COMMON LAW

Published on February 2017 | Categories: Documents | Downloads: 71 | Comments: 0 | Views: 675
of 13
Download PDF   Embed   Report

Comments

Content

1

Idade Média O Direito inglês
Importância histórica do Direito inglês o common law é um sistema de Direito elaborado na Inglaterra, principalmente pela ação dos Tribunais Reais de Justiça, depois da conquista normanda. A família do common law compreende, além do Direito inglês, que está na sua origem, e salvo certas exceções, os direitos de todos os países de língua inglesa. Além dos países de língua inglesa, a influência do common law foi considerável na maior parte dos países, se não em todos, que politicamente estiveram ou estão associados à Inglaterra. Estes países podem ter conservado, em certos domínios, tradições, instituições e conceitos que lhes são próprios; a influência inglesa não deixou, entretanto, de marcar profundamente, em todos os casos, a maneira de pensar dos seus juristas, devido à organização administrativa e judiciária e à matéria do processo (civil ou criminal), assim como também no tocante às provas, estabelecidas e reguladas segundo o modelo inglês. Todo o estudo do common law deve começar por um estudo do Direito inglês. O common law é um sistema profundamente marcado pela sua história, e esta história é de forma exclusiva, até o século XVIII, a do Direito inglês. Esta circunstância é determinante, mesmo se for corrigida pelo reparo de que certos direitos - tal como o Direito dos Estados Unidos - são hoje profundamente diferentes do Direito inglês, e de que outros - tal como o Direito da Índia ou o do Sudão - se mantiveram, na matéria do "estatuto pessoal", fiéis a uma tradição diferente da do Direito inglês. Tecnicamente falando, o Direito inglês está limitado, no seu domínio de aplicação, à Inglaterra e ao País de Gales. O Direito inglês é considerado um corpo de regras juridicamente obrigatórias, e considera -se a universalidade do mesmo Direito um modelo para grande parte da humanidade. Não foi somente na Inglaterra que historicamente se formou o common law; mas o Direito inglês continua nos nossos dias, para numerosos países, de modo geral, a ser considera do e respeitado.

O COMMON LAW CONSIDERAÇÕES GERAIS
Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico que foi elaborado na Inglaterra a partir do século XII com base nas decisões das jurisdições reais. Manteve-se e desenvolveu-se até nossos dias e, além disso, impôs-se na maior parte dos países de língua inglesa, designadamente nos Estados Unidos, Canadá, Austrália etc.1 A expressão common law é utilizada desde o século XIII para designar o Direito comum da Inglaterra, por oposição aos costumes locais próprios de cada região. O sentido de common law é, pois, muito diferente do sentido da expressão Direito comum, ius comune, utilizada no continente para designar, sobretudo a partir do século XVI, o Direito erudito, elaborado com base no Direito romano e servindo de Direito supletivo das leis e costumes de cada país. O common law é um Direito jurisprudencial, elaborado pelos juízes reais e mantido graças à autoridade reconhecida dos precedentes judiciários. Salvo na época da sua formação, a lei não desempenha qualquer papel na sua evolução.
1

O sistema inglês era uma monarquia constitucional, limitada pelo Parlamento como expressão da soberania do povo. Quando Carlos I pretendeu instalar o absolutismo e chegou ao ponto de entrar no Parlamento e prender os líderes da oposição, o movimento revolucionário de Cromwell, que vinha da Escócia, marchou sobre Londres e destronou o Rei. Julgado por um conselho de oficiais, Carlos I foi condenado à morte e executado em 30 de janeiro de 1649 (MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 25a ed., Ed. Saraiva, 1999, p. 123).

2

Mas, em consequência, o common law não é todo o Direito inglês; o statute law (direto dos estatutos, isto é, das leis promulgadas pelo legislador) desenvolveu-se à margem do common law e retomou, sobretudo no século XX, com uma importância primordial. Anteriormente aos séculos XV e XVI, tinha-se desenvolvido ao lado do common law, considerado então demasiado arcaico, um outro conjunto de regras jurídicas, as de equity, aplicadas pelas jurisdições do Chanceler. O common law conseguiu no entanto resistir à influência da equity e mesmo domina-Ia no século XVII, mas o Direito inglês conservou uma estrutura dualista até 1875, quando os dois sistemas foram mais ou menos fundidos, por uma reforma da organização judiciária. O Direito inglês moderno é por consequência muito mais histórico do que os Direitos dos países da Europa continental; não houve ruptura entre o passado e o presente, como a que a Revolução de 1789 provocou na França e em outros países. Os juristas ingleses do século XX invocam ainda leis e decisões judiciárias dos séculos XIII e XIV. Devido a pouca influência direta do Direito romano ou do Direito erudito medieval, sobretudo porque é um Direito judiciário, no sentido de que resultou do processo das ações na justiça, o recurso ao Direito romano como Direito supletivo tornou-se difícil, quase impossível. Assim, a pouca influência do Direito romano no Direito inglês talvez ainda se justifique pelo fato de que, prevalecendo o princípio segundo o qual são consideradas de caráter público as questões submetidas aos tribunais ingleses, não poderia o Direito romano, por ser essencialmente um Direito privado, ter aplicação na Inglaterra como no continente europeu. Outrossim, pode-se considerar a questão da predominância de um sentimento nacionalista inglês, sempre contrário à presença do Direito romano. Tanto assim que, já em 1151, o ensino do Direito romano era proibido em Oxford. No fim do século XIII, o ensino do Direito romano deixou de ser adotado por completo nas universidades da Inglaterra. Em suma, trata-se de um Direito fincado em suas origens, de um Direito peculiar, dotado de características próprias, de um Direito sempre geral e não legislado nem codificado por diversas áreas em que o Direito se distribui, ou seja, em civil, comercial, penal, administrativo etc.

