vai pra
cá. Voa num dia, rasteja em outro. Num dia ama a vida, no outro
odeia tudo o que sente. E o pior é fingir que está tudo bem no
trabalho, na família, para evitar que sintam pena de você.
O velho se jogou no chão e enquanto fingia rastejar disse numa
voz arrastada e artificial:
- "Oh CoItAdInHo. tÃo nOvO, tÃo dOiDiNhO, tOmA aTé rEmÉdiO
De TaRjA pReTa pRa cOntRolAr o hUmOr. Oh tAdiNHo dO
gArOtInHo. eRa Um tRAbaLhaDor tãO bOm. eRa O pRiMeIrO
aLUnO DA sAlA. eRa tÃo iNTelIGenTe!"
O garoto ficou em silêncio. Olhou seu reflexo na pulseira metálica
do relógio e viu seus olhos cheios de sangue. Talvez devido aos
cacos que voaram do último espelho que quebrou no natal. Teve
vontade de chorar, mas não queria se entregar. Pegou sua
mochila em silêncio e pulou da janela do hospício. Saiu correndo
feito maluco. Num queria nada. Só queria correr. Não tinha
barba, não tinha dinheiro, não tinha amigos, não tinha ninguém.
Há pouco descobriu que pelo menos tinha duas pernas, dois
braços e um corpo, que apesar dos excessos, insistia em
funcionar. Alguém - talvez ele mesmo - lá dentro de sua cabeça
barulhenta dizia:
- PORRA! eu sou doido mas faço minhas coisas, desde que tenha
vontade suficiente. eles querem fazer de sua vontade a minha, e
aí eu num consigo. e aí ficam lá sentindo pena de mim. que
droga. ser doido num é nada legal quando a gente tem uma
droga de casa pra sustentar.
Uma outra voz, mais distante, falou:
- ser ou não ser, eis a questão. larga a mão de ser tonto, rapaz.
óia lá o Nietzche ficou louco por essa coisa de querer ser livre
para ser o que era e coisa e tal. a vida num é nada fácil quando a
gente quer fazer as coisas do nosso jeito. ou a gente segue tudo

67

que nos dizem feito vaquinha hindu ou a gente mede forças
desiguais com a tal da "norma". o mundo é como é, rapaz.
- a normalidade só visa massificar pessoas para produzir e
amarelar sorrisos.
- num é isso não.
- é sim.
- num é.
Continuou correndo até tropeçar na menina de olhos claros. Ela
perguntou se estava tudo bem. Ora, é claro que estava tudo
bem. Perguntou para onde ele ia:
- Eu num sei. Preciso sumir. Dar um tempo para o espírito
agitado. Mas são muitas responsabilidades. Muito barulho. Muitas
coisas para fazer, para interagir, para harmonizar. Quero
mergulhar no céu.
Ela ficou pensativa. Já tinha mergulhado um dia no céu. Gostava
do vento na cara. Olhou para o garoto sem barba e falou:
- Talvez a paz seja só apatia.
Ele pediu um pouco. Ela falou que ia buscar, entrou em um
ônibus e nunca mais voltou.

DIÁLOGOS DO CONSULTÓRIO – PARTE II de III
Sex, 15 de Ago de 2003
Estava lá na rodoviária. Sem dinheiro, sem amigos, sem
ninguém. O cara de camisa xadrez chegou ao seu lado e ofereceu
um cigarro. Não fumava mas fumou. Tirou um dicionário do bolso
e falou:

68

- Normal vem de norma. Norma vem de igual.
O cara olhou para o garoto sem barba. Talvez não tenha
conseguido entender coisa alguma. O garoto continuou a falar:
- E quem é normal? Qual é a cor dos olhos de um cara normal?
Como um cara normal penteia o cabelo? Como age quando está
apaixonado? Você é normal? Eu sou normal? Se o significado de
"normal" é tão vago e abstrato, talvez tenha sido os psiquiatras
que criaram a loucura.
Continuou falando e falando. Disse que não era louco, mas que
faltava serotonina. Ou sobrava. Não sabia direito. Na verdade
isso nem importava. Os livros e catálogos de doença diziam
sempre a mesma coisa. Variação de humor, mania, euforia,
depressão, vontade de andar por aí até cair no chão desmaiado.
Isso é o que o véio barbudo chamava de psicose maníaco
depressiva.
O cigarro acabou. Pediu mais um. O cara de camisa xadrez tinha
bom coração. O garoto só queria conversar. Continuou dizendo:
- Aí que o mundo não respeita o fato de eu ser eu mesmo.
Maníaco ou depressivo preciso me adaptar, preciso me alienar,
preciso estar onde todos estão. Tenho que estudar, tenho que
aprender coisas que acho que nunca vou usar. Tenho que aturar
o professor com cara de nada. Tenho que dar a porra do sorriso
amarelo para o chefe. Muda meu humor, muda minha cabeça,
mas a rotina do mundo continua. Não, não. Não é nada fácil viver
desse jeito. A gente tenta, mas num é nada fácil ser estranho,
porque as pessoas são estranhas quando você é estranho.
- Você é o Jim Morrison?
- Reencarnei semana passada.
- Podicrê.

69

Começou a chorar. Fazia tempo que não chorava. Mas chorou.
- O mundo está cheio de escravos. Me chamam de incapacitado,
mas me sinto em plena posse de minhas faculdades mentais.
Numa boa. O problema é esse mundo. Eu faço o meu próprio
mundo, mas o mundo que tá aí fora já tá feito com suas luzes de
neon, acidentes e garrafas quebradas nas ruas. É a música
urbana. Esparadrapos podres, doença, poluição. Você olha no céu
e se ver um ponto brilhante é provável que não seja nenhuma
droga de estrela, mas uma droga de torre de comunicação. Ou
avião. Gostaria de ter uma metralhadora e o mundo seria um
parque de diversões. Sem sangue, sem violência, sem mortes.
Porque os marcianos não invadem a Terra?
- Eu já ouvi essa música.
- Gosta de Legião Urbana?
- Gosto sim.
Passou um ônibus. Ia dar o sinal pra ir embora, mas hesitou. O
cara de camisa xadrez embarcou, a menina de olhos escuros
desceu e acenou.
Ela tinha uma mochila. Talvez tivesse apatia. Pegou o garoto
pelos braços e falou para sairem rápido dali que não era bom
ficar assim exposto a todo mundo. Falou que não é porque era
paranóico que não havia ninguém perseguindo de fato. Ele
perguntou se ela era Kurt Cobain. Não era não. Lembrou que a
maior astúcia do Diabo é convencer a humanidade de que ele não
existe. Então sairam correndo surfando sobre carros parados no
trânsito transportando executivos engravatados, estressados e
alucinados de café.
Ela era uma agente da Zion. Queria o libertar da Matrix.

