Tmi

Published on June 2017 | Categories: Documents | Downloads: 34 | Comments: 0 | Views: 344
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Guilherme de Carvalho Algumas pessoas ficaram chateadas porque eu disse em certo lugar que "a hermenêutica da Teologia de Missão Integral" é "furada". E disseram que quem fala isso não entende de missão integral. Mas tenho como sustentar meu argumento. Tenho pesquisado e escrito sobre Missão Integral há uns 10 anos. Escrevi críticas que foram aprovadas por Dom Robinson Cavalcanti (se alguém precisar de um imprimatur). Sou um DEFENSOR do conceito de missão integral. No entanto, no discurso popular da TMI a ideia de empregar "Mediações Sócio-Analíticas" para interpretar e elaborar a teologia e a missão da igreja é amplamente praticada (embora frequentemente de forma tácita, quase inconsciente) de um modo que dissolve aspectos fundamentais da cosmovisão cristã e da fé evangélica, reintepretadas a partir de categorias seculares. Este é, "in a nutshell", o problema hermenêutico da TMI. Uma evidência disso é que muitos defensores da TMI que tenho encontrado por aí (não me refiro a líderes que admiro como o Ari ou o Valdir, mas ao "chão de fábrica" da "esquerda gospel") adquirem sem perceber uma aversão a qualquer confessionalismo ou esforço por coerência teológica, confundindo isso com fundamentalismo "straight on". Em níveis mais avançados, há os que confundem "teologia cristã" com "ciências da religião" com a maior naturalidade (duas coisas boas, mas que não podem ser confundidas). E é por isso também que a TdL, repudiada pela TMI no discurso oficial, é admirada no "chão de fábrica", à "boca pequena". Escrevi uns 5 capítulos sobre o tema que nunca foram respondidos (nos livros "Cosmovisão Cristã e Transformação" e "Fé Cristã e Cultura Contemporânea", ambos da Ultimato). Espero que meus críticos parem de reclamar de mim no facebook e leiam o que escrevi antes de escrever suas respostas. Mas não quero conflito gratuito; quero diálogo e ideias vivas. Quero aperfeiçoar minha análise também. Mas a verdade é que boa parte dos meus críticos nunca leu nada que escrevi nem ouviu nossas palestras em L'Abri. Simplesmente não sabem do que estou falando.

Ariovaldo Ramos 20 de maio

Carta aberta ao programa "Academia em Debate", do Centro Presbiteriano Andrew Jumper, de Pós-graduação, na Tv Mackenzie (digital experimental) apresentado pelo Rev. Doutor Augustus Nicodemus Gomes Lopes, na sua edição n° 37. Raramente me presto a tecer considerações sobre as tentativas de análise à chamada Teologia da Missão Integral, feitas em território nacional, porque, na maioria das vezes, tais intentos são pautados pela ignorância, pela má fé, pela desonestidade intelectual, pela ausência de rigor acadêmico e pelo mero preconceito. Desta feita, entretanto, por se tratar de interlocutor que merece audição, posto uma carta aberta ao programa "Academia em Debate", do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper, apresentado pelo Rev. Doutor Augustus Nicodemus, que priva do respeito de todos os seus pares, entre os quais me incluo. O programa convidou dois pastores e filósofos: Rev. Jonas Madureira e Rev. Filipe Fontes para tecerem comentários à TMI. Apesar de entender que os comentadores foram, possivelmente, traídos pela tempo escasso que lhes foi concedido, por força do limite natural ao veículo da comunicação; gostaria de tecer algumas impressões sobre o