A ORGANIZAÇÃO DAS JURISDIÇÕES REAIS
Os reis da Inglaterra conseguiram desde o século XII, portanto sensivelmente mais cedo do que os reis da França, impor sua autoridade sobre o conjunto do território do seu reino. Conseguiram desenvolver a competência das suas próprias jurisdições com prejuízo das jurisdições senhoriais e locais, que perderam progressivamente, nos séculos XII e XIII, a maior parte das suas atribuições. A princípio, o rei julgava no seu Tribunal, a Curia Regis. Mas muito cedo foram destacadas seções especializadas da Curia para se ocuparem de certas matérias: o Tribunal do Tesouro (Scaccarium, Courtof Exchequer), desde o século XII, para as finanças e os litígios fiscais, o Tribunal das Queixas Comuns (Court of Common Pleas), a partir de 1215, para os processos entre particulares relativos à posse da terra, e o Tribunal do Banco do Rei (Kings Bench), para julgar os crimes contra a paz do reino. A extensão da competência desses tribunais tornou-se possível pelo processo técnico utilizado para requerer às jurisdições reais de Westminster. Qualquer pessoa que quisesse pedir justiça ao rei podia endereçar-lhe um pedido. O chanceler, um dos principais colaboradores do rei examinava o pedido e, se o considerasse fundamentado, enviava uma ordem, chamada writ (em latim breve; em francês bref), a um xerife (agente local do rei) ou a um senhor para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso. O fato de não dar essa satisfação era uma desobediência a uma ordem real, mas o réu podia vir explicar a um dos tribunais reais por que considerava não dever obedecer à injunção recebida.

3

O Direito desenvolveu-se na Inglaterra desde o século XIII, com base na lista de writs, isto é, das ações judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de litígio, era (e continua a ser) essencial encontrar o writ aplicável ao caso concreto; o processo foi aqui mais importante do que as regras do direito material: remedies precede rights. O common law elaborou -se com base num número limitado de formas processuais e não sobre regras relativas ao fundo do Direito. É por isso que a estrutura do common law é fundamentalmente diferente da dos direitos dos países do continente europeu.

O INTERESSE ATUAL EM SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
As circunstâncias em que se formou o common law não têm um interesse meramente histórico. Pelo menos em quatro aspectos elas marcaram o Direito inglês, no qual, ainda nos dias de hoje, podemos notar a sua influência. Em primeiro lugar, levaram os juristas ingleses a concentrar o interesse sobre o processo. Em segundo lugar, elas fixaram numerosas categorias jurídicas e serviram para elaborar importantes conceitos do Direito inglês. Em terceiro lugar levaram à rejeição da diferença entre o Direito público e privado. Em quarto lugar, criaram obstáculos a uma recepção, na Inglaterra, das instituições e dos conceitos do Direito romano.

CONCENTRAÇÃO DO INTERESSE SOBRE O PROCESSO
O mais importante não foi, na Inglaterra, até o século XIX, determinar que solução, considerada justa, seria dada aos litígios. Toda a atenção dos juristas concentrou-se, durante muito tempo, sobre os variados processos, muito formalistas, que correspondiam aos diferentes writs. Esses processos tinham uma única finalidade: formular as questões de fato que seriam submetidas ao júri. Deve-se lembrar que ainda em 1856 todas as ações levadas aos tribunais do common law implicaram a presença de um júri; os outros processos, mais arcaicos, onde não havia júri, haviam sido abandonados. O desenvolvimento do Direito inglês foi profundamente marcado pela proeminência das considerações referentes ao processo. O common law não se apresenta como um sistema que visa a realizar a justiça; é mais um conglomerado de processos próprios para assegurar, em casos cada vez mais numerosos, a solução dos litígios.

AS FONTES DO COMMON LAW
O common law inglês, lato sensu, é formado por três ramos: a) common law em lato e stricto sensu; b) equity; c) statute law. a) Common law em lato e stricto sensu O sistema jurídico britânico encontra o seu fundamento no common law, como já vimos. Contudo, é bom ter em mente que o termo law, em inglês, significa Direito e não lei - law: Direito objetivo; right: Direito subjetivo. A expressão common law é, em regra, utilizada para designar o Direito comum às diversas regiões da Inglaterra, também denominado sistema anglo-americano, em que o precedente judicial, ou seja, a sentença-padrão, é a fonte principal do Direito, no qual a lei (statute law) desempenha papel secundário. A propósito, também no sistema anglo-americano a influência do Direito romano foi pequena, sendo substituída pelo papel desempenhado pela equidade e pelos costumes na formulação de seus princípios e de suas regras jurídicas. Assim, podemos concluir que o common law é considerado em dois sentidos: lato e stricto sensu. Em lato sensu, ele designa o Direito inglês em sua totalidade, distinguindo-o do Direito romano. Em stricto sensu, ele compreende o conjunto de normas civis e penais cuja origem remonta aos costumes das tribos germânicas que povoaram a Inglaterra e que, depois da conquista normanda, se consolidaram pelas decisões dos antigos tribunais de common law. O common law foi criado pelos juízes dos Tribunais Reais de Westminster. Estes tornam-se, desde o século XlV, juízes profissionais, pois se consagraram quase exclusivamente ao estudo do Direito; mas não eram, como mais tarde sucedeu nas grandes jurisdições do continente,