DIÁLOGOS DO CONSULTÓRIO – PARTE III de III

70

Sex, 22 de Ago de 2003
Da janela do computador
vermelho gritando:

colorido

ouvia

o

revolucionário

- ...é claro que o mundo não pode mudar, mas acontece que a
gente pode mudar nossa vida. Definir nossa vida. Viver nossa
vida, ao invés de permitir que o mundo a viva pela gente.
Ele olhou para a garota de olhos escuros. Ela olhou para ele. Os
dois voltaram a olhar para o revolucionário vermelho no palco e
este incitava movimento na platéia (de três pessoas) e dizia:
- Olha só a nossa vida como está. Olha só as coisas como são.
Criar nossa vida é recriar o mundo, porque essa realidade só é
assim porque a vemos assim. Mas as coisas estão mudando. O
submundo tá emergindo. Tá nas raves e as idéias
transcendentais. Tá nos filmes que questionam a realidade. Tá no
Clube da Luta, tá na Beleza Americana, tá na Matrix, tá no Show
de Truman, tá na morte do Roberto Marinho, tá na igreja e as
reformas do G12, tá na música do Radiohead falando sobre a
solidão do homem moderno e tá na música que diz que o sol vai
voltar amanhã outra vez. As pessoas estão com sede de algo
novo, porque o que tá aí já tá tudo morto. Já não tem novidades,
apenas impulsos elétricos. Apenas um palco. Fingimento.
Hipocrisia.
Parou, pegou um copo de água, jogou na platéia e continuou
dizendo:
- Esse mundo que a gente conhece tá em decomposição. Cada
dia que passa aumenta o número de pessoas com distúrbios,
estressadas, insatisfeitas com essa vida que a gente finge viver.
Isso é dado estatístico. Quando essa insatisfação tomar forma e
todo mundo lembrar que antes de a gente ser dentes das
engrenagens do mundo, somos pessoas vivas com nossas
próprias vontades, desejos e idéias, aí alguma coisa vai acontecer
e talvez a vida tenha intensidade de vida outra vez.

71

A terceira pessoa da platéia era a garota de olhos claros. Ela se
levantou, foi ao revolucionário vermelho e falou:
- É muito mais fácil ser feliz se a gente num se importa com
nada. Talvez a paz seja apenas apatia.
Começaram voar cadeiras na pequena cozinha onde acontecia a
reunião de Zion. A garota de olhos claros havia desestruturado
tudo outra vez. Empurrou pra longe o revolucionário vermelho e
falou:
- O MUNDO É COMO É! NADA VAI MUDAR! SE TUDO FOSSE
PERFEITO NÃO TERIA GRAÇA.
Talvez ela fosse uma agente da Matrix. Talvez fosse vênus. O
revolucionário vermelho certamente era de Marte e seu furor se
devia aos dias de hoje.
A Matrix é de Vênus.
Zion é de Marte.
Faltava serotonina na cabeça do garoto. Não sabia em que
pensar. Em Zion, em Matrix, em olhos claros e escuros,
revolucionários vermelhos, músicos de camisa xadrez. Começou a
chorar. Depois saiu de lá sem ter ninguém para o acompanhar.
Ficaram lá discutindo tantas coisas, tantas possibilidades, tantas
realidades. Aquilo era o limbo. Ou o purgatório. Queria sombra,
companhia e água fresca. Queria alguém para conversar. Ou para
não conversar. Queria apenas alguém ao seu lado. Não queria um
mundo perfeito e pessoas sorridentes como no comercial da fanta
uva. Queria apenas um mundo de pessoas vivas. Na matrix tava
tudo zumbificado. Nada mais era vivo. Tudo de plástico, de
metal, de papel. A ciência doente, a educação doente, as crenças
doentes, tudo doente. Em Zion tinha muita discussão, muitas
possibilidades, muita violência. Num queria nada. Olhou ao seu
redor, não pensou em coisa alguma e apenas afirmou que era

72

uma criança do holocausto. Depois foi andando, até dobrar a
esquina a esquerda e sumir.

O PIOR JÁ PASSOU
Sex, 15 de Ago de 2003 3:07pm
Acho que o pior já passou. Agora tô aprendendo a conviver com
as minhas maluquices, seja lá quais forem...
Consigo ser extremamente formal quando eu preciso e aí
ninguém me chama de doido. Acho que é disso que fala Don Juan
em Carlos Castaneda quando explica a técnica da “loucura
controlada”...
E escrever para mim é algo terapêutico. A cabeça é uma xícara
de café. Se a gente não esvazia o conteúdo e continua enchendo
a xícara, chega uma hora que começa a transbordar e sujar tudo
a mesa. É por isso que eu gosto de falar, escrever e me
comunicar. Não é nada de ego. Já foi ego, agora não. Sinto falta
de me comunicar sem precisar medir palavras e seguir as regras.
Falar coisas sem sentido ou com excesso de sentido, viajar na
maioneze. Sinto falta disso. PRECISO disso para conseguir me
controlar.
A cabeça da gente é tão complexa. Tenho uma matéria (de
revista) aqui comigo chamada "penso, logo não existo". Fala que
nossa cabeça é um palco cheio de personagens diferentes
brigando pelo papel principal. Dependendo da situação vem um
cara sério aqui na minha cabeça, ou então um cara agressivo, ou
um cara pacífico. Minha cabeça é um palco de "EUs" imaginários.
E eu_não_sou ninguém. Apenas concedo espaço pra mim mesmo.
Paradoxal isso, né?
Se eu_não_sou, de onde vem a imagem refletida no espelho?
Sex, 15 de Ago de 2003 3:32pm

73

Tenho mais medo de ir num psiquiatra que ir num dentista ou
ficar maluco de vez.
Por enquanto, apesar de tudo, gosto de viver. Fazer maluquices
me motiva a continuar. Sei lá... tem a parte ruim, existe a
confusão, existe a dor, mas passa. Sempre passa. Tenho certeza
que mesmo que eu endoideça eu num vou lesar ninguém. Não
me importo com o que vai ser de mim. Eu nem ligo. O máximo
que faria para prejudicar alguém seria desprezar. Se não me
sinto útil fico um pouco sombrio. Apático. Deixa pra lá...
Nenhum estado de consciência dura para sempre, e a esperança
de ver o que tem adiante me motiva. Fazer uma página na
Internet ou publicar os desenhos de alguém é o que me dá
vontade de viver. Me sentir útil para alguma coisa, ver magia na
vida. Num tô me importando com o quê vão pensar de mim.
Estou me importando com o que quero fazer e o que vou fazer.
Para o sistema eu sou um inválido acéfalo que não entende
economia e matemática. Um biólogo frustrado que não passou na
droga do vestibular por não conseguir prestar atenção nas porras
dos professores explicando aquelas coisas todas. Até consigo,
desde que eu esteja suficientemente em paz comigo mesmo. E
para ficar em paz, tenho que sentir que minha vida está valendo
a pena.
Existem outras variáveis ainda. Deixa isso tudo pra lá. É tudo
mentira. Sempre que eu disser "eu sou" ou "eu tenho", é
mentira. Eu num sou coisa nenhuma.

FODA-SE
Seg, 18 de Ago de 2003 3:57pm
Uma vez li um negócio assim:
"Quando alguém te dá um presente, e você não aceita o
presente, de quem é o presente?"