conteúdo das exposições. . Celebro a intenção do programa, porém, os comentários não manifestaram análise técnica, uma vez que as afirmações não foram sustentadas por referencial teórico, não deixando aos espectadores outra opção, senão, a de crerem na veracidade das falas, pela suposição de estarem diante de autoridades competentes, embora não tenha sido apresentada nenhuma credencial dos mesmos como estudiosos do tema em questão, o que não tolda a qualidade dos mesmos nas áreas em que tenham se especializado. As colocações dos convidados não elucidaram o tema, suas críticas, de fato, por falta de rigor, mais pareceram meros ataques, e soaram como opiniões pessoais, acabando por correr o risco de ter prestado um desserviço ao debate teológico, sempre tão necessário, principalmente, neste momento da Igreja brasileira, tão vilipendiada por causa de maus exemplos, principalmente, midiáticos, e acossada por tantos ventos doutrinários. À guisa de contribuição, como simpático ao conteúdo veiculado pelos teólogos proponentes dessa reflexão teológica, a TMI, dos quais destaco, por antigüidade, Renê Padilla, Pedro Arana e Samuel Escobar, faço as seguintes e próprias menções sobre as ênfases da TMI: 1- A TMI nasce das reflexões, principalmente, dos teólogos citados, nas décadas de 50 e de 60, e que foram apresentadas nos CLADEs, Congressos Latino-Americanos de Evangelização, realizados em Bogotá - Colômbia (1969), Huampani - Peru (1979), Quito Equador (1992 e 2000), Tais reflexões foram iniciadas e propostas antes do que veio a ser conhecido como Teologia da Libertação (Gustavo Gutierrez, 1971), também latinoamericana. 2- O que há de coincidente entre ambas teológicas latino-americanas é o fato de serem teologias da Práxis, isto é, reflexões teológicas sobre a ação da igreja, como propagadora do Evangelho, no cotidiano da sociedade em que está incrustada. 3- A ênfase da reflexão da TMI, sobre a prática da Igreja, voltada para o cotidiano, parte da proposição do Prof Padilla, de que a evangelização não desconsidera o contexto do evangelizando. 4- A proposição de Padilla se sustenta no declaração do Senhor Jesus, de que o Evangelho é do Reino (Mt 24.14; Lc 4.43), portanto, tendo como conteúdo as boas notícias da chegada de uma nova ordem mundial (Dn 2.44), manifesta pela Igreja, porém, só implantada na volta visível e triunfal do Cristo. Daí há pecado pessoal e pecado estrutural. E para ambos pecadores a Igreja propõe arrependimento. 5- Só será possível participar dessa nova ordem pelo novo nascimento, que é sempre pessoal, porém, graças às boas obras, que são a luminosidade da Igreja, a sociedade, em geral, será beneficiada, e levada a dar graças a Deus (Mt 5.16). 6- O chamado Pacto de Lausanne é fruto do Congresso Mundial de Evangelização realizado, em 1974, na cidade de Lausanne, na Suíça; graças ao trabalho de John Stott,

reconhecido teólogo Anglicano, já falecido, que promoveu o encontro entre a teologia dos irmãos do Norte, com a contribuição missiológica da reflexão teológica latino-americana, denominada de TMI, e com as contribuições africanas e asiáticas, cujo resultado foi sintetizado na frase: "O Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens". Onde "o Evangelho todo" é compreendido como o poder de Deus para a Salvação de todo o que crê, assim como o poder de Deus para interferir na estrutura da sociedade, para dar sobrevida à humanidade, pela promoção da justiça. Como se pode verificar na irrupção da chamada modernidade, a era dos direitos humanos, iniludível fruto do cristianismo. Onde "o homem todo" é a compreensão do ser humano como ser complexo, com potencial cognoscente, religioso, fabril, econômico, social, político, comunitário, lúdico, artístico - que a tudo afeta e por tudo é afetado - portanto, alcançado pelas boas notícias do Reino, quando os sinais da presença do Reino se manifestam nele, e em tudo o que o afeta e por ele é afetado. Onde a proposição "todos os homens" compreende a totalidade das nações humanas, que devem ser alcançadas pelo anúncio do evangelho do Reino de Deus, tanto no âmbito pessoal-familiar, como no âmbito da organização sócio-política, e que serão julgadas por suas práticas no trato do ser humano, frente a forma como se organizaram, e construíram os relacionamentos internacionais e intersociais (Mt 25.31-46). 7- A TMI é Ortdoxa, sustentando os paradigmas histórico-bíblicos da fé protestante, porém, ampliando a compreensão missiológica da Igreja como agência da "Missio Dei", uma vez que toda a iniciativa é do Altíssimo Deus Trino. Talvez, nessa compreensão, seja melhor intitular a reflexão de "A Teologia Com Missão Integral". 8- A TCMI faz exegese histórico-gramatical; e sua hermenêutica parte da sacralidade, inerrância e infalibilidade da Bíblia, na busca pelo mais próximo possível do sentido original, porém, no afã de aplica-lo da forma mais compreensível, relevante e provocadora de transformação ao contemporâneo; sua abordagem fática serve-se da interdisciplinariedade, uma vez que, o que chamamos de realidade demanda muitos e distintos observadores para poder ser proposta como tal. E procuramos discerni-la para entender as perguntas a que devemos responder, nunca para nortear ou compor com o kerigma, a proclamação. 9- O referencial teórico da TCMI é a doutrina da presença (Lc 17.21) e da iminência do Reino de Deus, onde o Reino é compreendido como o Governo do Ungido pela implantação da sua Justificação e Justiça. A Igreja, então, se vê, no cotidiano, como anunciadora da justificação, e sinalizadora da presença e do princípio do Governo do Ungido, pela busca por fazer manifesto e aplicado o conceito judaico-cristão de justiça. 10- A priorização do pobre não é vista como uma opção, mas, como demanda do Cristo, que apresentou a pregação do evangelho aos pobres como uma de suas credenciais messiânicas (Mt 11.5).