4

legistas formados nas universidades, na disciplina do Direito romano. Os common lawyers são antes de tudo práticos (barristers, advogados); não era necessário ser licenciado em Direito por uma universidade para vir a ser solicitor (solicitador), barrister ou judge. Para os práticos, os precedentes judiciários (os cases = casos julgados) foram sempre de uma grande utilidade para a defesa dos interesses que lhes eram confiados: o fato de poder lembrar ao tribunal que já decidiu um litígio em tal sentido, dá ao advogado os melhores meios para ganhar o seu processo. Foi assim sobretudo no domínio da interpretação extensiva. A partir do século XVI, as compilações impressas de jurisprudência, os Law Reports, constituíram a documentação mais importante dos juízes e advogados; ainda é assim no século XXI. Se o common law é sobretudo um Direito jurisprudencial, a obrigação do juiz de decidir segundo as regras estabelecidas pelos precedentes judiciários não foi, no entanto, imposta por via legislativa senão no século XIX. Contudo, é inegável que a autoridade do precedente foi sempre mais considerável na Inglaterra do que na Europa continental. Contudo, vale ressaltar que o precedente judiciário não é uma verdadeira fonte de Direito, porque o juiz que proferiu a primeira decisão numa dada matéria teve de encontrar alguns elementos da sua decisão, sobretudo no domínio das regras de fundo, chamadas substantive law. De acordo com a concepção inglesa, cabe ao juiz dizer o Direito, declarar o que é o Direito: o juiz não cria o Direito, constata o que existe. A aplicação do common law, entendido este em sentido estrito, orienta-se pelo princípio da obrigatoriedade do precedente judicial. Cumpre, porém, não confundir aqui precedente com costume ou uso firmado por meio da prática continuada, bem como com a jurisprudência' que se forma de decisões uniformes e reiteradas. O precedente é a solução dada a um caso antecedente. Enquanto o costume e a jurisprudência necessitam de repetição prolongada para se firmar, o precedente se impõe sem nenhuma delonga, sendo obrigatório desde logo. Por fim, esclareça-se que a aplicação do common law, com base no princípio da obrigatoriedade do precedente judicial, é da competência dos juízes ordinários. b) Equity. Outra das mais nítidas características do Direito inglês, de modo a constituir também um de seus fundamentos, é a equity, aplicada pelos juízes de chancelaria. O common law, em sentido estrito, não foi o instituto Direito existente na Inglaterra, pois nos séculos XIV, XV e XVI desenvolveu-se ao lado dele outro conjunto de regras jurídicas - a equity, aplicado pelo Tribunal da Chancelaria (também designado Tribunal da Equidade) através dos seus juízes de chancelaria, auxiliares do chanceler inglês. A equity é um conjunto de soluções que foram, principalmente nos séculos XV e XVI, outorgadas pela jurisdição do chanceler, para completar e eventualmente rever um sistema - o do common law, então bastante insuficiente e defeituoso. Literalmente, o referido termo se traduz por eqüidade. Todavia, na sua acepção no Direito inglês, não se relaciona somente com o conceito abstrato de justiça e, sim, com um corpo técnico de normas jurídicas. Quer dizer: a equity forma um corpo de Direito, de conteúdo técnico e jurídico análogo ao common law em sentido estrito, deixando de ser uma concepção meramente abstrata para se converter em um ramo formal do Direito inglês. O objetivo da equity é sanar as falhas e atenuar os rigores do common law em sentido estrito, que peca por excesso de formalismo. Portanto, uma completa a outra. De modo que, quando o common law não pudesse indicar a forma adequada para um determinado caso, ou a sua aplicação pudesse oferecer riscos a um julgamento equânime, os interessados dispunham do expediente de provocar a intervenção do rei, na pessoa do seu representante, o chanceler. Tal intervenção seria legítima nos casos em que a

5

técnica do Direito fosse falha. Neste sentido, sem se violar o Direito comum, aplicava-se o princípio: Equity follows the law. Até 1875, a equity opôs se, por cinco traços fundamentais, ao common law. As regras de equity, desenvolvidas pelo Tribunal da Chancelaria, tinham uma origem histórica diferente das regras do common law, elaboradas pelos Tribunais de Westminster. A aplicação da equity era feita exclusivamente pelo Tribunal da Chancelaria. O processo da equity, nunca comportando um júri, era diferente do processo do common law. As soluções de equity, isto é, as soluções que se podiam pedir ao Tribunal de equity eram diferentes daquelas que um tribunal de common law podia ordenar: o Tribunal de equity, por exemplo, nunca pronunciava a condenação a pagamento de perdas e danos (damages). A outorga de uma solução de equity, finalmente, tinha um caráter discricionário. A partir de todas estas diferenças, parece evidente que a equity se tornou, a partir do século XVII, um corpo de verdadeiras regras jurídicas, administradas pelo Tribunal da Chancelaria, segundo um processo e em condições que nada ficavam a dever, em formalismo e em minúcia, aos processos e condições de aplicação do common law. Num mesmo assunto podia ser necessário intentar duas ações: uma num tribunal de common law, outra no Tribunal da Chancelaria. Acontecia assim, por exemplo, se uma parte quisesse obter a execução in natura de um contrato (solução de equity), e também perdas e danos pelo atraso na execução do contrato (solução de common law). Este estado de coisas foi modificado entre 1873 e 1875. Todas as jurisdições inglesas tanto podem, a partir desta data, ordenar soluções de equity como aplicar as sanções do common law. A antiga dualidade dos processos é hoje evitada; os princípios do common law e as regras de equity podem ser invocados e postos a funcionar perante uma jurisdição única e em uma única ação. Neste sentido fala-se da "fusão do common law e da equity", operada pelos Judicature Acts de 1873 a 1875. c) Statute law Como mais um traço fundamental do Direito inglês, há que se fazer ainda menção ao statute law - Direito estatutário ou escrito. Em sua fase primitiva, o statute law tinha em mira confirmar o Direito consuetudinário. Todavia, no seu processo de evolução, passou a ter por objetivo principal a tarefa de completar e até mesmo alterar esse Direito. O statute law foi se revelando na forma de estatutos, atos, ordenanças e editos. Como exemplos, entre outros, podemos citar a Magna Carta de 1215 e o Habeas Corpus Act de 1816.