74

As pessoas são cheias de maldade. Deixa elas lá. Que se dane. Tô
nem aí, tô nem aí. Quem define a realidade de quem sou ou
deixo de ser? Eu ou eles? Quem conhece mais sobre mim
mesmo: eu ou eles? Então num tô nem aí com ofensas e
agressões. Falaram que eu sou um retardado débil mental? Tsc!
Foda-se!
"O universo conspira a favor de quem diz FODA-SE sem foder
com a vida de ninguém".
Existem dois tipos de foda-se:
1. O direcionado ao indivíduo;
2. O direcionado a situação.
O segundo caso, bem administrado, acaba tornando o primeiro
desnecessário.

RAZÃO
Seg, 25 de Ago de 2003 0:12pm
Essas coisas de auto-ajuda é tudo balela. Cê lê um livro que fala
que cê é legal e você se sente a melhor pessoa do mundo
durante uma semana. Depois volta tudo a mesma coisa de
sempre.
CD de meditação também.
A felicidade vem de dentro, não de fora, de livros e CDs. É que
nem aquilo de conhecimento: a síntese do conhecimento é
interna, não externa.
Eu sei lá. Estou apenas tentando enquadrar minha loucura num
sistema de pensamento. Lutar diretamente contra a loucura
causa muitos efeitos colaterais. Mas se a gente consegue
"domesticá-la", aí ela pode trabalhar a nosso favor. O problema

75

não é a loucura, o problema é se afogar na loucura. Tô
aprendendo a domesticar a serpente marinha que solta fogo pela
boca. O melhor que fiz para tentar levar isso adiante foi comprar
um caderno e separar minha vida em pedaços. Vida financeira,
amigos, namorada, trabalho, casa, escola, arte, saúde, mente,
enfim... vou me decodificando, me desconstruindo. Depois vou
vendo fatores que interferem no equilibrio de cada uma dessas
sub-vidas. Depois vejo o que tenho "pendente". Aí me programo.
É como se eu pegasse eu mesmo e ficasse observando sem ser
eu. No momento de anotar no caderno procuro pensar
objetivamente e evitar qualquer subjetividade. É a razão que dá
forma e limita a loucura. Procuro usar a razão para não me
afogar na minha loucura. Tô só aprendendo a nadar. Ou a
contar... sei lá.
Só é foda ter o cuidado necessário para não deixar ser dominado
pela razão e aí deixar de sentir. A razão só serve para delimitar,
dar forma a loucura. Depois ela só atrapalha. Deixa a gente muito
distante. A razão pode ser a cura assim como pode ser a causa
de um afogamento. Ela tira a gente do chão, porque a razão é
infinita. Se a gente levar ela a sério a gente sai de órbita.
Cada dia é uma batalha pela sanidade. Mas sinto que estou indo.
Demorei uns três cadernos para conseguir me organizar. Agora
estou indo bem. Me sinto produtivo em várias coisas. É um lance
de disciplina. É como se o mundo fosse um grande mosteiro
budista e eu fosse um monge sem tijela nem manto cor de
laranja. Só com um caderno.
Essa foi a maneira que eu achei para num perder o controle da
loucura, já que não quero assassiná-la. Mas tudo é tão subjetivo,
tão individual. Só acho que o início de qualquer coisa é se livrar
de rótulos, porque eles prendem a gente.
Fico construindo uma outra realidade para mim, sem sair desta
aqui. Fico no meu mundo, todo cheio de magia e sincronicidade e
mistérios e energias e profecias e sinais. E fico aqui no escritório
e passos apressados, gravatas e computadores. É como se aqui

76

eu fosse um espião, um estrangeiro. Existe um universo imenso
na minha cabeça e ele é secreto. É meu segredo sagrado e
pessoal. Só que esse meu universo, essa minha realidade, deve
ser tão grande a ponto de compartimentar a realidade comum
ordinária. Quero dizer, essa realidade comum é só um pedaço da
realidade da minha cabeça. Mas a realidade da minha cabeça leva
em conta outras coisas a mais.
Quero um barquinho para velejar por aí sem ter que nadar e
cansar os braços...
Acho que não existe um "manual de sobrevivência universal".
Cada um cria o seu próprio, de acordo com seus anseios e seu
meio ambiente. O ser humano não é uma fórmula matemática.
Mas cada ser humano pode achar a fórmula de si mesmo.

COMPROMISSO
Seg, 25 de Ago de 2003 2:04pm
Eu num queria trabalhar não. É difícil encaixar a mente
barulhenta numa rotina, porque a gente muda demais. Todo
mundo esperando tudo da gente e a gente mudando...
Mas acho que às vezes a gente que se obriga a dar satisfações.
No fundo no fundo ninguém liga pra gente. Às vezes a gente que
se impõe "compromissos". Só para se adaptar ao mundo. Vai de
a gente ver o que é e o que não é essencial pra gente. Viver para
si mesmo e não dar o sangue para o mundo. Jesus Cristo já fez
isso e o mundo continua cheio de maldade. Ninguém vai salvar o
mundo agora. Se cada um conseguir salvar a própria alma já está
ótimo!
Essencial eu vejo como abraço de namorada; dinheiro para comer
e para ter um lugar onde morar; algum tipo de atividade criativa,
seja criar um filho, escrever um conto ou construir uma casa; um
sonho.

77

Esse negócio de livro de auto-ajuda de "viver o momento" às
vezes é interpretado com não ter um objetivo e viver a base de
happy hours. É levar uma vida de hiena: comer carniça e rir. Sei
lá. Viver de momento parece tão sem sentido. Gosto de pensar
em construir uma vida, uma família, correr atrás de um sonho,
seja ele qual for. É uma coisa que impulsiona a gente. Colar a
cabeça quebrada, e depois de colada, fazer algo, construir algo.
Falo de viver uma vida de verdade, com todos riscos e trabalho
de viver. Mas trabalhar para si mesmo, não para o mundo.
Num tô falando nada de egoísmo. Num confunde as coisas.
A partir do momento que a gente sabe o que quer, as
dificuldades do mundo machucam a gente, mas num deixa a
gente desistir. Às vezes falta esclarecimento, sentido. Falta uma
base, um dispositivo auto-regulador que nos lembre pra que é
que a gente tá vivendo.
Eu queria sombra, companhia e água fresca. Só isso. Mas pra
chegar lá eu sei que vou ter que fazer bastante coisa. Dá medo
só de pensar. Então é melhor não pensar em tudo que eu tenho
que fazer, mas só o que tá faltando fazer hoje. E vai ter um
monte de gente me chamando de louco, mas quem faz minha
vida sou eu, ninguém mais.
Seg, 25 de Ago de 2003 2:12pm
Trabalhar é bom, mas trabalhar pela nossa vida, não para esse
mundinho que num tá nem aí para o que a gente sonha e o que a
gente precisa.

INCONSCIENTE
Qua, 27 de Ago de 2003 9:36am
O inconsciente é como um mar. A gente vai indo de barquinho.
Os mais doidos não têm barquinhos e aí ou seguem nadando ou

78

se afogam em sua loucura. Lá embaixo, antigos navios piratas,
cheios de tesouros escondem brilho e beleza.
Aí a gente tem que aprender a mergulhar e voltar para trazer
tudo à superfície.
Tá afins?