Sem mais, no anseio de colaborar com o debate teológico, que desejo, um dia, se instaure, Ariovaldo Ramos Augustus Nicodemus Lopes compartilhou a foto de Filipe Fontes. 21 de maio

RESPOSTA AO PR. ARIOVALDO RAMOS Caro Pr. Ariovaldo Ramos, Muito obrigado por sua resposta irênica, tranquila e respeitosa. Saiba que o respeito e a consideração são mútuos. Permita-me uma ou duas palavras à guisa de interação com sua “Car... Ver mais Ultimas palavras, por enquanto... Tenho optado por não entrar em debates pela internet. Além da falta de tempo que assola a todos nós, me sinto incomodado pelo fato de que debates teológico-acadêmicos se transformam muito rapidamente em troca de acusações neste veículo. Lamentavelmente, já tenho visto isto acontecer neste debate também, embora não generalizadamente. A carta aberta escrita pelo Pr. Ariovaldo Ramos – a quem agradeço pela maneira tão gentil e fraterna com que escreveu – apresenta, por exemplo, um tom bem diferente. Este post não é, definitivamente, uma mudança de postura. Não pretendo desenvolver um debate virtual. Não por que não seria agradável participar de uma conversa gentil, mas por que o tempo e esforço exigido, e as brigas que provoco sem querer me cansam em demasia para as atividades ministeriais. Se eu continuar entendendo ser relevante, publicarei sobre o assunto no futuro em algum lugar – é assim que concebo o debate acadêmico. Este post tem apenas o objetivo de fazer considerações que gostaria de ter feito no programa, mas que não pude fazer pela exiguidade de tempo e pelas limitações do veículo. Possivelmente serão minhas últimas no momento. 1) Há um esforço por relacionar a ideia de “Missão Integral” com uma teologia ortodoxa. Mas, na prática teólogos de várias tendências diferentes se apropriaram e fazem uso dela no Brasil atualmente; desde teólogos que defendem a inspiração, inerrância e infalibilidade da Bíblia, até aqueles que duvidam da possibilidade de qualquer conhecimento objetivo de Deus, reputando-o como autobiográfico, o que é próprio do liberalismo clássico. Por isso, creio que definir MI é hoje uma tarefa bastante difícil. 2) Esta apropriação por parte de tendências teológicas tão diferentes somente é possível pela falta de comprometimento radical da MI com uma tradição teológica de pensamento. Guilherme de Carvalho, no artigo intitulado A missão integral na encruzilhada: Reconsiderando a tensão no pensamento teológico de Lausanne, na obra Fé cristã e cultura contemporânea, publicada em 2009 pela Ultimato, já denunciou esse problema. Ao que parece, a MI parece ser uma postura prática que tem recebido conteúdo teológico a posteriori. Ou seja, ao invés de caminhar da teologia para a prática, promove um