CONSTITUIÇÃO E CODIFICAÇÃO
Apesar da importância crescente da legislação, a Inglaterra permaneceu um país sem constituição escrita e sem códigos. O constitucional law inglês baseia-se no costume e nos precedentes; invoca-se ainda a Magna Carta de 1215 e outros acts mais ou menos antigos, designadamente os Atos de União da Inglaterra com a Escócia (1707), com a Irlanda (1800) etc., mas não existe texto algum reunindo o conjunto das regras do Direito constitucional semelhante à Constituição dos Estados Unidos ou à dos países europeus e outros. Também não existe na Inglaterra código algum contendo o conjunto das regras jurídicas relativas a um ramo do Direito. No entanto, a ideia de codificação apareceu aí desde o século XVI, e o maior defensor dessa ideia foi um inglês, Jeremy Bentham, que por volta de 1800 tentou generalizar a sua aplicação. No máximo, procedeu-se a compilações (chamadas em inglês consolidations) das leis existentes (designadamente entre 1852 e 1863) e a codificações de algumas

6

matérias bem limitadas (por exemplo, o Sale of Goods Act de 1893, espécie de código da venda, e o Bankruptey Act de 1914). Cumpre ressaltar que a expressão não escrita não significa que não haja leis escritas na Inglaterra. Na verdade, o que a expressão designa é que os ingleses têm um conceito diferente do romano-cristão. Vale dizer, a lei desempenha um papel diferente em um e outro sistema No sistema latino, a lei é regra e a interpretação jurisdicional é a exceção. No sistema inglês e no anglo-americano, especialmente, o statute law é a exceção e o common law, a regra. É que o common law, além de ser um todo coerente, é também um sistema completo e suficiente para toda a eventualidade. Assim, submetido um determinado problema a um jurista anglo-americano, por exemplo, ele recorrerá à jurisprudência à luz da qual procurará resolver o problema. Só depois de situado o problema e armada a equação é que ele consultará a legislação para verificar se, por ventura' o legislador quis estabelecer uma exceção à regra geral. Nos sistemas codificados, a função do juiz é somente aplicar a lei ao caso concreto, a jurisprudência é apenas um roteiro ao lado da lei.

TRAÇOS DISTINTIVOS ENTRE O SISTEMA DE INFLUÊNCIA INGLESA E O DE INFLUÊNCIA ROMANA
   O common law é um Direito jurisprudencial, enquanto a jurisprudência apenas desempenhou um papel secundário na formação e evolução dos Direitos romanistas. O common law é um Direito basicamente processual, enquanto o processo é só acessório nas concepções fundamentais dos Direitos romanos. O common law não foi muito romanizado, enquanto os direitos da Europa continental sofreram uma influência mais ou menos forte do Direito erudito, elaborado no fim da Idade Média com base no Direito romano. Os costumes locais não desempenharam qualquer papel na evolução do common law, enquanto na Europa continental a sua influência permanece considerável até o século XVIII. O costume do reino foi, pelo contrário, uma fonte importante do common law. A legislação teve apenas uma função secundária ao lado do common law, enquanto se tornou progressivamente, do século XIII ao XIX, a principal fonte de Direito no continente. Os Direitos romanistas são Direitos codificados, enquanto a codificação é quase desconhecida na Inglaterra. No sistema romano as soluções de justiça se orientam mediante uma técnica que tem como ponto de partida a lei, enquanto no sistema inglês a técnica para alcançar o mesmo objetivo parte das decisões judiciais.



  

INTERAÇÃO DOS DOIS SISTEMAS
O Direito inglês e o americano, como sabemos, pertencem ao sistema do common law; o Direito brasileiro pertence ao sistema romano (ou civil law). Não obstante as diferenças existentes entre esses dois grupos, como tivemos oportunidade de ver, grande tem sido a interação entre eles, não faltando vozes no sentido de que tais sistemas estão cada vez mais marchando em direção um ao outro, assimilando suas técnicas reciprocamente. É essa tendência que explica o papel cada vez mais importante dos códigos no sistema do common law (especialmente nos Estados Unidos) e, por sua vez, o crescimento da importância da jurisprudência nos países do grupo romano-cristão, da qual é exemplo a jurisprudência sumulada e a controvertida súmula vinculante. Entre nós, por exemplo, não raro os juízes enfrentam casos não previstos nas normas existentes, pois, como sabemos, a sociedade é dinâmica enquanto a lei é estática, o que resulta na não adequação da norma com o passar do tempo. Assim, situações novas surgem, não

7

previstas nas normas vigentes, exigindo o pronunciamento judicial. Não ignoramos o fato de que o juiz não pode deixar de julgar alegando lacuna na lei, o que significa que nas hipóteses de omissões e obscuridade ,da lei se obriga o magistrado, por meio dos mecanismos herrnenêuticos, a criar o Direito, ajustando-o às novas realidades sociais. Logo, mesmo no sistema legalista, como é o nosso, a jurisprudência cria o Direito, porquanto o juiz é obrigado a aplicar a norma que estabeleceria se legislador fosse e não raro a jurisprudência acaba por ser transformada em lei como nos exemplos a seguir. Direitos da companheira: a pensão alimentícia a princípio só era devida após o trânsito em julgado da sentença, mas a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que a pensão seria devida a partir da citação inicial; diversos dispositivos da atual lei das locações tiveram fonte no entendimento jurisprudencial. Logo, podemos afirmar que a jurisprudência exerce profunda influência no desenvolvimento do Direito positivo. O que foi dito vale para robustecer que a interação dos dois sistemas opera em benefício do fim precípuo de ambos: fazer melhor a justiça entre os integrantes da comunidade jurídica.