SOZINHO
Dom, 31 de Ago de 2003 3:51pm
Dias de cão. Essa melancolia que não vai embora. Eu sei que o
jardim vai ter flores e pitangas outra vez. Uma certeza que não
dá pra explicar. Mas agora tudo está difícil! O céu é pesado
demais.
E não cai de uma vez.
Alguma coisa no coração se debate, tem convulsões, fala alto na
minha cabeça. Pessoas falando, sapos coachando, terror. Minha
alma tem convulsões em meio a multidões. Pânico. Pânico. E fico
bem quando estou só. Sob o sol. Sob o céu. Pensando que a luz
vai brilhar amanhã outra vez.
Juro que eu queria ter você ao meu lado, mas as coisas são
difíceis pra eu, você e todo mundo. Juro que gostaria mesmo,
mas não sei o que fazer para estar bem. Posso ter sido a pior
coisa que já te aconteceu, mas quero que saiba que nunca menti
sobre o que senti ou sobre o que eu queria. Nem nunca quis te
entristecer ou te ver chorar. Não, não é um pedido de perdão. Só
quero que tudo fique bem. E que você me mate. É, vamos lá,
acabe comigo. Não deixe restar nada. Não tenha medo ou dó.
Ah não! Deixa tudo como está mesmo... as coisas se resolvem.
Um dia imaginei um mundo perfeito. Todas árvores e flores
dançando pra você. Todas aquelas aves do céu te cantando

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canções. O sol brilhando todo dia para iluminar teu caminho. Eu
juro que eu imaginei um mundo perfeito. Mas que droga! Tudo o
que devíamos fazer era seguir em frente! Aí quando eu me
tornasse alguém, você estaria ao meu lado. Mas tudo é difícil e
esses dias são estranhos demais. Essas coisas todas
acontecendo. Essas guerras mentais. As viagens de helicóptero.
Toda essa maldade, essa mentira.
Não que eu vá desistir de coisa alguma. Só queria estar bem. Mas
estou longe demais. Fui longe demais. E agora não sei se devo ou
quero voltar. Sei que, seja como for, eu espero que esteja tudo
bem pra eu, pra você e todo mundo mais. E eu vou ficar bem.
Juro que vou. Só olhando você caminhando, seguindo teu
caminho. Até o sol nascer outra vez.
Desculpa não estar por aí. É que eu tenho que ficar por aqui.
No rádio a canção de sempre:
E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço por assim dizer
Quando convém aparecer
Ou quando quero
Desenho toda a calçada
Acaba o giz tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol
Que a chuva apagou
Quero que saibas
Que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda
Do que me faz forte
E pra ser honesto
Só um pouquinho infeliz

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Mas tudo bem
Tudo bem
Tudo bem
Tudo bem
Tudo bem
Tudo bem
Lá vem lá vem lá vem de novo
Acho que estou gostando de alguém
E é de ti
Que não esquecerei
Dom, 31 de Ago de 2003 3:59pm
Gosto do outono. Não gosto de agosto. Gosto de dias de chuva.
Não gosto de dias tão quentes assim. Gosto de manhãs de
inverno, quando o céu está azul e o sol não incomoda. Quando eu
fico lá no ponto de ônibus antes de trabalhar. Gosto de ver os
cachorros sob o sol. Num gosto muito de mim. Gosto de
primavera. E pitangas. Gosto de setembro. De abril. Gosto de
outubro. De novembro. Gosto de estar vivo. Gosto das
tempestades que calam e assustam todo mundo. E de raios,
relâmpagos, trovões. Não gosto quando acaba a energia elétrica
e quando os postes pegam fogo. Gosto de vento na cara. Gosto
de bater a cabeça na parede. Não gosto de ver meu reflexo na
droga do espelho. Gosto de quebrar espelhos com o nariz. Gosto
de me cortar. Gosto de não pentear o cabelo. Num gosto de
nada. Gosto de ficar sentando no banquinho da praça. Não gosto
de estar com o peito cheio, gripado, resfriado, quase morrendo.
Gosto dela, mas não gosto de mim. E aí num dá certo.
Dom, 31 de Ago de 2003 1:03pm
Outono é legal. Primavera é legal. Dias cinzas são legais. Dias
azuis são legais. Tudo é legal. Eu sou legal. Tu é legal. Ele é

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legal. Nós somos legais. Vós sois legais. Mas ELES nem sempre
são legais.

ACOMPANHADO
Ter, 2 de Set de 2003 11:42am
Às vezes um dia vale por trinta. Trinta dias valem por um. O
tempo não é o mais importante, o mais importante é a
intensidade do que se sente, do que se descansa, do que
refresca, etc e tal e tudo.
Acho que isso é ciclotimia.
E acho que não estou mais sozinho. Só tive que lembrar que eu
não sou o pai dela e ela não é minha mãe. Eu sou um cara que
gosta dela e ela uma menina que gosta de mim. E a gente tenta
ir vivendo junto. Às vezes a gente se esquece da base das coisas.
A gente confunde tudo. Ela perguntou se eu gostava dela. Claro,
eu gosto dela! Mas o que é "gostar" para ela? O que ela entende
por isso? Talvez o meu "gostar" seja uma coisa, o dela outra.
Eu complico tudo, só porque queria simplificar.
Sabe o que eu tava pensando? Em rótulos e definições outra vez.
Ainda acho que as definições que tão aí fora são mais doidas que
eu. Definições de "gostar", "amar", "namorar", "norma",
"loucura". Tá tudo doente. As palavras estão todas doentes, e
hoje em dia vêm sempre carregadas de segundos significados.
Sempre rola uma certa decodificação de palavras, frases e essas
coisas. Elas sempre ocultam mais significados. Talvez este seja o
princípio do delírio. Ou talvez seja apenas uma expansão da
linguagem e comunicação humana.
Sei que tudo se esconde nas entrelinhas.
Qua, 3 de Set de 2003 11:06am

82

A vida é um mar de rosas. O problema é que a gente se corta nos
espinhos.
Eu falei pra ela que sou lunático, mas ela não deu muita atenção.
Ela fala que eu quero ser louco, mas que não sou louco coisa
nenhuma. Acha que eu sou um monte de coisa e não acredita
quando falo que eu_não_sou nada.
Na verdade acho que, entre outras coisas, foi isso que fez quase
tudo acabar. É que às vezes fico perdido no meu mundo, sem
direção e nem apoio. E uma vez perdido no meu mundo, só posso
contar comigo mesmo, seja lá para o que for.
Só que aí eu lembrei que ela não tem que cuidar de mim ou me
ajudar. Estou com ela porque gosto de estar com ela, não
procurando cuidado ou coisa parecida. Por isso que falei que ela é
minha namorada, não minha mãe. Sei que gosto dela, mas deixei
claro que eu sou meio esquizóide mesmo e isso não vai mudar. E
que meu gostar dela não é doença e se ela num estiver afins de
me aturar é só me jogar em frente a um carro que eu num vou
ficar triste nem nada.
Aí me falam que sou insensível... eu_não_sou nada.