movimento inverso. 3) Embora carregue o adjetivo integral, a MI tem se mostrado pragmaticamente reducionista. Até mesmo alguns de seus proponentes no Brasil reconhecem isso, ao mesmo tempo em que procuram defender que esse reducionismo seria uma espécie de desvio. Para mim ele parece ser consequência natural de seu método dialético (apontado por Ricardo Gondim em sua tese de doutoramento publicada em 2010 pela Fonte editorial, com o título: Missão Integral: Em busca de uma identidade evangélica), sobretudo da escolha do materialismo histórico como parceira de diálogo. 4) Se a MI nasce marxista, eu não estou totalmente à vontade para afirmar. Se a MI é toda marxista, também não. Mas que há traços de marxismo em seu desenvolvimento e que o que temos recebido mais recentemente no Brasil e tem se tornado mais popular está marcado por tal influência, creio ser facilmente perceptível. Como eu afirmei no programa, vejo 4 relações entre as duas coisas: a) Semelhança histórica: A MI surgiu no período de profundo florescimento do pensamento esquerdista na América Latina e foi desenvolvida no seio de movimentos e organizações que forjaram também perspectivas teológicas claramente comprometidas com um ideário materialista histórico, como a Teologia da Libertação. Por exemplo: FTL (Fraternidade Teológica Latino Americana) e ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). b) Semelhança metodológica: Constantemente se ouve, atrelado à MI o discurso da necessidade de uma teologia regional, brasileira, tupiniquim, à parte da tradição teológica europeia-norte americana que recebemos. Esse discurso antitradicionalista de rompimento com a tradição é muito semelhante ao do próprio Marx, que nas Teses contra Feuerbach, incluídas depois na Ideologia Alemã, afirma que os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; enquanto o que importa é transformá-lo. c) Semelhança terminológica: Proponentes da MI no Brasil costumam aplicar ao Novo Testamento, de maneira mais direta ao ministério de Cristo, termos academicamente cristalizados como marxistas, como alienação, revolução, ideologia, subversão, dentre outros. d) Semelhança de ênfase conceitual: Não é incomum também encontrarmos em textos e falas dos proponentes mais conhecidos da MI no Brasil atualmente, uma ênfase nos impactos econômicos da obra de Cristo e de seu reino. Em algumas ocasiões a ideia de que o Reino produz transformações de cunho econômico é quase que uma constante exclusiva. 5) Embora eu não negue momentos de verdade no marxismo, ele é fundamentalmente antagônico ao cristianismo, enquanto cosmovisão. Primeiramente, por que é materialista. Isto é, ignora qualquer dimensão transcendente. Segundo, por que sendo materialista, reduz a dinâmica da vida humana às suas relações socioeconômicas, localizando nesse nível: criação, queda, e redenção. Correndo o risco de imprecisões: enquanto o cristianismo localiza a origem do homem em Deus, o marxismo a localiza na produção.

Enquanto o cristianismo localiza a queda na quebra da relação do homem com Deus, o marxismo a localiza na opressão de um modelo econômico. Enquanto o cristianismo localiza a redenção na reconciliação com Deus por meio de Cristo, o marxismo a concebe como a instauração revolucionária de um modelo econômico. Qualquer tentativa de síntese do cristianismo com uma perspectiva tão religiosamente comprometida, dificilmente passa ilesa. É aqui que, na minha opinião, nasce o reducionismo. 6) Criticar um determinado paradigma não significa ignorar eventuais problemas que ele tenha levantado, nem mesmo eventuais contribuições que ele tenha a oferecer. Creio que a MI levanta um problema real: precisamos de uma concepção de missão que tenha um impacto mais abrangente. Creio também que a MI tem uma contribuição efetiva: chamar nossa atenção para a necessidade de considerar dentro dessa concepção de missão o papel social da igreja e a preocupação com o pobre – isto é legítimo. Mas, pela razão apresentada acima, não creio que ela poderá nos fornecer uma concepção efetivamente integral, pelo menos nos caminhos trilhados mais recentemente no Brasil. 7) Creio que nós, cristãos tradicionais, devemos ser não apenas reativos, mas também propositivos. Sendo assim, defendo que precisamos pensar numa alternativa para essa questão da missão da igreja e seu impacto cultural. Primeiramente, precisamos de uma perspectiva evangélica, ou seja, que considere a centralidade do evangelho na missão da igreja. Em segundo lugar, precisamos fazer isso dentro de um escopo teológico mais amplo. Precisamos da tradição! Por fim, precisamos de criatividade. Creio que não daremos respostas satisfatórias simplesmente reproduzindo modelos. Nossa realidade é muito específica, e requer que façamos um exercício criativo de aplicação dos princípios do evangelho e de uma tradição de pensamento. Minha sugestão é de que bons insights podem ser encontrados no neocalvinismo holandês – movimento liderado por Abraham Kuyper no fim do século XIX. Creio que ele conjuga bem tradição e aplicação criativa e pode ser muito útil enquanto inspiração pra nós. 8) Dentre as perguntas que recebi ontem, alguém mais prático me perguntou: você acha que uma igreja deve abrir uma creche? Segue a resposta: Para mim, nenhuma igreja (comunidade local) deve sentir-se tão culpada por não ter aberto uma, quanto por não preparar bem seus membros no poder do Evangelho para viver a vida cristã de modo impactante em todas as esferas da vida. E nenhuma igreja deve sentir-se satisfeita simplesmente por ter uma, se esta não estiver a serviço de sua tarefa primeira: a de proclamação do evangelho de Cristo. Uma igreja deve fazer mais do que abrir uma creche. Ela deve fazer assistência social evidenciando por que faz e transformando o modo de fazer. Deve mais que abrir uma escola. Deve usar sua escola como meio de submeter a educação ao senhorio de Cristo. Deve mais que ter um grupo de teatro. Deve transformar o modo como a arte é feita e experimentada no lugar onde ela está inserida. A todos os leitores, meu grande abraço. Filipe Fontes 21 de maio