DIFUSÃO DO COMMON LAW NO MUNDO
Convencidos da excelência do seu sistema jurídico, os ingleses impuseram-no, mais ou menos, em todos os países que dominaram ou colonizaram, aliás com resultados diversos. Nas Ilhas Britânicas, o common law impôs-se no País de Gales e na Irlanda, mas não foi admitido na Escócia, que conservou um Direito romanista. Os Estados Unidos da América são país de common law. A Inglaterra só tinha, no entanto, colonizado uma parte da costa atlântica; quando as 13 colônias inglesas se tornaram, em 1776, os 13 primeiros Estados Federados, conservaram o common law como base do seu sistema jurídico e impuseram-no a outros Estados à medida que se foram incorporando à federação. Separados da Inglaterra há mais de dois séculos, os Estados Unidos conheceram uma evolução diferente do sistema jurídico daquele país nos séculos XIX e:XX, sobretudo devido a um grande respeito pelas suas constituições escritas e as suas leis. Cada Estado tem uma constituição escrita, tal como a federação (Constituição de 1787, com 26 aditamentos desde essa data); cada Estado e a federação têm uma legislação abundante, e numerosos Estados codificaram os grandes ramos de seu Direito. O Direito americano rompeu com as formas obsoletas do common law; conheceu uma evolução mais rápida do que a Inglaterra para a liberdade e a igualdade, mas permanece relativamente diversificado, possuindo cada um dos 50 Estados o seu Direito próprio. Não têm faltado os esforços de unificação. Ajurisprudência da Supreme Court dos Estados Unidos é essencial nesse domínio. Uma exposição sistemática e tão clara quanto possível do Direito em vigor nos diversos ramos do que chamamos Direito privado (contratos, propriedades, garantias etc.) foi realizada por uma instituição não estatal, o American Law Institute, que publicou, de 1932 a 1944, o seu Restatement of American Law. Embora não fosse obrigatório, sua força persuasiva junto aos juízes foi considerável e contribuiu para uma grande unificação do Direito. Por fim, de 1955 a 1970, foi redigido um Uniform Commercial Code, com base no Código de Comércio de Nova Iorque e influenciado pelo Direito alemão. Foi adaptado pelos diferentes Estados, unificando assim esse importante ramo do Direito. O Canadá conheceu uma História do Direito semelhante à dos Estados Unidos. A Austrália, a Nova Zelândia, a Jamaica e as outras ilhas da América Central, que foram colonizadas pelos ingleses, são países de common law, ainda estreitamente ligados ao sistema inglês. A África do Sul conservou o Direito romano-holandês anterior a 1800; mas um século e meio de dependência da Inglaterra adicionou –lhe uma grande parte de common law.

8

As colônias britânicas da África Central que obtiveram a sua independência, por volta de 1960, conservaram o common law como base do seu sistema jurídico, introduzindo-lhe modificações mais ou menos substanciais conforme o país (Nigéria, Quênia, Uganda, Tanzânia, Zâmbia etc.). O mesmo acontece com a Índia, a Birmânia e a Malásia. Israel adaptou o common law como Direito supletivo. Direito inglês e seus diplomas legais: a Magna Carta; a petição de direitos; a ação de habeas corpus; a declaração de direitos.

A Magna Carta Breve histórico
A Inglaterra, povoada pelos celtas, fez parte do Império Romano do século I ao V.A partir do século V foi ocupada pelos povos germânicos - os anglos e os saxões; posteriormente foi invadida e ocupada por dinamarqueses, desenvolvendo-se nela reinos germânicos. Em 1066, os normandos, chefiados por Guilherme I, o Conquistador, duque da Normandia (parte da atual França), ocuparam a Inglaterra e, ao mesmo tempo que implantaram o feudalismo, mantiveram direitos anglo-saxônicos (as leis e costumes). Guilherme I criou o Grande Conselho, integrado por barões, bispos e abades e convocado periodicamente para opinar sobre questões de governo. Sendo uma invasão recente, os reis normandos mantiveram uma maior dose de poder em relação aos reis na Europa continental, e, apesar do feudalismo, o poder central do rei era relativamente forte, o que resultou em duas consequências: a) iniciou uma tradição judiciária mais centralizada do que na Europa continental, a partir da criação, por Henrique 11, em 1154, dos juízes visitantes do rei, ponto de partida para a formação de julgados uniformes sobre os litígios individuais com base nas decisões destes juízes, revistas pelos Tribunais Reais; b) colocaram-se os senhores feudais à mercê de eventuais arbítrios do rei, não estando nenhuma classe, por mais graduada que fosse, ao abrigo de espoliações reais, já que o rei dispunha da vida e dos bens dos súditos. Assumiu o poder, no século XIII, o rei João Sem Terra, sucedendo o irmão Ricardo Coração de Leão, que morreu em combate. João Sem Terra provocou forte reação dos nobres (senhores feudais) e do clero devido a seus atos de abuso e arbitrariedade, aumentando os impostos e as exigências de apoio militar. Os senhores feudais e elementos burgueses aproveitaram a circunstância de João Sem Terra precisar de apoio para enfrentar a França, em face da iminência de uma guerra contra esse país, para pressioná-Io a assinar um documento no qual se comprometeu a respeitar os direitos e a liberdade dos homens livres do reino - a Magna Carta, a qual, embora contivesse dispositivos que já apareciam em leis anteriores, passou a ser considerada uma carta de princípios a ser respeitada e cumprida por todos.