BIPOLAR
Ter, 2 de Set de 2003 2:47pm
Saiu numa revista:
02 de Setembro de 2003
Os gênios problema
"Um psiquiatra americano e seus assistentes estudaram as
vidas de 40 dos maiores nomes da história do jazz para
descobrir a chave de sua genialidade. O resultado da
pesquisa: a criatividade dos jazzistas pode estar ligada às
suas tragédias pessoais, como vício em drogas e álcool,

83

casos de abuso e até problemas mentais. O estudo,
comandado pelo médico Geoffrey Wills, de Manchester, foi
divulgado nesta terça-feira, pelo British Journal of
Psychiatry, da Inglaterra.
De acordo com Wills, os músicos analisados tinham uma
incidência de vício de drogas oito vezes maior do que a
média da população, e quatro vezes mais casos de
distúrbios de comportamento. Ele avisa que sua pesquisa
não significa que todos os grandes nomes do jazz eram
problemáticos - mas sim que todos compartilhavam a
mesma vulnerabilidade aos problemas mentais e físicos
investigados na pesquisa. O mesmo ocorre, segundo o
médico, com escritores e artistas em geral. "Eu não estou
tentando dizer que todos eles são loucos, mas apenas
destaquei uma tendência comum entre eles", explica o
especialista inglês.
A pesquisa mostrou que pelo menos vinte entre os 40
jazzistas estudados - todos da era de ouro do gênero nos
Estados Unidos, entre 1945 e 1960 - se disseram viciados
em heroína em algum ponto de suas vidas. Quatro deles
tinham históricos familiares de problemas mentais. Miles
Davis, Art Pepper e Bill Evans eram dependentes da
cocaína. Davis sofria de paranóia e alucinações, e Pepper
também tinha fobias (dizia ter medo de ver sangue e de
atender ao telefone) e compulsões (lavava as mãos várias
vezes ao dia). O estudo mostrou ainda um número
bastante alto de suicídios entre os músicos e muitos casos
de abuso - seis deles, incluindo Dizzy Gillespie, eram
espancados na infância."
Nossa! Jazz, alucinado daquele jeito, só podia ser coisa de
maluco! Dizzy é fantástico! Art Pepper também!
Eu num sei porque essas revistas teimam em especular sobre a
vida pessoal desses caras. Parece que eles tentam dizer: "olha,

84

eles só fizeram isso e aquilo porque sofreram, porque tinham
problemas. Eles não eram normais".
É uma falsa premissa de "tem que sofrer para ser alguém". É
uma idéia que inculcam em nossa mente através de programas
de TV, rádio e matérias como essa.
A normatização de um povo por meio de informação distorcida,
tendenciosa, malígna e mal-dita.
Ligo a TV. A lavagem cerebral de cada dia nos dai hoje.
Mastigo lixo nas páginas da revista da banca.
Prefiro ficar quieto no meu canto sintonizando minha mente em
outras estações.
E radiohead é legal:
Por favor, você poderia parar com o barulho,
estou tentando descansar
De todas as vozes de galinhas não nascidas em minha cabeça
O que é isso?
(Eu posso ser paranóico, mas não um andróide)
O que é isso?
(Eu posso ser paranóico, mas não um andróide)
Quando eu for rei você será o primeiro contra a parede
Com suas opiniões que não servem para absolutamente nada
O que é isso?
(Eu posso ser paranóico, mas não um andróide)
O que é isso?
(Eu posso ser paranóico, mas não um andróide)
Ambição te faz paracer muito feio
Esperneante esgoelante porquinho da Gucci

85

Você não se lembra, você não se lembra
Por que você não se lembra do meu nome?
Cortem sua cabeça, cortem sua cabeça!
Por que ele não recordaria o meu nome?
Suponho que ele faça.
Chova,Chova
Vamos, chova sobre mim
De uma grande altura, de uma grande altura,
Chova,Chova.
Vamos, chova sobre mim
De uma grande altura, de uma grande altura
É isto senhor, você está partindo
O estalo da pele de porco
A poeira e a gritaria,
Os yuppies trabalhando
O pânico,
O vômito,
O pânico,
O vômito
Deus ama seus filhos
Deus ama seus filhos, yeah

MANIA?
Ter, 2 de Set de 2003 3:42pm
Uma Crise de Desespero pode acabar com todas as Crises de
Felicidade, mas por outro lado, uma única Crise de Felicidade vale
por uma vida inteira de Crises de Desespero! Alguns episódios
maníacos eu lembro de um jeito tão bom. Não como um "surto
psicótico devido a falta de serotonina no cérebro". Se faltou ou
não serotonina eu quero que se dane! Só sei do que senti. E foi
legal.
Lembro quando eu comecei a ter meus surtos... a sensação de
plenitude. Era bom. Só que quando a gente conhece o céu, o
inferno torna-se mais escaldante. Já leu a alegoria da caverna de

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Platão? Fala que quando o cara vê o sol e depois percebe que tem
uma certa "obrigação" de voltar a escuridão da caverna, ele sente
dor.
A alma sente o peso de estar presa ao corpo.
É muita pretensão para um ser humano que não sabe onde o calo
do outro ser humano está apertando, chegar e falar: "usa meu
sapato".
Não gosto de sapatos. Gosto de chinelo.
Tô escrevendo assim porque preciso trabalhar.

LOUCURA x NORMA
Qui, 4 de Set de 2003 3:20pm
O dilema está em:
a) lutar contra a norma; ou
b) aceitá-la.
Que se dane a norma! A gente não tem que lutar contra ela. É
como dar soco em ponta de faca. A norma despreza o diferente.
Eu sou diferente e desprezo a norma.
Num tô falando de pessoas normais, mas da idéia, do conceito de
norma.
Falamos, discutimos a norma, a fim de esclarecer isso pra gente
mesmo. A gente arquiva as regras do mundo normal num espaço
da nossa cabeça, mas a nossa realidade interna é muito maior e
leva muito mais coisas em consideração. Ao invés de ver a norma
como uma totalidade a gente simplesmente olha ela como uma
parte de um todo mágico e infinito que a gente vai construindo
pedaço a pedaço.

87

Uma vida é algo a ser construído. Ninguém tá aqui pra brincar de
viver, ainda que a vida possa ser encarada como uma
brincadeira, ela é coisa séria. Muito séria pra te falar a verdade.
Deus num tem caprichos.
O importante mesmo é a gente viver, sobrepor nossa vontade à
norma. Num tô falando de quebrar tudo, mas fazer a tua
individualidade, a tua digital, a tua íris, o teu jeito de espirrar –
que não é igual ao de ninguém – ter espaço para SER.
Não, não! Já falei que num é nada de colocar a camisa do Che
Guevara no peito e ficar fazendo passeata lá na rua para todo
mundo ficar doido.
“VENHA IRMÃO, FIQUEMOS TODOS MALUCOS! JESUS SALVA!”
Num é nada disso! Larga de palhaçada! Pára com isso!
Já fizeram isso e não deu certo. O Frank Zappa com tanto talento
e inteligência tentou isso através de música ouvida por milhares
de pessoas...
...e num deu certo.
Não é gritando. Isso seria estar se enfiando em um dos rótulos
delirantes da norma. A gente não tem que se enquadrar nos
rótulos deles.
É só viver a nossa vida, sem ficar nas paranóias de "ai, eu sou
doente, eu sou coitado, sou uma droga de bipolar". Essa autoimportância, essa auto-piedade mata a gente. Não acho que a
gente sofre mais. Acho que a gente sente mais intensamente
algumas coisas, entre elas, a dor. O importante é aprender a
reconhecer a aura de um surto, aprender a direcionar a energia
maníaca, retê-la, equilibrá-la para evitar tanto sofrimento...