Ultimas palavras, por enquanto... Tenho optado por não entrar em debates pela internet. Além da falta de tempo que assola a todos nós, me sinto incomodado pelo fato de que debates teológico-acadêmicos se transformam muito rapidamente em troca de acusações neste veículo. Lamentavelmente, já tenho visto isto acontecer neste debate também, embora não generalizadamente. A carta aberta escrita pelo Pr. Ariovaldo Ramos – a quem agradeço pela maneira tão gentil e fraterna com que escreveu – apresenta, por exemplo, um tom bem diferente. Este post não é, definitivamente, uma mudança de postura. Não pretendo desenvolver um debate virtual. Não por que não seria agradável participar de uma conversa gentil, mas por que o tempo e esforço exigido, e as brigas que provoco sem querer me cansam em demasia para as atividades ministeriais. Se eu continuar entendendo ser relevante, publicarei sobre o assunto no futuro em algum lugar – é assim que concebo o debate acadêmico. Este post tem apenas o objetivo de fazer considerações que gostaria de ter feito no programa, mas que não pude fazer pela exiguidade de tempo e pelas limitações do veículo. Possivelmente serão minhas últimas no momento. 1) Há um esforço por relacionar a ideia de “Missão Integral” com uma teologia ortodoxa. Mas, na prática teólogos de várias tendências diferentes se apropriaram e fazem uso dela no Brasil atualmente; desde teólogos que defendem a inspiração, inerrância e infalibilidade da Bíblia, até aqueles que duvidam da possibilidade de qualquer conhecimento objetivo de Deus, reputando-o como autobiográfico, o que é próprio do liberalismo clássico. Por isso, creio que definir MI é hoje uma tarefa bastante difícil. 2) Esta apropriação por parte de tendências teológicas tão diferentes somente é possível pela falta de comprometimento radical da MI com uma tradição teológica de pensamento. Guilherme de Carvalho, no artigo intitulado A missão integral na encruzilhada: Reconsiderando a tensão no pensamento teológico de Lausanne, na obra Fé cristã e cultura contemporânea, publicada em 2009 pela Ultimato, já denunciou esse problema. Ao que parece, a MI parece ser uma postura prática que tem recebido conteúdo teológico a posteriori. Ou seja, ao invés de caminhar da teologia para a prática, promove um movimento inverso. 3) Embora carregue o adjetivo integral, a MI tem se mostrado pragmaticamente reducionista. Até mesmo alguns de seus proponentes no Brasil reconhecem isso, ao mesmo tempo em que procuram defender que esse reducionismo seria uma espécie de desvio. Para mim ele parece ser consequência natural de seu método dialético (apontado por Ricardo Gondim em sua tese de doutoramento publicada em 2010 pela Fonte editorial, com o título: Missão Integral: Em busca de uma identidade evangélica), sobretudo da escolha do materialismo histórico como parceira de diálogo. 4) Se a MI nasce marxista, eu não estou totalmente à vontade para afirmar. Se a MI é toda marxista, também não. Mas que há traços de marxismo em seu desenvolvimento e que o que temos recebido mais recentemente no Brasil e tem se tornado mais popular está marcado por tal influência, creio ser facilmente perceptível. Como eu afirmei no programa,