CONSIDERAÇÕES GERAIS
Considerado o documento histórico mais importante da Inglaterra, a Magna Carta, escrita em latim, contando 67 artigos, trazendo muitos dispositivos que se espalharam por outras nações, influenciou diversas legislações, inclusive a nossa. Vale dizer, encerrou uma época histórica e reabriu outra, devendo ser tida como o embrião ou o modelo imperfeito das constituições posteriores. A Magna Carta foi promulgada em 1215, contudo sua consagração ocorreu em 1267 e sua aplicação se deu de forma pacífica e integral. João Sem Terra a assinou, pressionado pelos nobres e pelo clero da Inglaterra. As invasões normandas e as espoliações dos soberanos deram causa a que se procurasse documentar a conduta do rei, em face do clero, da nobreza e da burguesia e, indiretamente, das classes servis. Surgiu, assim, o desgosto inglês contra a lança do invasor, desgosto que atingiu o auge durante a ação despótica e rapinaria de João Sem Terra.

9

Logo, não é exagero afirmar que a Magna Carta não foi um simples extravasamento da concepção política de um novo povo que tivesse atingido a maturidade jurídica, mas sim uma lei de salvação nacional. Esse documento visava assegurar as garantias individuais dos cidadãos' tais como: governo representativo, organização das assembleias políticas, imunidades parlamentares, ilegitimidade das tributações sem participação dos representantes do povo, habeas corpus, tribunal do júri. A Magna Carta constitui um grito de liberdade do povo inglês. Alguns autores consideravam mesmo que nela estava inserida a origem formal do júri e do habeas corpus. A propósito, previu a Magna Carta que o rei deve respeitar os direitos adquiridos pelos barões, ouvi-los previamente à criação de impostos, condenar tão somente após o devido julgamento pelos pares. Reconheceu ainda o Direito dos barões de se insurgirem contra o rei caso desrespeitasse esses limites. Contudo, não podemos perder de vista que a Magna Carta, da qual os ingleses tanto se orgulham e que realmente, num dos seus artigos (art. 48), prescrevia, já naquele tempo, que nenhum homem seria privado de sua vida, liberdade ou bens, sem o julgamento de seus pares e disposição da lei nacional, teve como principal redator um doutor da Universidade de Bolonha, portanto um conhecedor do Direito romano. Não se pode duvidar, portanto, de que o arcabouço formal mais próximo da instituição moderna do júri encontra-se na Magna Carta, como podemos depreender de seu artigo 48: Ninguém pode ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país. Na verdade, os ingleses objetivaram garantir que um súdito fosse julgado não por representantes do rei e sim pelos próprios integrantes da população. Nos Estados Unidos da América o tribunal do júri ganhou um relevo especial, com uma composição de 12 julgadores para, simbolicamente, lembrar os 12 apóstolos, devendo a decisão ser tomada por unanimidade, podendo os jurados confabular para chegarem a um veredicto. Entre nós, o júri é composto por sete membros, os quais decidem por maioria de votos; são eles sorteados no dia do julgamento dentre 21 alistados previamente na sociedade. No dia do julgamento são definidos os sete integrantes do Conselho de Sentença, por meio de sorteio. Pela nossa legislação, é vedado aos jurados se comunicarem entre si ou com qualquer outra pessoa durante o julgamento acerca do feito em tela. A propósito, a instituição do júri encontra-se em nossa Constituição entre as garantias fundamentais. Outrossim, no que diz respeito ao habeas corpus, a mais eficaz e pronta garantia, que se supõe ter o povo inglês descoberto, já encontra suas raízes no Dig. 4.4. Tit. 29 1.1, pelo interdito de homine libero exhibendo, por força do qual o pretor ainda protegia a liberdade do cidadão, de qualquer modo violada, sem prejuízo do respectivo processo criminal e que servia também para defender o exercício do pátrio poder dominical. Entre nós, a nossa Magna Carta prevê esse remédio heroico no art. 5, LXVIII, assim dispondo: conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. É bem verdade que muitos escritores negam ao documento inglês o caráter de uma conquista popular, alegando que em 1215 essas ideias eram inacessíveis às massas, a tal ponto que não foi traduzida em inglês antes do século XVI. Dos 67 artigos ou proposições do diploma inglês, somente 12 beneficiam diretamente o povo, contudo é preciso convir que a iniciativa da rebelião não partiu do povo e sim do clero e da nobreza e, naturalmente, seriam eles os mais favorecidos pela conquista legal.