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Tô falando de aprender a operar essa roupa de astronauta
chamada "corpo", que com alguns ajustes diferenciados nos torna
"bipolares".
Pôxa, eu sofro um bocado com umas coisas. Para conseguir me
libertar de delírios narcisistas que às vezes vem me cutucar eu
tenho que me odiar, me odiar, me odiar, até não ser mais nada.
Não é fácil. Tenho um ego do tamanho do mundo, que se eu
deixar, infla até o céu e me faz mal. Tenho que desenvolver
"estratégias de sobrevivência" que você nem imagina. Só para
manter minha integridade psíquica. Ser a-normal não significa
não ter integridade psíquica. Coisas que todos diriam que é
maluquice, idiotice, mas para mim funciona. Às vezes falha. Aí a
gente implementa um novo tópico em nossa estratégia e vai
escrevendo um manual de sobrevivência para si próprio. Um
manual pessoal, secreto, que só serve para nós mesmos, porque
a íris do nosso olho não é igual a de ninguém. Nem nossa digital.
Nem nada.
Essa coisa de estudar Análise de Sistemas está me fazendo usar
termos esdrúxulos.

PÉ NO CHÃO
Sex, 12 de Set de 2003 3:20pm
O problema são as palavras, não os significados. Eu não vejo
energia nem nada... mas tô aprendendo muita coisa legal no
curso de matemática que faço aos sábados. O que descobri é que
a ciência não pode dar todas respostas, porque nem sempre é
possível provar ou repetir certas experiências em laboratório,
mas por outro lado, através do raciocínio - e é aí que entra a
matemática - é possível chegar a muitas coisas legais...
Mas essa abstração toda tem como único objetivo facilitar a nossa
vida prática. O professor fala que gênio não é quem desenvolve

89

uma teoria complexa e tudo, mas quem consegue juntar o
conhecimento numa aplicação prática.
Você gosta da vida prática. Você gosta e vai viver, sem teorias e
fantasias, mas vivendo simplesmente, convivendo o dia-a-dia.
Você tem os pés no chão e esse é um dom que você tem. O dom
de olhar o aqui e agora sem fritar o cérebro na metafísica da
batata frita. Você quer estar bem. Eu também quero estar bem.
Todos querem estar bem. Você do seu jeito, eu do meu jeito,
cada um do jeito que Deus fez.
Já pensou o que aconteceria se todos fritassem o cérebro com a
metafísica da batata frita?
Mas, por outro lado, já pensou se todos vivessem com seus pés
ancorados no chão?
Lembro do Morpheu do filme Matrix dizendo "não pense em
termos de certo e errado". Já imaginou um mundo sem certo e
errado? Um mundo sem dentro nem fora? Parafraseando Don
Juan (do Carlos Castaneda): "todos caminhos levam a um mesmo
fim, mas só um caminho tem coração". E é esse caminho que eu
busco. Meu caminho individual.
Se teu coração bate por uma vida com os pés no chão, é no chão
que devem estar os teus pés. Senão, não.

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NARCISISMO
Tava falando com a Beta...
(...) tem gente que me acha metido e tudo. O fato de eu não ter
muito medo de me expôr e até gostar do risco de estar sob os
olhos dos outros não significa que eu sou orgulhoso. Orgulhar-se
de algo que se fez não é ter orgulho de si mesmo. Pôxa, coisas
que faço, textos que escrevo, páginas que construo eu não faço
para me envaidecer. Faço porque gosto de fazer coisas e gosto
sim quando dizem que meu trabalho está bom e me sinto
orgulhoso da minha obra. Não de mim mesmo, porque hoje eu fiz
uma coisa legal, mas amanhã eu não sei como vai ser, já que
tudo muda tão rápido aqui dentro da cabeça.
Procuro não carregar uma imagem de mim mesmo porque pesa a
mochila. Mas as pessoas nem sempre entendem isso. Às vezes
faço alguma coisa e quero mostrar pra alguém e aí pensam que
estou em busca de elogios ou querendo ME mostrar, quando na
verdade queria apenas mostrar uma coisa que fiz. Aquele negócio
de EGO x ATO, sabe? gosto de me sentir útil, de estar fazendo
algo. Não busco reconhecimento, só respeito, atenção. Hoje em
dia, me acostumei tanto com o desprezo das pessoas que eu
mesmo me desprezo antes de mostrar alguma coisa. É uma
droga isso.
Será que sou carente ou sou demente?
(...) eu não consigo me lembrar de como sou. Às vezes me sinto
esquisito, como se meu rosto se deformasse. É que não consigo
esconder o que sinto. Quando aprovo ou quando reprovo ou
quando me surpreendo ou quando fico feliz, infeliz... tenho a
sensação que não consigo esconder essas coisas. E é difícil estar
assim na vitrine quando a gente acha o mundo tão hostil. Quando
a gente questiona, tem espírito crítico. Se a gente se leva a sério
as pessoas acabam nos achando mesquinho ou coisa parecida.
As pessoas julgam.

91

Tem gente que não gosta de ver gente feliz. Tem gente que
machuca a gente para se realizar. Eu não entendo. Queria me
reconstruir, poder ser eu mesmo, sem ter que me desprezar para
não me acharem mesquinho. Mas existe muito julgamento.
Ninguém está disposto a compreender ninguém e isso ajuda a
gente perder nossa identidade.
...
(...) não sei se falei de uma piração que eu tive de que uma vez
ouvi umas vozes e tudo. Enfim... falava sobre dois mundos: um
mundo de conhecimento e um mundo de vida. Se eu fosse num
psiquiatra ele poderia até dizer sobre esquizofrenia e tal... eu
encarei as vozes como uma espécie de revelação e até hoje vivo
num eterno dilema entre esses dois mundos. Como andar no
mundo do conhecimento sem cair no extremo e deixar de viver?
E como amar a vida sem afetação e tolice?
Tudo o que vejo, o que leio, o que aprendo, o que sinto, vai se
reduzindo até se tornar elemento do mundo do conhecimento ou
do mundo da vida. Mas essa dualidade vive me atormentando. O
mundo do conhecimento tem algo de diabólico, sinistro.
Conhecimento é poder, tem a ver com fogo que cria e destrói. A
evolução do homem e o fogo. O mundo da vida, sem a luz do
fogo do conhecimento, deixa a gente perdido. E eu fico pirando
nessas coisas... sempre sai alguma piração diferente desse papo
de mundos.
...
(...) uma coisa que sempre me acontece é me envolver em
delírios mitológicos. Geralmente em grupo de pessoas encontro
elementos-chave de um delírio mitológico. As pessoas que
convivem no meu dia-a-dia giram na minha cabeça à noite, e um
delírio vai formando-se de um jeito grandioso e assustador. Como
se cada elemento trouxesse uma mensagem para uma suposta
evolução espiritual. Aí isso se associa ao negócio do mundo do