vejo 4 relações entre as duas coisas: a) Semelhança histórica: A MI surgiu no período de profundo florescimento do pensamento esquerdista na América Latina e foi desenvolvida no seio de movimentos e organizações que forjaram também perspectivas teológicas claramente comprometidas com um ideário materialista histórico, como a Teologia da Libertação. Por exemplo: FTL (Fraternidade Teológica Latino Americana) e ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). b) Semelhança metodológica: Constantemente se ouve, atrelado à MI o discurso da necessidade de uma teologia regional, brasileira, tupiniquim, à parte da tradição teológica europeia-norte americana que recebemos. Esse discurso antitradicionalista de rompimento com a tradição é muito semelhante ao do próprio Marx, que nas Teses contra Feuerbach, incluídas depois na Ideologia Alemã, afirma que os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; enquanto o que importa é transformá-lo. c) Semelhança terminológica: Proponentes da MI no Brasil costumam aplicar ao Novo Testamento, de maneira mais direta ao ministério de Cristo, termos academicamente cristalizados como marxistas, como alienação, revolução, ideologia, subversão, dentre outros. d) Semelhança de ênfase conceitual: Não é incomum também encontrarmos em textos e falas dos proponentes mais conhecidos da MI no Brasil atualmente, uma ênfase nos impactos econômicos da obra de Cristo e de seu reino. Em algumas ocasiões a ideia de que o Reino produz transformações de cunho econômico é quase que uma constante exclusiva. 5) Embora eu não negue momentos de verdade no marxismo, ele é fundamentalmente antagônico ao cristianismo, enquanto cosmovisão. Primeiramente, por que é materialista. Isto é, ignora qualquer dimensão transcendente. Segundo, por que sendo materialista, reduz a dinâmica da vida humana às suas relações socioeconômicas, localizando nesse nível: criação, queda, e redenção. Correndo o risco de imprecisões: enquanto o cristianismo localiza a origem do homem em Deus, o marxismo a localiza na produção. Enquanto o cristianismo localiza a queda na quebra da relação do homem com Deus, o marxismo a localiza na opressão de um modelo econômico. Enquanto o cristianismo localiza a redenção na reconciliação com Deus por meio de Cristo, o marxismo a concebe como a instauração revolucionária de um modelo econômico. Qualquer tentativa de síntese do cristianismo com uma perspectiva tão religiosamente comprometida, dificilmente passa ilesa. É aqui que, na minha opinião, nasce o reducionismo. 6) Criticar um determinado paradigma não significa ignorar eventuais problemas que ele tenha levantado, nem mesmo eventuais contribuições que ele tenha a oferecer. Creio que a MI levanta um problema real: precisamos de uma concepção de missão que tenha um impacto mais abrangente. Creio também que a MI tem uma contribuição efetiva: chamar nossa atenção para a necessidade de considerar dentro dessa concepção de missão o papel social da igreja e a preocupação com o pobre – isto é legítimo. Mas, pela razão apresentada acima, não creio que ela poderá nos fornecer uma concepção efetivamente

integral, pelo menos nos caminhos trilhados mais recentemente no Brasil. 7) Creio que nós, cristãos tradicionais, devemos ser não apenas reativos, mas também propositivos. Sendo assim, defendo que precisamos pensar numa alternativa para essa questão da missão da igreja e seu impacto cultural. Primeiramente, precisamos de uma perspectiva evangélica, ou seja, que considere a centralidade do evangelho na missão da igreja. Em segundo lugar, precisamos fazer isso dentro de um escopo teológico mais amplo. Precisamos da tradição! Por fim, precisamos de criatividade. Creio que não daremos respostas satisfatórias simplesmente reproduzindo modelos. Nossa realidade é muito específica, e requer que façamos um exercício criativo de aplicação dos princípios do evangelho e de uma tradição de pensamento. Minha sugestão é de que bons insights podem ser encontrados no neocalvinismo holandês – movimento liderado por Abraham Kuyper no fim do século XIX. Creio que ele conjuga bem tradição e aplicação criativa e pode ser muito útil enquanto inspiração pra nós. 8) Dentre as perguntas que recebi ontem, alguém mais prático me perguntou: você acha que uma igreja deve abrir uma creche? Segue a resposta: Para mim, nenhuma igreja (comunidade local) deve sentir-se tão culpada por não ter aberto uma, quanto por não preparar bem seus membros no poder do Evangelho para viver a vida cristã de modo impactante em todas as esferas da vida. E nenhuma igreja deve sentir-se satisfeita simplesmente por ter uma, se esta não estiver a serviço de sua tarefa primeira: a de proclamação do evangelho de Cristo. Uma igreja deve fazer mais do que abrir uma creche. Ela deve fazer assistência social evidenciando por que faz e transformando o modo de fazer. Deve mais que abrir uma escola. Deve usar sua escola como meio de submeter a educação ao senhorio de Cristo. Deve mais que ter um grupo de teatro. Deve transformar o modo como a arte é feita e experimentada no lugar onde ela está inserida. A todos os leitores, meu grande abraço.

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