10

Necessária se faz uma análise desapaixonada do panorama sombrio da Europa da Idade Média, a fim de que se compreendam o alcance, a extensão benéfica e as prerrogativas trazidas pela carta inglesa. Sem sombra de dúvida, foi ela uma centelha inicial que despertou o espírito humano, embotado pela barbárie e pelo feudalismo. A condição dos europeus naquele tempo era pior do que a da plebe romana, explorada pela realeza, antes das reivindicações tabulárias (Lei das XII Tábuas). Era deplorável a situação do povo numa organização social em que não havia um órgão legal, uma palavra autorizada em defesa de sua honra e de seus bens. Imagine-se a vida de um servo da gleba, produzindo para o seu senhor, nada podendo adquirir ou vender sem a sua anuência, não podendo sair das fronteiras do feudo sem a permissão do suserano, não tendo o direito de opinar, de coisa alguma, enfim. A maior parte dos homens era, então, de servos ou vilões, trabalhadores rurais, considerados parte do solo em que mourejavam como o gado, e em estábulos viviam. Diferente não era a situação dos mercadores, pelo fato de comparecerem a feiras com seus fardos de mercadorias, pois, se não pagas sem os denominados direitos banais pelo uso obrigatório do moinho ou do forno do senhor feudal, teriam de pagar o imposto de entrada nas cidades, o imposto relativo às mercadorias, os impostos especiais adotados em lugares diferentes. É interessante observar que a nobreza dirigente não se preocupava em incentivar ou possuir indústrias nas cidades, uma vez que a manufatura estava toda a seu serviço, exercendo sobre a mesma uma ação orçamentária tão lucrativa que era mais prático deixá -la sob a direção da burguesia, fácil de ser manietada através dos incisos fiscais. Ademais, poderia, a todo instante, impor impostos imprevistos ou excepcionais, Em vista do exposto, a despeito das críticas, não podemos negar que com a Magna Carta criou-se um freio às investidas das autoridades judiciárias e às espoliações dos soberanos. Comparando-se os princípios jurídicos e acauteladores com os costumes medievais, ver-se-á que a Magna Carta não firmou apenas privilégios para a nobreza e prelazia. Os princípios constitucionais nela contidos, como devido processo legal, legalidade tributária, habeas corpus, juiz natural, direito de petição e probidade administrativa são corretivos e democráticos, e a sua influência está presente em todas as constituições modernas. a) Princípios constitucionais consagrados pela Magna Carta inglesa que influenciaram as constituições modernas, especialmente a brasileira. a.1) Princípio do devido processo legal. O princípio do devido processo legal entra agora no Direito constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5, LIV). Combinado com o Direito de acesso à justiça (art. 5, XXXV), o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em "processo", e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, às formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do Direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais. Em se tratando de matéria de ordem penal, praticado um fato que, aparentemente, constitui um ilícito penal, surge o conflito de interesses entre o Direito de punir do Estado e o Direito de liberdade da pessoa acusada de praticá-lo. Esse conflito não pode ser dirimido pela autodefesa, que é o emprego da força e, portanto, a negação do próprio Direito com a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. Tampouco se pode empregar a autocomposição, que envolve a submissão de um dos titulares de menor resistência. Assim, no Estado moderno, a solução do conflito de interesses,

11

especialmente no campo penal, se exerce através da função jurisdicional do Estado no que se denomina processo e, em se tratando de uma lide penal, processo penal. É a forma que o Estado impõe para compor os litígios, inclusive de caráter penal, através dos órgãos próprios da administração da Justiça. Só assim o Estado pode exigir que o interesse do autor da conduta punível em conservar sua liberdade se subordine ao seu, que é o de restringir o jus liberta tis com a aplicação da pena. Em síntese, a lei penal não pode ser aplicada senão seguindo-se as formas processuais estabelecidas na lei, ou em outras palavras: o Direito penal material não pode ser realizado senão pela via do Direito processual penal, de sorte que ninguém pode ser punido senão mediante um juízo regular e legal. O Estado pode exercitar seu Direito à repressão somente pela forma processual e perante os órgãos jurisdicionais criados pela lei. a.2) Direito de petição. Define-se como o Direito de invocar o pronunciamento dos Poderes Públicos sobre uma questão ou uma situação, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação dá situação, seja para solicitar uma modificação do Direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade. Ele está consignado na Constituição, art. 5, XX-XIV, a, que assegura a todos o Direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Há, nele, uma dimensão coletiva consistente na busca ou defesa de direitos ou interesses gerais da coletividade. É importante frisar que não pode a autoridade a quem é dirigida deixar de pronunciar-se sobre a petição. A obrigação de responder é ainda mais precisa e grave se alguma autoridade a formula, em razão de que, por sua investidura mesmo, merece tal resposta, e a falta dela constitui um exemplo deplorável para a responsabilidade dos Poderes Públicos. A Constituição não prevê sanção para a falta de resposta e pronunciamento da autoridade, mas parece certo que ela pode ser constrangida a isso por via do mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a se pronunciar, quer quando se omite; para tanto, é preciso que fique bem claro que o peticionário está utilizando efetivamente o direito de petição e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visar corrigir abuso, conforme disposto na Lei 4.898/65. a.3) Habeas corpus. É um remédio destinado a tutelar o Direito de liberdade de locomoção, liberdade de ir, vir, parar e ficar. Tem natureza de ação constitucional penal. a.4) Legalidade tributária. Constitui uma garantia constitucional do contribuinte, em forma de limitação do poder de tributar que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I). a.S) Juiz natural ou juiz constitucional. O autor do ilícito só pode ser processado e julgado perante o órgão a que a Constituição da República, implícita ou explicitamente, atribui a competência para o julgamento, na forma do que estabelece o art. 5, LIII, segundo o qual ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Além disso, não pode a lei criar órgãos jurisdicionais nem designar magistrados especiais para o julgamento de pessoas ou fatos determinados, na forma do que dispõe o art. 5, XXXVII: não haverá juízo ou tribunal de exceção. b) A origem da divisão do Parlamento inglês e as bases do Direito constitucional inglês O sucessor de João Sem Terra, Henrique III (1216-1272), ao confirmar e rever a Magna Carta, a qual, aliás, foi ratificada diversas vezes, alterou a composição do Grande Conselho que havia sido criado por Guilherme I, O Conquistador. Assim, a partir de 1264, passaram a fazer