92

conhecimento x mundo da vida e cada elemento do "delírio" trás
carimbado na testa a procedência. E alguns elementos desafiam,
como se fossem anjos do mau. Cê num tem idéia de onde minha
cabeça vai. Mas não costumo falar muito sobre isso, porque é
uma espécie de "delírio secreto e sagrado".
No mundo virtual, se eu não tomar cuidado, eu frito nessas
idéias, porque o mundo virtual faz nossa imaginação fervilhar. Aí
esse negócio de não ter nome, não ter nada, não ser ninguém, é
a forma que encontrei de me livrar de delírios mitológicos. Não
tenho como me envolver num delírio mitológico se não sou
nenhum personagem. Está funcionando fazer isso.
...
A natureza muda meu humor. Quando o céu fica azul e tem sol,
parece que acontece algo comigo. Me sinto melhor sem o peso do
céu de nuvens.
...
Vejo o ego como uma noção sobre si mesmo. Uma definição de si
mesmo. Um reconhecimento como indivíduo único numa
sociedade. Quando ele se infla, a gente começa a ter noções
demais sobre si e aí que tudo o que a gente vê em si mesmo nem
sempre é correspondido com o que os outros vêem em nós. E aí a
gente cai. Se decepciona. Vê que não é nada daquilo que pensava
ser. E aí dói. É aquilo de subir alto, com o ego inflado e depois
vem alguém com uma agulha e espeta. Aí a gente cai. E quanto
mais alto a gente sobe, mais fodida é a queda. Aí fico buscando
um nível aceitável de ego. Meu único inimigo sou eu mesmo.
...
(...) trabalho aqui de onde estou escrevendo isso desde 1996
com 9 horas diárias de contato com computador e Internet. No
fim de 2000 eu e um amigo criamos uma lista chamada... hehe...
EU ME ODEIO. Sério. Se soubesse a transformação que essa lista

93

fez em mim. De repente eu me deparei com um mundo virtual
onde eu podia ser ouvido. Muito diferente do mundo físico onde
minha voz não despertava a atenção necessária em ninguém
para eu ser ouvido. Na web não. Na web eu tinha espaço pra
falar. E o que eu dizia fazia bem para as pessoas. Quer dizer...
quando escrevia eu não sabia. Foi uma coisa que eu notei só
depois de muito tempo.
Sabe, certas palavras vem carregadas de energia se são escritas
com sinceridade. E nessa época do EU ME ODEIO – EMO, certas
palavras despertavam coisas nas pessoas. Não que fosse essa a
intenção. A intenção era pura e simplesmente me expressar.
Calar as vozes da cabeça. Escrever deixa a mente mais limpa.
E eu escrevia coisas sem pensar ou pensando errado. Só depois
de meses ou anos que as coisas faziam sentido pra mim.
As coisas aconteciam sozinhas. Vi pessoas se transformarem,
esclarecerem, tomarem rumos distintos no EMO. Passei por
vários arquétipos, desde o arquétipo do herói, até do pai, do
Peter Pan, do profeta. Delírios mitológicos que não acabavam,
mas que apesar de certo sofrimento por tal "tratamento de
choque", me ajudou muito a criar novas bases para apoiar meus
pés, já que as bases do mundo nunca supriram minhas
necessidades.
Um dia falo melhor sobre o EMO...
Enfim... posso dizer que o que sou hoje (ou melhor o que
eu_não_sou hoje), seja lá o que possa ser, é graças ao EU ME
ODEIO. Havia algo de mágico lá. É uma magia parecida com a
que está acontecendo na Desassossego. Uma coisa de as pessoas
serem mais que bits e bytes. Mas, pelo menos pra mim, é algo
digno de cautela, porque o "eu real" acaba se modificando pelo
"eu virtual" e isso é coisa muito séria...
A gente se fala mais...

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PROCURA-SE POR VAKATARINA
Sex, 19 de Set de 2003
De que adianta ao homem ganhar o mundo se perder sua Vaka?
É. De que adianta?
Imagina: você consegue botar tua vida em ordem, seu trabalho
em ordem, suas coisas em ordem. Organiza os teus projetos,
estipula prazos e metas claras para fazer o que quer fazer. Na tua
família e nas tuas relações sociais tá tudo ok. Não têm inimigos,
conhece um pessoal legal e tudo. Só às vezes fica meio confuso
por enfiar a cabeça em delírios mitológicos e imaginar
conspirações alienígenas. Mas depois passa e tudo fica bem. Tá
certo que às vezes não tem muito o que falar e tem uma vida
social relativamente pobre, o que algumas pessoas notam e
acham estranho. Mas como ninguém é igual ninguém, todo
mundo sabe que isso de ficar quieto assim é só uma coisa da
personalidade e tal. Então não tem problemas.
Aí então tá tudo ok. Cê fica uns dias em paz, umas semanas,
passa um mês até até que chega uma hora que você diz: nada
disso tem sentido.
E é assim que eu tô me sentindo.
Nada tem sentido. O mundo não tem sentido, o que escrevo não
tem sentido, a vida não tem sentido. Nada, nada, nada, nada.
Uma bosta.
Não que eu esteja triste ou qualquer coisa. Não é nada disso. Sou
livre. Posso ir pra lá e pra cá. Só não sinto mais nada, a não ser a
falta de sentir alguma coisa outra vez.
Aí eu penso: de que adianta ao homem ganhar o mundo se
perder sua Vaka?

95

Eu não ganhei mundo nenhum, ganhei liberdade e acredito que
consegui limitá-la com razão para não se tornar um caos. Mas
ainda existe um vazio. Talvez seja apenas o vazio do meu
umbigo, ou talvez o vazio dessa minha geração de gente amarela
em frente aos seus computadores coloridos. Eu não sei. Só sei
que sinto falta de Vakatarina...
Pra quem não sabe, Vakatarina era uma vaca que morava num
chaveiro que eu tinha na Michelle, a minha mochila. Eu a conheci
na Liberdade (aquele bairro cheio de coisas japonesas). Foi essa
coisa de amor a primeira vista, sabe?
Mas aí um dia, no ônibus, olhei pra Michelle e notei que
Vakatarina havia fugido. Só havia restado a argolinha pendurada
no ziper. Deduzi que a Vaka safada havia saído em busca do
Pasto Prometido. Ela me falava sobre esse tal pasto, onde chovia
toda noite e fazia sol todo dia e tudo sempre ficava florido de
cogumelos azuis. Eu pensava que era só estória, mas de repente
pode ser verdade. Nunca ouvi falar que Vakas eram mentirosas,
principalmente a Vakatarina.
Só sei que a safada da Vaka me deixou lá no ônibus sem saber
pra onde ir.
Lembro que logo quando Vakatarina fugiu, o Mundo Cão se
tornou mais e mais agressivo. Eu a procurei em todo canto, mas
nunca tive sucesso em minha busca. Faltava dedicação e
esclarecimento. Eu tinha muita coisa na mochila e me cansava
muito facilmente. Ela até que me visitou algumas vezes e
comemoramos nos botecos da cidade, mas eu sempre caia
derrubado pelo álcool e ela sempre acabava fugindo de novo. Aí
tudo desmoronava na minha cabeça.
Sem a Vaka eu me sinto vazio e irreal, como diz uma canção do
Syd Barrett.
Então nesta semana desativei e parti do Lago de Sapos em busca