12

parte do Grande Conselho dois cavaleiros de cada condado (os lordes) e dois burgueses de cada cidade (os comuns), o que deu origem à divisão do Parlamento inglês em Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns. Por tudo isso, nos séculos seguintes, enquanto a Europa continental caminhava para o regime absolutista, que nela se implantou fortemente, a Inglaterra caminhou em sentido inverso, em direção a uma Monarquia Constitucional, lançando as bases do Direito Constitucional. Constata-se, assim, uma diferença substancial entre a Inglaterra e os outros países europeus, consistente no papel reconhecido ao Parlamento, instituído mais cedo na Inglaterra que nos demais países; com isso a intervenção do Parlamento no governo foi estabelecida progressivamente. Assim, em 1653 surgiu o Instrument of Government, onde se formula pela primeira vez na Idade Moderna o princípio da divisão de poderes e depois de numerosos conflitos entre o rei e o Parlamento, este último conseguiu a vitória, em 1689, votando o Bill of Rights (Declaração de Direitos de 1689), como veremos adiante.

A PETIÇÃO DE DIREITOS (PETITIAN OF RIGHTS)
O Rei Carlos I não estava obedecendo aos ditames do velho documento, o que levou os barões a convocá-Io formalmente para ratificar a Magna Carta. Essa ratificação, todavia, foi seguida da elaboração de outro documento, denominado Petição de Direitos, que objetivou aumentar as tímidas garantias dos ingleses. De 1628, contém o documento o seguinte final: Por todas estas razões, os lordes espirituais e temporais e os comuns humildemente imploram a Vossa Majestade que, a partir de agora, ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benefício e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, a executar algum serviço, ou ser encarcerado, ou, duma forma ou doutra, molestado ou inquietado, por causa desses tributos ou da recusa em pagá-los; qualquer das formas acima indicadas; e que Vossa Majestade haja por bem retirar os soldados e marinheiros, e que, para o futuro, o nosso povo não volte a ser sobrecarregado; e que as comissões para aplicação da lei marcial sejam revogadas e anuladas e que, doravante, ninguém jamais possa ser incumbido de outras comissões semelhantes, a fim de nenhum súdito de Vossa Majestade padecer ou ser morto, contrariamente às leis e franquias do país. Como se vê, os soberanos ingleses, em sua maioria, tentavam exercitar o absolutismo no limite máximo de tensão, esbarrando, entretanto, na resistência formal e organizada dos barões. Aos poucos, o Parlamento vai ficando em posição superior à do próprio rei.

ATO DE HABEAS CORPUS (ACT OF HABEAS CARPUS)
De 1679. Foi elaborado pelo Parlamento e sancionado pelo rei. Objetivava proteger os súditos contra as detenções arbitrárias. Dessa forma, melhor especificava o cabimento e a forma a ser obedecida quando da existência de situação que requisitasse sua impetração, porquanto os monarcas não atendiam aos pedidos de habeas corpus, tornando letra morta as leis existentes que cuidavam desse instituto.

DECLARAÇÃO DE DIREITOS (BILL OF RIGHTS)
Em 1689, veio a Declaração de Direitos, que em seus 13 artigos consolidou ideais políticos do povo inglês. Não constitui uma declaração de direitos individuais, na exata concepção do termo. Consistiu em um conjunto de imposições, ainda sem forma definida, o qual, no sentido estrito da expressão, trazia apenas três direitos individuais caracterizados: liberdade, defesa da propriedade e segurança individual. Ela vedava ao rei a autoridade de suspender o cumprimento das leis, proibia a cobrança de impostos que não fossem votados pelo Parlamento, exigia o Direito de petição ao rei,

13

impugnava as prisões ilegais, exigia a anuência do Parlamento para a criação de exércitos em tempo de paz, reclamava a liberdade para as eleições ao Parlamento' exprobrava as despesas exorbitantes e os impostos excessivos, proclamava que a lista dos jurados eleitos deveria ser elaborada na devida forma e com as notificações necessárias, anulava as concessões abusivas e as confiscações ilegais e impunha que os parlamentos fossem convocados para corrigi-Ias. Era, enfim, um pacto que visava atacar os abusos cometidos pelo rei, declarando-os ilegais e, por conta desses temas, determinava que o rei estava proibido de violar as leis votadas pelo Parlamento, aprovava a fixação dos vencimentos reais e de sua tropa, além de, por fim, ratificar expressamente os documentos que o antecederam (a Magna Carta, a Petição de Direitos e o Ato de Habeas Corpusi. É considerado, por isso, a parte final dos documentos ingleses que formaram as bases de um longo movimento chamado constitucionalismo. Enfim, os direitos e princípios assegurados nestes documentos e que passaram a ser incorporados pelas constituições contemporâneas constituem hoje princípios constitucionais, dentre os quais se encontram o Direito de petição, a não exigência de tributos sem previsão legal (legalidade tributária), o habeas corpus, o devido processo legal, o juiz natural, a probidade administrativa etc. Contudo, paradoxalmente, justamente em virtude da força do common law, na Inglaterra não existe, até hoje, como já dissemos em outra passagem, uma Constituição escrita nem códigos de leis, baseando-se ainda o Direito constitucional inglês no costume e nos precedentes judiciários (Direito consuetudinário).

Sponsor Documents

Or use your account on DocShare.tips

Hide

Forgot your password?

Or register your new account on DocShare.tips

Hide

Lost your password? Please enter your email address. You will receive a link to create a new password.

Back to log-in

Close