96

de um Pasto Prometido e eterno. Um pasto florido, onde chove
toda noite e em toda manhã o sol brilha e o céu, limpo, reflete a
imensidão e graça de tudo.
Não vejo mais sentido no coachar dos sapos e agora que ganhei
asas quero voar. Sou um peixe que voa em céus verdes. O
mesmo céu que acontece no lugar onde termina eu e começa
você.
E a Vaka me espera em algum canto, com seus brincos de argola,
seus olhos castanho claro, a tatuagem de “Anarquia” no lombo.
Era mesmo uma Vaka especial. Nunca deu um mugido, a não ser
para cantar e recitar poemas.
Sei que um dia a Vaka conheceu Ararão, o santo protetor das
vacas loucas. Ararão é amigo do peito. Vive a falar dos segredos
metafísicos. Ele é um pássaro verde lá do Centro do Brasil. Sei
que ele sabe onde está Vakatarina, mas não tem tempo de me
dizer, já que só fala que o mundo está acabando e vive tentando
me explicar a metafísica da batata frita.
Ararão sabe tudo. Conhece tudo.
Só é um pouco infeliz.
Ele gosta de batatas.
Eu também gosto de batatas.
Às vezes fazemos contatos telepáticos.
São as tecnologias da 4º dimensão.
Um dia o Ararão me falou de uma cidade chamada Abaeté, onde
moram Amanda, Eric, Emília e onde existe um velho sábio que
vive na nascente do rio. Ele chama-se Véio do Rio. Dizem que ele
sabe da história e do sofrimento humano, porque é humano. Sei
que ele até era budista e tudo, mas um dia explodiu o mosteiro

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porque dizia não gostar de instituições. Ele é procurado pela
polícia e fuma muitos cigarros. Dizem que isso o faz ancorar os
pés no chão, pois caso contrário seria atraído pela voz do rio e
nunca mais voltaria.
Abaeté é uma boa cidade, habitada por boas pessoas. Cada um a
seu modo, sabe?
Mas o que realmente quero saber é do paradeiro de Vakatarina,
aquela Vaka!
Na última viagem espacial eu havia ido procurá-la na liberdade do
infinito, de cores e sons sem formas nem métrica. Não a
encontrei nem nada, mas achei o Poeta que morreu de sede no
deserto de Abaeté. Ele estava com as roupas do Pequeno Príncipe
e queimava uma pilha de desenhos. Ele tinha cara de psicótico e
fazia churrasco. Parece que estava com raiva das vacas que
estavam pastando em seu planeta. Ele até tinha seu fundo de
razão: as vacas haviam comido a única rosa do local, a qual ele
havia prometido total e completa dedicação.
Ele tinha uma rosa. Eu tinha uma vaca. Estamos no mesmo
barco.
Seja como for, sei que lá de cima vi algumas vacas aprendendo
voar e fugir para não serem assadas pelo Poeta psicótico. Três
delas conseguiram. Montei no lombo de uma que tomava vodka e
que chamei de Vaca Voadora. Aí fomos procurar algum lugar
seguro pra ficar.
Depois de vagarmos por três tempos pelo cosmo, encontramos o
Planeta Alado, onde havia uma linda lagoa. Vi também alguns
peixes que chegavam voando. Diziam que estavam cansados do
barulho dos sapos do lago em que viviam.
Sei que ficamos todos bem por um tempo. Um pé de pitanga nos
fornecia sombra e alimento. Estava tudo ok.

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Tudo ficou perfeito.
Sombra, companhia e água fresca. Tudo que eu sempre quis
estava ali.
Só acho que ainda havia um vazio no peito.
De que adianta ao homem ganhar o mundo se perder sua Vaka?
Sei que saí flutuando pelo vácuo e fui até a Lua das Escadas, por
onde desci de volta a Terra para achar minha mimosa querida e
levá-la de volta para o Planeta Alado, onde, em um futuro
próximo, ficaremos felizes para sempre.
Ou não.
Enfim... sei que algo aconteceu. Um novo sentido. Uma nova
busca. Juro que estou em plena posse das minhas faculdades
mentais. E agora é tudo novo. Tudo diferente.
Se alguém sabe por onde anda a Vaka, pode me mandar um email em:
[email protected].
Obrigado.

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PRA FINALIZAR
Quando comecei com isso eu tava numa fase de desconstrução.
Acho que já perdi todas minhas bases para começar a pensar em
reconstrução. Pessoas muito especiais me ajudaram a me
desconstruir e é por isso que agradeço às comunidades virtuais
que me acolheram e me acolhem e me deixam falar abobrinha; a
Desassossego, o EU ME ODEIO, o Mundo dos Sonhos; e também
ao Marcos, à Vick, José Paulino, Fabio Riggi e mais uma porrada
de gente que me apoiou e me incentivou a seguir em frente, e
que apesar de um contato apenas virtual, significaram muito mais
que zeros e uns para mim; às pessoas mais próximas que
convivem comigo: família, namorada, amigos e tudo mais.
E agora estou me reconstruindo, criando minhas bases. E hoje
tenho vontade de agradecer. Não que eu tenha atingido uma
"iluminação" ou qualquer baboseira desse tipo. Simplesmente já
consigo ter uma base mais sólida, uma direção. Todas críticas,
questionamentos, me fazem pensar e isso me ajuda a criar meu
manual de sobrevivência pessoal.
As coisas estão andando, sabe? Aqui no escritório já organizei
meu armário, fiz relações de atividades, projetos, identifiquei o
que exatamente é meu trabalho, pra quê eu tô sendo pago nesse
escritório; em casa, depois dos rolos com minha mãe e tudo, já vi
que meu lugar por enquanto é lá mesmo, e estou tentando fazer
o melhor possível para ficar bem; doei uma porrada de CDs de
computador e livros; joguei um monte de coisa fora para ter o
espaço que tanto preciso no meu quarto... enfim... estou
reconstruindo e tomando posse da minha vida outra vez. O que
era teoria tá começando a se tornar prática. Tenho coisas a
resolver ainda. Tenho todos meus projetos para não me sentir
inútil... tô tentando deixar de rastejar, aprendendo a andar com
minhas próprias pernas, do meu jeito, com minhas muletas, já
que não consigo usar a cadeira de rodas que o mundo me
oferece.
As coisas estão andando. E isso não é o fim. É o começo de tudo.

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Eu vejo algo ali na frente. Algo que me interessa. Encontrei o Rei
e a Rainha do País das Maravilhas. Comi um pedaço de pão que
me deixou grandão. Tomei um leite que me deixou pequeno. E
agora estou voltando. Estou me lembrando de tudo. E da lua e
das escadas. Estou me lembrando de quem era antes de não ser.
Sabe quem eu era? Eu mesmo! Então eu sou alguém. Num sou
nada. Num tenho que me odiar.
Cansei de ficar vagando feito poeira cósmica. Não quero buracos
negros. Quero sol, sombra, companhia e água fresca.
E apenas isso.
Walk on. Keep going.

FIM

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